Fazer livros não é para fracos

Fazer livros não é para fracos

 

Thereza Christina Rocque da Motta

Um livro não é só seu autor e não é só a edição. Ambos devem estar conjugados da melhor maneira para o resultado ser bom. Eu não entendo um livro só gráfico, sem conteúdo. E não entendo um livro bem escrito e mal editado. Dá dó só de olhar. Há projetos gráficos que se superam, mas percebo que dão mais importância a isso do que para o livro em si, em alguns casos. Não sabem o trabalho que deu para o texto ser terminado. Quanto durou a revisão, o que entrou em questão, até a redação final do livro. Veem só pelo lado de fora.

Uma vez, chamei a atenção do meu designer que estava junto num lançamento, para quanto o livro estava sendo elogiado por fora. Comparei à construção de uma casa, em que só elogiam o exterior. Por trás da tinta da parede, há muitos tijolos e cimento. Muitos canos e ligações elétricas. Toda uma engenharia para fazer a casa funcionar desde a sua fundação. Como filha de arquiteta, e irmã e sobrinha de engenheiros, entendo bem de construções. Mas aplico isso aos livros, como ele é tecido, urdido por dentro. Só quem o faz sabe quanto ele significa. Como ele foi feito. Como foi concebido e finalmente produzido. O livro fica lindo por fora, mas, por dentro, tem que estar igualmente belo, bem diagramado, bem escrito, bem revisado, senão todo o trabalho se perde.

Fazer um livro feio custa o mesmo para se fazer um livro bonito. Mas um livro caro não quer dizer que vá ficar lindo. A qualidade não está só no papel e na tinta (mas até esses têm que ser bons também). Está na criação desse livro como algo individual. E aí passamos à transcendência. O livro sabe o que quer. Como ser existente, também pensa e sabe e se faz entender. Quem lida com livros, descobre que eles têm sua forma de se comunicar e de dizer o que querem. Tenho um sem-número de histórias nesse sentido. Fazer livros não é para os fracos. Ou como diria o avô de um editor que conheço, fazer livros é para profissionais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Author

Thereza Christina Rocque da Motta (São Paulo, SP, 1957) é poeta, editora e tradutora. Foi Jurada de Tradução do Prêmio Jabuti, em 2018. Recebeu a Medalha Chiquinha Gonzaga da Câmara dos Vereadores, em agosto de 2021. Coordena a Ponte de Versos desde 2000, evento incluído no Calendário Oficial de Cidade do Rio de Janeiro, em 2024. Fundou a Ibis Libris no Rio de Janeiro, em 2000. Publicou Joio & trigo (1982), Capitu (2014), Lições de sábado (crônicas, 2015), Minha mão contém palavras que não escrevo (2017), O amor é um tempo selvagem, Lições de sábado Vol. 2 e A vida dos livros Vol. 2 (2018), Poesia Reunida 40 anos (1980-2020), Sheherazade: Novas lendas das 1001 noites e três já conhecidas (2022), entre outros. Traduziu, entre outros, Marley & Eu, de John Grogan (2006), A Dança dos Sonhos, de Michael Jackson (2011), 154 Sonetos, de William Shakespeare (2009), Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll e O Corvo, de Edgar Allan Poe (2020), Mais mortais que os homens, org. Graeme Davis (2021) e A última casa da Rua Needless, de Catriona Ward (2023), vencedor do British Fantasy Award, como Melhor Romance de Terror de 2022.

5 comments

  • Ah, fazer livros! Afinal, é um trabalho para verdadeiros *profissionais*, não para os *fracos*, como bem diz a Motta. Quem não sabe que por trás da capa bonita (que custa tanto quanto uma feia) há uma engenharia de tijolos, canos e ligações elétricas, toda uma *processo criativo* bem diagramado? Mas eita, nem sempre a qualidade está só dentro, né? Um livro caro pode ser apenas papel e tinta (e até então nem sempre bom!), enquanto um texto simples pode te fazer mais pensativo do que um best-seller. A *resistência literária* está na essência, na forma como o livro *sabe o que quer* e te faz entender. E aí, quem lida com livros, sabe que eles têm sua própria *música*, sua própria *verso prosa*.Free Nano Banana

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    • Isso aí. O saber fazer tem que andar junto com o bom senso. Temos que pensar que o barato também pode sair bonito. Otimizar o custo é o segredo, porque o livro sempre custará mais caro ou mais barato dependendo de quem faz. Obrigada pelo comentário.

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  • Para quem é do Rio, o nome de Thereza é um bálsamo. Poder lê-la aqui, no Artecult, é uma outra felicidade. No mercado de design automotivo se fala o mesmo, o carro feio tem os mesmos custos do carro lindo, e um deles vem por alguma mazela do design. Livros lindos encantam com a alma sedutora da arte, e quando há arte fora e arte dentro, é puro deleite do fetichismo artístico. Essa tarde de segunda ficou mais feliz com essa declaração de amor à arte literária. Obrigado, Thereza

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