Os cientistas dizem que somos feitos de átomos, mas um passarinho me contou que somos feitos de Histórias.
Eduardo Galeano (1940-2015), escritor e jornalista uruguaio
Este artigo será, advirto desde já para as almas pouco afeitas a conhecer um pouco de outras pessoas, um tanto autobiográfico. Depois de um bom tempo, ao menos para mim, mais precisamente, desde o início deste ano de 2023, não escrevo nada de novo. Não que não houvesse nada a escrever, mas os rumos que, não raro, damos às nossas vidas nos conduzem a uns tantos caminhos pouco prolixos, para dizer o mínimo, seja para realizar coisas, o que, felizmente, não deixou de acontecer comigo, seja para escrever, coisa que tanto gosto, sendo, contudo, este o caso. Não mais. Eis-me, neste final de ano, ensaiando certo retorno à minha normalidade, por assim dizer; eis-me, aqui, de volta à vida ou, ao menos, à minha vida pelas palavras e o que delas extraio de satisfação, tranquilidade e filosofias e princípios de vida boa, como diriam os antigos helênicos, da tão querida “mitologia grega”.
Escrevo para gritar ao mundo coisas que tenho em mim; escrevo para calar fundo, em mim mesmo e poder, com isso, perscrutar meus mais recônditos temores e minhas mais inauditas alegrias, também para dividir com o mundo, alguns de meus sentimentos mais sinceros e afetuosos, porque todos temos isso tudo; escrevo para celebrar a vida que, se não é a minha, talvez possa se tornar parte daquela que gostaria de ter; escrevo para ser o meu reverso ou, ao menos, certa contraparte deste sujeito esquisito que, na maior parte do tempo, sinto ser (um ET, por assim dizer). Escrevo artigos sobre política (como um pensador social formado em Geografia e em Ciências Sociais) e literatura, especialmente, poesias; longe de ser um campeão de vendas, por desconhecido (não sou nenhum gênio da raça na literatura, mas sinto-me tranquilo em afirmar que meus textos são bem escritos), tenho 14 livros publicados. Escrevo, enfim, porque estou vivo.
Poderia escrever, sobre a música, o mesmo que acima escrevi; parei de estudar piano ainda na minha adolescência, mas agora, depois de me perceber como um provecto ser envelhecido (não para tudo, mas já antevendo a inevitabilidade e, também, certa proximidade, felizmente, porque a opção é pior, de tal epifenômeno existencial), é possível, igualmente, perceber-me no início da maturidade, (a saúde dos mais velhos) – embora, por vezes, sinta-me como um adolescente em certa agonia e crise existencial perante o mundo, mesmo com 53 anos. Ainda assim, estou, depois de “velho”, estudando violão; nunca é tarde para aprender coisas novas e agradáveis. Tenho por objetivo musicar algumas de minhas poesias, notadamente as que fiz para Bárbara, minha mulher, e para Fátima, minha filha.
Leio, nem tudo e/ou tanto quanto gostaria ou acho que precisaria, para mergulhar no universo existencial de outras existências, talvez confusas e inadaptadas, como a minha; leio para não me deixar submergir no lodaçal da mediocridade (não no sentido primevo da palavra, o de mediano, mas no sentido secundário que, culturalmente, assumiu, o de algo ruim) que tem nos assolado, Brasil e mundo, e que nos conduz a uma alienação frustrante e torturante de egoísmos e agressividades gratuitas porque não conseguimos sequer sermos o nosso melhor, quanto mais aceitar o outro, desconhecendo-o como nós mesmos, refletidos no complexo espelho humano e da diversidade da vida em sociedade; leio para reconstruir os pilares de meu ser futuro, que vai se constituindo na medida mesma em que vive, sei lá eu como, porquê ou para quê, mudando continuamente por intermédio do processo existencial em que deixo de ser eu mesmo, no exato momento em que me percebo, porque, como diziam Aristóteles (384 a.C – 322 d.C) e Platão (428 a.C – 348 d.C), o tempo presente, espremido entre o passado e o futuro, já deixou de ser o que foi sem, contudo, conseguir tornar-se no que seria, sendo, pois, talvez, inexistente! Nem me pergunte, se o tempo não existe, como nós existimos! Mas sigamos, porque estamos aqui, certo?! Leio, enfim, porque estou vivo.
Quem sou eu, então? Não há quem, desde que saímos das cavernas, tenha conseguido uma resposta minimamente satisfatória a esta indagação. Meu pai dizia “estar Mário Galvão” e que só “seria Mário Galvão” depois que morresse (o que aconteceu em 2018, aos 78 anos, infelizmente), embora para muitos, crentes na imortalidade da alma e no caminho inexorável rumo ao Nirvana ou ao Paraíso ou o nome que se queira atribuir ao (suposto) lugar para onde as boas almas se dirigem, meu pai ainda esteja aprendendo. Poderia questionar: ainda que sua alma ou sua consciência ou como desejem chamar a parte de nós que é imortal, (se é que ela existe), esteja aprendendo, quem foi Mário Galvão ainda existe, do modo como existiu, encarnado? Minha resposta, caso a tivesse, tenderia a ser negativa. Essa ideia deixaria (ou está deixando? Vai saber!) meu pai inquieto, porém, feliz. Minha mãe, (também, infelizmente, já falecida, em 2014, aos 74 anos), católica e kardecista (ecumênica, como boa brasileira) que era, certamente concordaria com o que acabei de escrever, no tocante à continuidade do aprendizado da alma. Crenças e sentimentos existem, suponho, para nos fazer ser quem somos ou, ao menos, para nos ajudar a nos transformarmos do melhor modo possível, contribuindo para, como se diz por aí, que sejamos a melhor versão de nós mesmos. Então, cada um com a sua crença e respectivas ações correspondentes, sempre, respeitando as do outro, bom frisar.
Parece que enrolei e nem tentei responder a questão com a qual iniciei o parágrafo anterior, não é mesmo? Bem, não tenho certeza se preciso saber quem sou, com ou sem uma essência espiritual, aqui, neste plano terrestre ou de onde quer que tenha vindo e para onde quer que esteja me dirigindo, se é que me dirigirei, após minha morte ou desencarnação – segundo a crença e gosto do(a) leitor(a).
Na minha adolescência, de formação católica (estudei em colégio de padres), cheguei, pouco depois de minha primeira comunhão, a fazer parte do Encontro de Adolescentes com Cristo (EAC), da Paróquia de São Judas Tadeu. Porém, desde meus 15 anos, pouco mais, pouco menos, abandonei qualquer religião como crença pessoal, mas respeitando todas, no sentido de serem expressões sinceras (quando são; quando não são utilizadas para tolher as crenças e vidas alheias e/ou quando não atuam como instrumento de repressão, alienação e enriquecimento de uns poucos) das crenças e sentimentos dos outros, embora tenha mantido o interesse nas questões da espiritualidade como fenômeno filosófico, antropológico, histórico e geográfico. Sou um agnóstico desejoso que haja parte de mim, tenha o nome que tiver, imortal e, importante, consciente. Ocorre que, na prática de minha vida, adotei a seguinte ideia: se a morte é o fim de tudo, após morrer, não fará diferença, porque não sofrerei mais; se meu espírito ou consciência permanecerá, então não preciso me preocupar com isso, enquanto vivo e/ou encarnado, posto que neste estágio chegarei de todo modo. O que importa, no fundo, é que eu (qualquer um) viva de modo afetuoso, gentil, solidário, honesto e respeitoso, comigo mesmo, com quem me circunda e mesmo com quem não conheço e nunca conhecerei; importa que seja isso tudo, também, em relação à vida no planeta, nossa casa comum, que estamos destruindo, esquecendo que não temos para onde ir! E podemos ser isso quaisquer que sejam nossas opções, como também nossas orientações de vida ou condições, sociais e naturais, de nascimento ou cultura, de raça/etnia ou credo; de orientação sexual ou opção ideológica.
É, acho que continuo sem responder à pergunta sobre quem sou eu, não é? De novo, então, sem resposta definitiva, duvido que alguém a tenha, sinto e penso que sou as minhas Histórias construídas, individuais e coletivas, em meus Espaços de Vivências ou, como um Existencialista admirador de Jean-Paul Sartre (1905-1980), de Existências, em eterno amalgamento com as outras existências, humanas, animais ou vegetais, todas inseridas, que deveriam estar, nos ciclos naturais dos elementos inorgânicos que nos circundam e com o qual deveríamos interagir de modo mais racional e sustentável. Sou, ou assim me sinto, como o ser que, lindamente, foi descrito por Eduardo Galeano, na epígrafe deste artigo. Sou minhas histórias de vida; sou aquilo que faço, dia a dia; aquilo em que me transformo, na existência mutante do ser humano; sou aquilo que consigo ser, cotidianamente, em meus projetos de ser que nem sempre, ou quase nunca, aliás, coincidem com o que gostaria ou tentei ser o que, de resto, acaba acontecendo, talvez, com 101% da humanidade.
Este foi, ao contrário dos outros artigos que publiquei aqui, até o início deste ano de 2023, como disse logo no início desta nossa conversa, autorreferenciado e não acadêmico, embora, creia, as reflexões desenvolvidas poderão ser agradáveis e úteis a quem, como este escriba, tem um “caminhão” de questões existenciais sobre a vida, a própria, a alheia e a do planeta. O próximo artigo, prometo, será uma retomada do estilo que, até então, havia realizado aqui, neste espaço de resistência cultural e que muito me agrada, especialmente por dar minhas pequenas contribuições aos queridos(as) colegas que aqui atuam de modo bem mais intenso, liderados pelo Raphael Gomide, fundador desta resistência. Antecipando a temática central, será um, dois, não sei quantos, textos em que conversaremos um tanto sobre mitologias, não apenas a grega, como já publiquei neste espaço, mas sobre mitologias ao redor do planeta (sim, para a decepção e descrença de uns e outras, o mundo é redondo!).
Estava, como estou, em certo processo de “muda”, sentindo-me, como não raro aconteceu em minha vida, uma crisálida prestes a eclodir em outro projeto de ser, mais um na sucessão infinita e dialética de minha finita vida terrena – quiçá eterna!
Neste meu retorno ao Portal ArteCult, tudo considerado, divido com você, querida leitora, prezado leitor, as reflexões e sentimentos deste, como já assumi há algum tempo e como admiti acima, sujeito estranho que sou, que só quer, na verdade, viver na sua maior plenitude o belo lema da geração hippie: na base do “paz e amor” (lema que tatuei em meu braço esquerdo, junto com outra pequena tatuagem que fiz em homenagem à minha filha, hoje, com 14 anos)! De volta, pois, para ingerir, como talvez dissessem os gregos antigos, já que mencionei as mitologias, a Ambrosia dos sentimentos partilhados, para degustar o Néctar das palavras com quais nos constituímos como seres racionais e emocionais e para sorver o hausto que vivifica da mais pura Filosofia da boa vida.
Carlos Fernando Galvão, Geógrafo, Doutor em Ciências Sociais e Pós Doutor em Geografia Humana, cfgalvao@terra.com.br