A força artística da voz

JORGE

Em um país no qual 60% dos brasileiros preferem filmes falados em português, não é à toa que a arte da dublagem prospera e faz o Brasil se destacar como um dos que tem os melhores profissionais da área no mundo.

Um deles é Jorge Lucas, cuja voz você ouve quando vê filmes e séries de TV dublados com astros como Ben Affleck, Charlie Sheen, Matt Damon, Jamie Foxx, Vin Diesel, para citar apenas alguns dos diversos artistas  que dubla.

A paixão por este difícil ofício vem da infância, quando Jorge brincava criando vozes diferentes para personagens imaginários que gostava de inventar. Na vida adulta, a vontade de viver a história de outras pessoas o fez escolher a carreira de ator. Já formado, viu na dublagem mais um rico campo de trabalho.  E é  na pequena cabine de dublagem que ele se diverte, se realiza e se dedica há quase 25 anos.

 

Fale da sua trajetória profissional…

Sou ator formado pela Uni-Rio. Comecei fazendo muito teatro: muitos infantis e adultos como “Roque Santeiro”, “Ira de Aquiles”, “Othelo”, entre outras.

Fiz ainda alguns filmes como “Verônica”, “Divã”, “Minha mãe é uma peça 2”, “Bellini e a esfinge”, “Os normais 2”, e tive várias participações em novelas e programas da TV Globo como “JK”, “Você Decide”, “A diarista”, “A Favorita”, “Babilônia”, “Fina Estampa”… Puxa, a lista é enorme!

Apresentei também, por dois anos, o programa educativo “Nós da escola”, da MultiRio. Fiz também muitos comerciais para TV e rádio.

Ah, sim, e sou dublador há 24 anos. Em “Avatar”, fiz a voz de Jake Sully; em “Batman x Superman”, fiz o homem-morcego; em “Criminal Minds”, dublei o Aaron Hotch; já em “XFiles”, fiz o agente Fox Mulder; e em “Two and a Half Man”, dublei o Charlie Harper.

Já fiz 20 longas-metragens dublando o ator Ben Affleck. Estes são alguns dos principais e mais acarinhados trabalhos.

 

Em “Batman X Superman” Jorge Lucas dubla Ben Affleck, no papel do homem-morcego

 

Por que decidiu ser ator?

Cedo percebi, dentro de mim, uma necessidade de brincar com a vida, e se tem uma coisa que a vida não admite é que se brinque com ela, pois ela cobra. Brincava com meus bonecos, fazia teatrinho inventando vozes, enredos, personagens… Ir ao cinema sempre foi um mistério e um momento muito especial.

Já o teatro e a TV me encantavam pela possibilidade de não ser e não estar, de anular minha pessoa em detrimento de algo que já foi escrito, ou seja, brincar de ser alguém diferente daquilo que eu conheço bem, eu mesmo.

Creio que esse tenha sido o maior o motivo da minha decisão, ter ido atrás desse eterno lado poético, romântico: a possibilidade de viver em realidade virtual trabalhando e ainda manter aquela seriedade que a vida exige, pois, sem profissionalismo, não existe ator.

 

E por que enveredou para a o universo da dublagem?

A dublagem sempre me atraiu desde a infância, qual criança nunca quis saber quem fazia aquela vozes de seus desenhos animados preferidos? Começou aí. Fui crescendo e, cada vez mais, querendo saber quem eram aqueles atores brasileiros por trás daqueles atores estrangeiros que eu ouvia e que, de forma tão bela, transmitiam toda a emoção do trabalho original. Ao sair da escola de teatro, procurei um curso de dublagem e percebi que haveria uma chance de abrir mais uma porta de trabalho para mim.

 

Um dos mais longos trabalhos de Jorge Lucas foi dublar Charlie Sheen na série de TV americana Two and a Half Men, ao longo de nove temporadas (2003 a 2011)

 

Quais são as maiores dificuldades no trabalho da dublagem?

A técnica é muito difícil. Há grandes atores de teatro, cinema e TV que não conseguem dublar dada a especificidade técnica exigida. A naturalidade da interpretação é fundamental. O ator-dublador deve sempre respeitar o trabalho do colega no original. A rapidez do trabalho também é algo que complica muito.

 

Como é trabalhar tendo só a voz para interpretar um personagem?

O conhecimento e técnica vocal são fundamentais, saber usar os níveis de sua própria voz. Mas é importante que se diga que nossa voz não sai só da garganta, usamos todo o nosso corpo para emitir sons, mesmo parados diante de um microfone. Ter apenas a voz como expressão emocional, interpretativa e técnica é um eterno desafio. Por exemplo: uma comédia não pode ser dublada na mesma altura vocal de um drama. Um documentário não é narrado da mesma forma que se dubla um reality etc. O grande desafio está em adaptar a técnica ao seu jeito de ser ator, mas isso abrange todo o trabalho do ator.

 

A dublagem brasileira é considerada uma das melhores do mundo. O que faz os nossos profissionais se destacarem?

Nossa naturalidade, sensibilidade, profissionalismo, compromisso, talento, seriedade, respeito e total improviso. Os atores brasileiros são muito talentosos em todas as formas de expressão. Nossa dublagem é referência para os grandes estúdios do mundo exatamente por não nos restringirmos a apenas dublar, nós damos a nossa versão brasileira, conseguimos através de nosso enorme talento artístico trazer o filme, desenho, o ator e atriz para perto do público. O maior elogio que um ator-dublador pode receber é quando ouvimos: “cara, parece que o Batman nasceu no Rio, de tão natural e orgânico que está.”

 

Jorge Lucas também dublou o Chapéu Seletor, no filme Harry Potter e a Pedra Filosofal

 

Geralmente, um dublador acaba fazendo a voz de um ator em vários filmes. Com você aconteceu com Charlie Sheen, Ben Affleck, Vin Diesel, Matt Damon etc. Por que é importante ter essa fidelização de dublagem?

A fidelização é importante para trazer identidade ao trabalho. Fica mais fácil acreditar que aquele ator lá na tela está falando em português quando já ouvimos a mesma voz nele outras vezes. Há uma questão emocional aos fãs de dublagem, que são muitos, são mega queridos e cada vez em maior número. Eles não gostam quando as vozes brasileiras de seus astros e estrelas internacionais são alterados.

 

Que cuidados é preciso ter com a voz?

Descanso, água, conhecimento técnico, fonoaudiologia, canto. Evitar excessos noturnos, cigarros, álcool. O ator tem apenas seu corpo como ferramenta de trabalho. É necessário cuidado, respeito e amor pela máquina.

 

Além de dublador, você continua firme na carreira de ator, participando de filmes e novelas.  A vivência com a dublagem colabora para seu trabalho como ator, na construção de um personagem? Ou é o contrário?

A dublagem é uma escola maravilhosa no que diz respeito à compreensão rápida do texto, a uma boa leitura e entendimento de texto. Ela dá ao ator uma velocidade de compreensão da cena. A construção de um personagem vem do ator, não importa o veículo.

 

O ator em cena na novela Pé na Jaca (2006/2007), da TV Globo

 

Você atualmente está gravando uma novela… O ritmo de trabalho é diferente do da dublagem?

Totalmente diferente. Dublamos um longa-metragem em um dia de trabalho, graças aos computadores, é bom que se diga. A novela é um trabalho de um ano. Ambos os veículos são técnicos, mas díspares em suas especificidades.

A repetição incansável até o melhor é algo que os une, aliás, a arte do ator é a arte da repetição em direção ao melhor plano, ao melhor loop (assim chamamos a cena de 20 segundos na dublagem), à melhor cena no teatro etc.

 

Depois de todos esses anos de labuta, que lições você aprendeu?

Aprendi a ter perseverança, fé e amor pelo trabalho.  A vida é uma estrada de caminhos desconhecidos, mas as setas e os sinais nos são dados sempre, é preciso manter os olhos abertos, manter o foco e a gratidão sempre ligados.

 

Para saber mais sobre o trabalho de dublagem de Jorge Lucas no Youtube:

https://www.youtube.com/user/jorgelucasph/videos

 

Author

Jornalista, roteirista, mãe, poeta, editora, escrivinhadora, atriz. Mulher. Sou filha da PUC-Rio, formada em Comunicação Social com habilitação em jornalismo. Trabalhei em revistas sobre meio ambiente e educação. Fui parar na TV na produção do Globo Ecologia e logo estava participando da criação do Canal Futura, onde fiquei por mais de 7 anos. Trabalho na MultiRio, uma produtora de multimeios educativos da prefeitura do Rio de Janeiro, há 10 anos, atuando como roteirista e editora. Colaborei para os sites Opinião e Notícia e para o ArteCult escrevendo sobre Educação, Cultura, Cidadania, Meio Ambiente e fazendo várias entrevistas. Escrevi também para a Revista do Senac Educação Ambiental por cinco anos. Me formei em teatro pelas mãos de Bia Lessa. Fui dirigida por Alberto Renault e Roberto Bontempo. Conheci muita gente talentosa. Aprendi com muita gente boa. Fiz cursos livres de canto, de dança flamenca, de locução de rádio e de roteiro para TV e cinema. Sou uma leitora contumaz. E ótima ouvinte. Gosto de observar a vida e de dar pitaco em alguns assuntos os mais variados. Mãe de dois adolescentes, continuo aprendendo sobre a vida todos os dias. O humano me encanta. E me aterroriza também!