Foi divulgada pelas redes sociais uma forma de interpretação das grandes obras literárias brasileiras pelo volume de suas estruturas frasais. Delas, fundamentou-se uma visão musical, de como seria aquela obra a partir de uma vertente de musicalidade, que é natural à leitura do texto. Publicada originalmente no site Nexojornal , a reportagem traz um infográfico sobre textos de vários autores icônicos.
Alguns desses despertam a curiosidade, como o de Raduan Nassar. Essa coluna aqui já teve o autor de Lavoura Arcaica como alvo e a ele volta, pela complexidade a ele infligida. Com frases longas, períodos que ultrapassam cinquenta palavras fácil, leitores incautos podem com ele não se satisfazer. Meus jovens leitores – lê-se aqui, meus alunos – costumam se assombrar com as obras brasileiras por sua singularidade. Se compararmos com os autores de moda, aqueles que primordialmente aprenderam com a escola do best-seller que se firmou com o século XX e até hoje produz exemplares que atingem números aviltosos de consumidores, as nossas obras mais primordiais parecem seguir na contramão. Estruturados principalmente no in media res, esses livros best-seller conduzem o leitor que tanto quer emoção imediata. Para o jovem, aqui jaz o necessário. Para outros, não.
Porém, a musicalidade sempre esteve inerente à escrita. É impossível ler um poema, principalmente aqueles em uma estrutura clássica, sem construir uma musicalidade. Em sua história, a canção busca no cancioneiro a sua base, a sua alma. É nela, na época do Trovadorismo, do medievalismo literário, que a ritmação e a letrificação encontrarão suas mãos e vão se servir. Na prosa, o mesmo também vai se firmar, com suas peculiaridades, é óbvio.
Durante o século XX, vários autores afirmaram a sua influência na música para a escrita. Alguns até dizem que só encontraram a ritmação correta de seus parágrafos a partir da sensação de uma música ou até mesmo da musicalização através do parágrafo. A composição serviria como letrificação. Eu mesmo já propus isso a alunos. É um exercício de interessante resultado.
O que é legal disso tudo é perceber essa simbiose, essa soma. Esse processo amalgâmico de munir música, musicalidade e paragrafação demonstram a capacidade que o ser humano tem para a genialidade. Em uma oficina de Antônio Torres, isso no início do século XXI, ele nos trouxe Thelonious Monk. Pediu para que lêssemos um parágrafo de sua composição – de O Cachorro e o Lobo – ao som do jazzista. A igualdade de ritmos era impressionante. Ali nos confessou uma de suas inspirações. O jazz. Tanto de Thelonious, quanto de Miles Davis. Ele mesmo diz que o título de seu primeiro romance, Um cão uivando para Lua, veio de Round Midnight, de Davis.
Quando li a reportagem, ela me levou a um mundo onde olhos fechados e lembrança de textos lidos se mesclaram e se fundiram.
Em meu primeiro texto aqui na coluna, afirmei que a palavra está em todas as formas de arte, até aquelas em que ela parece não se firmar. Na música – e agora como se propõe, na própria literatura – a música é uma composição que nos leva além, a colocar o sentimento traduzido em algo, em qualquer coisa.
Kerouac escrevia com música. Bukowski é música para alguns.
Como o é Stephen King, que vez ou outra propõe a leitura de seus capítulos ao som de algum rock de qualidade.
Ao momento, que música, que musicalidade o detém?
Ler tende a ser musicalidade.
Musicalize-se.
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