A palavra sagração, pelo que entendi, quer dizer ritual, algo no sentido, e sem sombras de dúvidas foi o que assisti no Teatro Municipal.
Com a plateia cheia de famosos, Déborah Colker estreia o espetáculo “Sagração“. E o que dizer? Débora deve ter aprendido com o famoso mergulhador Jacques-Yves Cousteau, a mergulhar sem nenhum pudor onde deveria, indo às profundezas encontrar o sagrado, e nos apresentar. Ela traz da Rússia Ígor Fiódorovitch Stravinsky, compositor, pianista e maestro russo, considerado por muitos um dos compositores mais importantes e influentes do século XX e o apresenta a nossa brasilidade.
Se existiu em Igor uma intenção de ritualizar alguma coisa, Débora apresenta a obra o ritual na sua essência. Simples assim…
De antes de 1500 para 1913, antes da descoberta do Brasil e quando foi estreado a “Sagração da Primavera”, entendemos a beleza desse encontro por meio de dançarinos exímios, como se tivessem nascidos só para isso. Um grupo de artistas diversos, com representatividade no palco, rompendo barreiras e rompendo a nossa crença que uma dança é só um corpo em movimento, e não é. O corpo fala, fala belissimamente.
Em um dos atos, vi um indígena em uma canoa atravessando um rio, no alto, remando, que bela cena, digna de palmas.
A iluminação de Bruel me deixou boquiaberta, o profissional foi PERFEITO! Não vou esquecer. Eu estive em uma floresta, em águas profundas e no meio do fogo com ele. Que maestria Bruel!
Nunca tinha visto tantos bambus, que ajudavam a construir casas, lanças, chão e tudo mais. Não posso esquecer de falar sobre os paus de chuva, que deram um show nas mãos dos dançarinos, trazendo ruídos bem-vindos dentro daquele teatro enorme, Debora abraçou com lisonja o mundo, as etnias, sem temer, foi corajosa e acertou.
As músicas indígenas de diferentes lugares auxiliou o caminho daqueles corpos no palco. Lindo de se ouvir e contemplar!
Ao final da obra, da viagem que a Deborah me levou com ela, pus meus pés no chão novamente, com o ritmo que conheço, que todo brasileiro conhece, fiquei em êxtase.
Na verdade, essa artista é um tesouro brasileiro, quanto orgulho deveríamos ter de Deborah Colker, brasileira, representante da nossa cultura, da nossa originalidade. Reconhece o que é bom do lado de lá, mas entende que temos a capacidade e que nossa cultura pode estar em qualquer lugar.
Nessa noite, sentei-me na fila H do teatro, ao meu lado, estava uma mulher alta, e seu marido, em um momento do espetáculo, enquanto a arte acontecia a minha frente, a arte em sua mais impactante beleza, desnudando a minha ancestralidade, ao meu lado uma mulher que chorava copiosamente. Questionei a distinta senhora se ela estava bem, a resposta: é a minha filha que esta no palco, um filme passa em minha cabeça. Uma cena onde a protagonista Ana Lívia encenava Eva, ela que há 11 anos tinha sido reprovada no próprio teatro.
Se a minha frente estava a arte do corpo em movimento, ao lado a síntese do amor de uma mãe por uma filha. Deborah não é só artista, ela realiza sonhos, ela defende a nossa cultura e a mostra/devenda para o mundo, nos presenteando com a soberania na arte de dançar. Bravíssima!
Obrigada Débora, obrigada Bruel, obrigada Ana Lívia e obrigada a todos vocês que nos colocam em um lugar de honra, o que vocês nos oferecem é uma sagração brasileira de mais alto nível.
SAGRAÇÃO
Criado a partir do clássico “A Sagração da Primavera”, o espetáculo adiciona sons e ritmos brasileiros à partitura de Igor Stravinsky e conta com a energia, vigor e originalidade da linguagem que Deborah Colker (@ciadeborahcolker) desenvolve desde o início da companhia (1994). Em único ato, “Sagração” mergulha numa reflexão sobre nossa origem, evolução e continuidade no planeta Terra.
FICHA TÉCNICA
Criação e Direção: Deborah Colker; Direção Executiva: João Elias; Direção Musical: Alexandre Elias; Cenografia: Gringo Cardia; Dramaturgia: Nilton Bonder; Figurinos: Claudia Kopke; Desenho de Luz: Beto Bruel.