André Paes Leme é diretor de teatro há quase 25 anos. E, ao longo de todo esse tempo, realizou mais de 50 espetáculos. Dirigiu grandes astros e desconhecidos artistas. Montou tragédias gregas, musicais e commedias dell’Arte. Fez muito amigos, encontrou seu grande amor e construiu uma sólida carreira baseada em ética, simplicidade e muita, muita dedicação.
Escolheu ser diretor por gostar muito de gente e da excitação que um palco vazio provoca em sua criatividade.
Nascido e criado no Rio de Janeiro, hoje ele se divide entre a cidade carioca e Portugal, terra da esposa, onde faz um doutorado na Universidade de Lisboa e estreia mais dois espetáculos teatrais.
Como começou sua história com o teatro?
Tudo começou em 1985, num curso livre para iniciantes, ao lado de muitos outros jovens apaixonados por fazer teatro como gente grande. Em 1987, ingressei na UniRio e, no mesmo ano, entrei para o Mergulho no Trágico, uma Companhia de Teatro com especial interesse pelas tragédias antigas. Lá, dei os meus primeiros passos como diretor.
Você diz que não foi o palco que o atraiu. O que foi então?
Em geral, os jovens se apaixonam por subir no palco, por atuar. Eu me apaixonei por olhar para o palco. Tenho uma forte atração por pensar no infinito de possibilidades que é um palco nu. O teatro me atrai muito pelo encontro que proporciona. Pelo trabalho coletivo.
Nunca quis ser ator? Sempre focou na direção teatral?
Sim, desde o começo já sabia que gostaria de ser diretor. Gostava de integrar as pessoas, de entender como pensavam que deveriam trabalhar as cenas. A ideia de conceber e tentar levantar um espetáculo com tantos parceiros diferentes é um processo instigante. Acho que esta escolha tem muito a ver com a minha natureza. Gosto de estar em constante troca de ideias.
Seu primeiro trabalho como diretor, ainda como aluno na UniRio, foi com textos da tragédia grega. Isso impactou na sua formação e na sua trajetória como diretor?
Com certeza! O aprendizado através de um texto trágico da antiguidade é intenso. São muitas referências e é preciso uma disciplina especial neste estudo. Fui diretor assistente do Da Costa, fundador da Companhia, e aprendi muito com a sua paixão por este segmento da dramaturgia. Foi com o estudo da tragédia grega que conheci e aprendi a admirar a escrita teatral. A experiência com a Companhia também me ensinou valores importantes do convívio profissional, que marcam a minha forma de lidar com o processo de ensaio. Não tenho uma companhia teatral, mas tento trabalhar em cada espetáculo como se estivesse dirigindo uma companhia. Todo estudante de teatro deveria integrar, no início do seu percurso, uma Companhia. Aprenderiam coisas que só a prática ensina e entenderiam porque o teatro é uma arte essencialmente coletiva.
E por que se tornou professor de artes cênicas?
Foi uma consequência do meu jeito de ser. A atividade de ensinar e dirigir caminharam sempre juntas na minha vida profissional. Aprendi a dirigir o ator ensinando interpretação, e a ensinar interpretação dirigindo um espetáculo. Em 1991, iniciei a docência no Curso Técnico da antiga UniverCidade em disciplinas teóricas. Depois passei a encenar com os alunos formandos. Encenar e ensinar muitas vezes usam procedimentos parecidos.
Em 1998, comecei a lecionar no Curso de Direção Teatral na UniRio. Ensinar diretores é um enorme desafio. Não é possível fazer alguém ver o infinito do palco se a origem deste processo imaginário não existir dentro de você.
Que características ou aptidões é preciso ter para ser um diretor de teatro?
Gostar muito de ficar perto de pessoas, gostar da diferença. A solidão não combina com a direção teatral. A comunicação é a principal ferramenta de trabalho de um diretor. Ele deve gostar de escutar opiniões diferentes e ter muita paciência. Numa primeira etapa do processo, o diretor deve falar muito para expor as suas ideias iniciais; numa segunda, ele deve escutar e ver o máximo possível; e na terceira, ele deve costurar todas as propostas apresentadas.
Um diretor deve ser uma liderança que saiba provocar, entusiasmar e desafiar a sua equipe de trabalho. Deve saber não se deixar levar pela arrogância e vaidade que a posição de líder por suscitar no seu comportamento. Dirigir é fazer com que todos comprem as suas ideias e ainda tragam outras melhores. É uma troca constante.
Você constrói todo seu trabalho em cima das relações com as pessoas. E pelo jeito, dá muito certo. Fale mais sobre isso…
Tento fazer do meu trabalho mais um lugar da minha alegria e paz. O trabalho é sempre menos importante do que as relações entre as pessoas. O resultado não é tão importante como pode parecer. Não quero ser lembrado pelos meus colegas de trabalho por um espetáculo sensacional, ou por uma ideia genial, quero que lembrem de mim pela minha ética, pela minha pessoa, pelos meus valores. Quero ganhar a confiança deles e proporcionar um processo em que todos saiam mais fortes e confiantes nos seus potenciais do que quando iniciaram o trabalho. Quero que cada trabalho me faça aprender mais sobre quem sou. E eu só vou alcançar esse objetivo se me relacionar inteiramente. Faço teatro com a convicção de que as relações com a arte podem nos fazer pessoas mais íntegras e generosas.
Quais são seus autores teatrais prediletos?
Mudam com o tempo… Neste momento são dois: o romeno Matéi Visniec e o espanhol Juan Mayorga. São dois dramaturgos sensíveis e com uma visão muito alargada sobre o ser humano.
E quais foram as montagens que você considera mais especiais e por quê?
Esta é uma resposta difícil. Sempre fico com o sentimento infantil que estou traindo a minha história se escolher algum deles como especial. E cada ano fica mais difícil. Já são quase cinquenta espectáculos nestes 25 anos como profissional. Todo trabalho é especial pelos encontros que proporciona e também pelos desafios cênicos que nos apresenta. Na minha trajetória, lembro com muito carinho do meu primeiro espectáculo na UniRio, “Os Dois Menecmos”, uma comédia de Plauto, da minha primeira montagem profissional fora da Escola, “Alcassino e Nicoleta”, uma paródia musical do séc. XII… Lembro também daquele que considero o meu primeiro desafio dramatúrgico, “Engraçadinha”, do Nelson Rodrigues, e, finalmente, de dois trabalhos que me fizeram pensar muito sobre a vida, e que são dos autores que citei acima, “Pequenos trabalhos para velhos palhaços”, do Matéi Visniec, e “Hamelin”, do Juan Mayorga. Estes cinco espetáculos foram importantíssimos no meu percurso e, com certeza, me tornaram um diretor mais preparado.
Como tem sido a vida entre Portugal e Brasil?
Uma dúvida constante… Não deixo de me perguntar se fico mais tempo por aqui e me afasto um pouco da cena carioca. Vida que segue… Por enquanto, estou fazendo o doutorado aqui na Universidade de Lisboa, tive a reestreia de um espetáculo muito gracioso, “Esperança”, um monólogo do ator César Mourão, uma pessoa muito querida dos palcos portugueses. E vou estrear mais um no início de julho, “Histórias que não deviam ser contadas”que é um projeto de uma dupla de atores brasileiros, Alexandre Dantas e Cláudia Ventura, que são dois grandes amigos da vida.
E quais são seus próximos projetos?
Tenho dois projetos que me deixaram entusiasmado. O primeiro foi um convite da minha parceira de vida teatral, a produtora Andréa Alves, para encenar o texto “Agosto”, de Tracy Letts, com estreia prevista para o início do ano que vem e previsão de temporada para o Rio de Janeiro e São Paulo. É um texto muito interessante, prêmio Pulitzer de 2008, que recentemente foi filmado com a Meryl Streep e a Julia Roberts nos papéis principais.
O segundo é um evento em junho do ano que vem que registre os meus 25 anos de vida profissional. Pretendo encenar mais dois espectáculos novos do Matéi e do Mayorga e organizar um debate com a presença dos dois no Rio de Janeiro.
Você tem um sonho?
Um bem simples: ter sempre a família, os amigos, a alegria e o teatro por perto.