Eu Vi

Todos sabem que sou destemperada, nada formal. Tenho o meu olhar e minhas sensações. Nessa visceralidade sentida, me ponho a escrever. Então, vamos lá…

Vera Holtz vestida em uma lingerie no palco, atuando com majestade no espetáculo Sapiens — eu vi!
O espetáculo Todas as Coisas Maravilhosas, que ganhou o maior prêmio teatral, o APCA, com uma meia na mão — eu vi!
Hamlet, interpretado por Patrícia Selonk, milimetricamente pensado para ser atuado, deixando uma plateia inteira boquiaberta — eu vi!
Durante três horas, um artista negro conta a história do racismo estrutural do Brasil em Macacos, com uma bermuda preta e um batom vermelho — eu vi!
Durante a pandemia, duas mil e quinhentas pessoas assistiram online ao espetáculo A Invenção do Nordeste, do grupo Carmim — eu vi!
Uma jovem atriz, Marcela Treze, trazendo a história do pombo-gira ao teatro, quebrando recorde de público em aparelhos públicos da cidade do Rio de Janeiro — eu vi!
Pessoas sentadas no chão, após arquibancada lotada, para assistir Morte e Vida Severina, do Armazém da Utopia — eu vi!
Sirléia Aleixo, uma atriz de uma das comunidades mais violentas da “Cidade Maravilhosa”, atuando em Furacão, fazendo a plateia reverenciá-la — eu vi!
Um ator, quase centenário, contando sua história, sentindo-se obrigado a enfrentar temporadas ininterruptas para tentar sanar a vontade do público em assisti-lo — eu vi!
Um monólogo que representa todos os artistas do estilo teatral, depois de sua maior idade, A Descoberta das Américas — eu vi, e toda vez que eu tiver vontade, verei novamente!
O artista Tuca Andrada com seu Let’s Play That ou Vamos Brincar Daquilo, defendendo a democracia com talento sem igual — graças a Deus, eu vi!
Azul e Violeta, da Cia Artesanal — dois bonecos arrastando um grupo imenso de autistas ao teatro, inclusive cachorro, guiando deficiente visual — eu chorei, e vi!
O cabaré Cão Vadio, da Ave Lola, do sul do país: uma mulher uivava, dada como uma síndrome. O motivo, desnudado em outra cena — a morte da filha dela — levou-me a um choro incontrolável. EU VI!
Vi muitas outras coisas de excelência, mas ainda não vi Ray Charles, do Felipe, nem Rita Lee, da Mel Lisboa — mas vou ver, tenho fé!

E por que tudo isso, Paty Lopes? Por que todas essas lembranças do teatro brasileiro? Ou da sua memória afetiva?

Para dizer que agora posso dizer que vi também Édipo.Rec!
Uma peça como as demais mencionadas neste texto. Uma obra diferenciada, vinda lá de riba — lá de Pernambuco — e abraçada pelo Sesi Firjan.

E o que vi nesse espetáculo?

CONTEMPORANEIDADE!

Um estilo próprio de fazer teatro. Uma identidade legitimada, festiva e diferente.

Já tinha ouvido falar do Grupo Magiluth (@magiluth), pelo querido amigo das escritas, o crítico Gilberto Bartholo (@gilbertobartholo), que falou-me muito bem do grupo após tê-los assistido no Festival de Curitiba de 2024 — o melhor festival de teatro do Brasil. Os rapazes me convidaram por meio de uma página social, e eu fui.

Ao chegar lá, músicas da década de oitenta tocavam, e um shot era servido aos espectadores. Enfim, abriu-se o teatro e fomos convidados ao palco. Era uma festa. Pensei comigo mesma: o que estou fazendo aqui? É muita loucura! Porque de tudo um pouco tocava: Pabllo Vittar, Tim Maia e a música principal do icônico filme Dirty Dancing (para vocês terem uma ideia). E a gente dançava! Festa estranha com gente esquisita — eu pensava. Afinal, era gente que a gente não vê tanto no teatro.

Ou seja: o grupo avança na formação de plateia. Porque é assim que se conquista pessoas que ainda se esquivam das artes cênicas. Bingo!

Eles falavam sobre Édipo. Ou seja: eu estava em uma festa em Tebas — com direito a videoquê. Que coisa louca!
O tempo passava, e eu ali, perguntando onde estava o teatro que conheço… ou que pensava conhecer.

E foi então que a festa acabou, e a história começou a ser contada.
Contada com teatralidade e contemporaneidade de grande valia. A utilização do audiovisual incrementa a peça, e a história de Édipo — a catarse — fica por conta de cada um de nós.

E aí, Patrícia, como você fecha essa escrita?

Édipo.Rec, um espetáculo diferente, que atinge um público jovem, festivo, que merece ser visto também pelos fazedores de teatro.
É preciso inovar, entender esse novo público e saber contar os clássicos. E isso — eu vi. Ou melhor: aprendi!

Sigam o grupo Magiluth

@magiluth

Confira as imagens do espetáculo

(Fotos de: João Maria, Annelize Tozetto e Camila Macedo)

 

Sinopse

Tebas transforma-se em uma Recife fantasmagórica e presentificada. “O público vivencia duas experiências: a primeira é essa grande celebração, quando Édipo tem esperança de fugir do próprio destino. Depois, as pessoas passam a acompanhar a tragédia em si, junto com o protagonista.”

A linguagem audiovisual foi fundamental para a construção do espetáculo. O grupo buscou inspirações e referências no cinema, e uma das primeiras obras foi o longa Édipo Rei (1967), do italiano Pier Paolo Pasolini (1922–1975). O experimentalismo também foi essencial para o Magiluth, que mergulhou no cinema underground japonês. Assim, Funeral das Rosas (1969), de Toshio Matsumoto (1932–2017), serviu como uma referência poética para Édipo.Rec.

A obra faz um mergulho no deslumbrante mundo noturno das drags e divas de Tóquio na década de 1960. Outros filmes que serviram de base para o trabalho foram Hiroshima, Meu Amor (1959), de Alain Resnais (1922–2014); Cinema Paradiso (1990), de Giuseppe Tornatore (1956–); e Cabaret (1972), de Bob Fosse (1927–1987).

Édipo.Rec questiona o papel do teatro e do cinema nos dias de hoje:
“Nos perguntamos se essas artes são capazes de dar conta de tantas dores e tragédias. E, ao mesmo tempo, queríamos entender por que as pessoas sairiam de suas casas para assistir a uma história tão antiga.”

 

Ficha Técnica

ÉDIPO REC

  • Duração: 160 minutos
  • Classificação: 18 anos
  • Gênero: Drama
  • Ficha técnica:
  • Criação: Grupo Magiluth, Nash Laila e Luiz Fernando Marques
  • Direção: Luiz Fernando Marques
  • Dramaturgia: Giordano Castro
  • Elenco: Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres, Mário Sergio Cabral, Nash Laila e Pedro Wagner
  • Videomaker: Estúdio Orra
  • Design de Luz: Jathyles Miranda
  • Trilha sonora: Grupo Magiluth, Nash Laila e Luiz Fernando Marques
  • Design Gráfico: Mochila Produções
  • Figurino: Chris Garrido
  • Cenografia E Montagem De Vídeo: Luiz Fernando Marques
  • Cenotécnico: Renato Simões
  • Vídeo Maping E Operação: Clara Caramez
  • Captação De Imagens: Bruno Parmera, Pedro Escobar e Vitor Pessoa
  • Equipe Produção De Vídeo: Diana Cardona Guillén, Leonardo Lopes, Maria Pepe e
  • Vitor Pessoa
  • Produção: Grupo Magiluth e Corpo Rastreado

 

SERVIÇO

ÉDIPO REC

 

Paty Lopes (@arteriaingressos). Foto: Divulgação.

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Author

Dramaturga, com textos contemplados em editais do governo do estado do Rio de Janeiro, Teatro Prudential e literatura no Sesi Firjan/RJ. Autora do texto Maria Bonita e a Peleja com o Sol apresentado na Funarj e Luz e Fogo, no edital da prefeitura para o projeto Paixão de Ler. Contemplada no edital de literatura Sesi Fiesp/Avenida Paulista, onde conta a História de Maria Felipa par Crianças em 2024. Curadora e idealizadora da Exposição Radio Negro em 2022 no MIS - Museu de Imagem e Som, duas passagens pelo Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com montagem teatral e de dança. Contemplada com o projeto "A Menina Dança" para o público infantil para o SESC e Funarte (Retomada Cultural/2024). Formadora de plateia e incentivadora cultural da cidade.

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