
“…A música africana chegou ao Brasil com os primeiros escravos negros, no século XVI. A avassaladora influência da rítmica africana também tomou as danças. No Rio de Janeiro, os negros que vinham da Bahia, os iorubás, e os que chegavam do Vale do Paraíba, os bantos, promoviam festas frequentes…”
500 ANOS DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA, MIS – Museu da Imagem e do Som
A importância do ritmo africano para a música brasileira é incontestável; isso é científico. Assim como a relevância dos artistas negros, impossível a tentativa de invisibilizar a luz do sol.
E aí começa a assertividade da idealização de Gustavo Gasparani e a aprovação do Ministério da Cultura em patrociná-lo.
Gustavo assume a direção artística de “Vozes Negras”, e não poderia ser diferente diante da bagagem teatral do artista, que respira arte e transpira teatro em seu suor, mostrando que as artes cênicas correm dentro dele como o sangue nas veias. Estudioso do teatro e artista de palco, traz grandes feitos em seu currículo.
Ele acerta no olhar, na equipe criativa e nos sonhos dele.
Trazer nossa cultura, nossa arte e nossa história — seja ela qual for — é dever do artista brasileiro, desde que haja verdade e responsabilidade, claro!
A ideia chegou, mas era preciso pesquisar e escrever, dar verbo e depois vida. Gustavo, sabiamente, procurou Rodrigo França e, juntos, trouxeram informações precisas. Ao apresentarem ao público as artistas Elizeth e Carmem, desenharam suas histórias com rigor. Digo isso porque pesquisei sobre elas no Dicionário Mulheres do Brasil, de 1500 até a atualidade — biográfico e ilustrado (Jorge Zahar Editor), e não há desencontro de fatos.
Ah! Esse é um livro que não empresto, por ser praticamente uma bíblia sobre nós, mulheres deste país. Meu apego material — que me chamem de materialista!
A dobradinha entre os profissionais foi um enlace sagrado e riquíssimo, como São Cosme e São Damião, pois traduzem com doçura a vida de duas mulheres de grande valor na nossa música.
Quando a cortina do teatro se abre, entende-se facilmente os três prêmios do figurinista Wanderley Gomes: uma explosão de cores e africanidade. As Cândaces (grupo de rainhas e mulheres poderosas do antigo Reino de Cuxe, localizado na região do atual Sudão) estão belissimamente representadas pelas mãos do artista. Elas abrem o espetáculo para as “Vozes Negras” que serão apresentadas ao público — no caso, Elizeth Cardoso e Carmem Costa.
Já as cantoras do rádio estão trajadas com indumentárias que nos transportam à verdade do tempo delas.
As cores e cortes não se alimentam do erro ou do excesso, mas sim da pesquisa e do bom gosto.
Entende-se, portanto, que os prêmios foram merecidamente recebidos pelo artista, que atua há mais de quarenta anos. No entanto, eles ainda parecem insuficientes diante da arte que ele desenvolve.
Em um mar dourado, os búzios se movimentam — uma onda de estética visual sem igual, que nos leva à admiração pelo que estamos assistindo.
No orum — ou no céu, como quiserem chamar esse lugar de descanso — está Mary Santos, a visagista que merece ser lembrada com elogios. Um trabalho lindo e valioso foi deixado por ela. A maquiadora Keila Santos assumiu, comprometida com a ideia inicial de Mary, trazendo à cena a beleza um dia sonhada por ela. As Cândaces nos transportam à África, guerreiras que carregam em seus corpos os desenhos simbólicos.
Se falamos de vozes negras, falamos também de música, e a direção musical de Wladimir Pinheiro é astuciosa. Ao trazer as Bachianas de Villa-Lobos, mostrou a sagacidade de seus feitos nesta montagem, assim como no dueto das duas atrizes no palco, na música “Eu Bebo Sim”: arrebatador.
A banda ao vivo é irretocável, uma ode as artistas que as chamam em todo momento, estão harmoniosamente conectados.
A iluminação do espetáculo também fascina: ilumina o que deve ser iluminado. Nada pirotécnico, mas suave e inteligente, abraçada à elegância. Ana Luzia de Simoni não derrapa; sabe diagnosticar a intensidade com plena consciência.
Mina Quental assina o cenário, que trouxe microfones vintages. Escadas colocam as artistas em outro plano, oferecendo-lhes uma visibilidade quase onipotente. Assim como grandes telas que descem do teto do teatro, tradutoras de beleza e ostentação — o que, no caso, é bem-vindo, pois falamos da Era de Ouro do Rádio.
Das atrizes
Analu Pimenta (Elizeth) e Maria Vitória Rodrigues…
O que dizer? Ao lembrar delas, lembro-me do céu musicado, do encanto, da maturidade e da beleza inigualável, tal qual das cantoras que representam no palco — ou que abriram as portas para elas.
Analu, como o próprio sobrenome sugere, apimenta tudo, põe fogo em nós. A maturidade da artista está no olhar, no texto bem projetado. A quebra da quarta parede no momento certo, brincando com fragilidade, não envergonha o espectador, mas gera como retorno os risos de uma plateia inteira.
Ao abrir a boca, ao contrário da Caixa de Pandora, entrega-nos uma bênção aos ouvidos.
Já Vitória me leva a melindres ocasionais, sofisticada em sua voz, com um corpo em cena que representa frescor — a própria primavera em sorriso. Como Carmem, a artista que cantou para o amante de seu amor, Vitória foi dramaticamente correta. Soube brincar com a personagem, trazendo alegria e admiração de todos nós que estávamos lá para assisti-la.
Não vou deixar de mencionar o grupo de artistas que dão vida as Cândaces, lindas e belíssimas vozes, dançam com destreza, são elas: Maria Antônia Ibraim, Amanda Rocha, Carolina Carsi, Daniela Dejesus, Jessica Santos, Nanda Santos e Neñega Bharbosa.
São lideradas por Vanessa Brown, que desmonta qualquer questionamento quanto a sua apresentação.
Nunca havia mencionado o desenho de som, mas Gabriel D’Angelo e Joyce Santiago merecem intermináveis aplausos por um som limpo e bem traduzido através das músicas.
Cenário teatral
Aniela Jordan, da produtora Aventura, de uns tempos para cá, parece ter acertado no fermento, crescendo com projetos relevantes no teatro da cidade. Assume um dos maiores festivais da região e também iniciativas como “Vozes Negras”, que se tornam inesquecíveis para quem assiste.
Bem, confesso que não tinha assistido à primeira temporada. Pensei que seria uma série cansativa, que exigiria acompanhar tudo. Não deveria ter deixado para ver apenas esta reestreia, porque, tão certo como dias de sol e de chuva, não deixarei de assistir: Samba, Terreiro e Ancestralidade, Samba-Canção e Bossa Nova, Do Samba ao Jazz, Sem Limites, Do Soul ao Afropop e Novas Gerações.
Principalmente sabendo da participação das atrizes Chelle, Roberta Ribeiro e Taty Aleixo, sob o comando da diretora musical — ou leoa — Claudia Elizeu, e do diretor nada tacanho e teatrólogo Gustavo Gasparani!
Essa que vos escreve está viciada após a primeira experimentação, estou totalmente fechada para “Vozes Negras”!
Sinopse
O primeiro espetáculo da série musical Vozes Negras – A Força do Canto Feminino exaltará a Era do Rádio, homenageando duas de suas maiores estrelas: Carmen Costa e Elizeth Cardoso. As duas nasceram no mesmo ano 1920. Ambas eram de origem humilde, e com talento e determinação, superaram as barreiras do preconceito e escreveram seus nomes na história sem negarem suas raízes. O que não era fácil numa época tão cheia de convenções e referências hollywoodianas. Foram pioneiras ao levar a nossa canção pelo mundo afora, alcançando o mais alto degrau da glória. No repertório musical, grandes sucessos de Carmen e Elizeth.
FICHA TÉCNICA
Idealização e Direção Geral: Gustavo Gasparani
Dramaturgia e Roteiro Musical: Gustavo Gasparani e Rodrigo França
Direção Musical e Arranjos: Cláudia Elizeu e Wladimir Pinheiro
Pesquisa Histórica e Musical: Rodrigo Faour
Consultoria de Representações Raciais e de Gênero: Deborah Medeiros
Coreografia: Junior Scapin
Cenário: Mina Quental
Figurino: Wanderley Gomes
Desenho de Luz: Ana Luzia de Simoni
Desenho de Som: Gabriel D’Angelo e Joyce Santiago
Visagismo: Mary Santos
Diretores Assistentes: Marluce Medeiros, Menelick de Carvalho e Sueli Guerra
Produção de Elenco: Elenco Negro Casting por Mônica Nega e Gabriel Bortolini
Direção de Produção: Bianca Caruso
Direção Artística e Produção Geral: Aniela Jordan
Direção de Negócios e Marketing: Luiz Calainho
SERVIÇO
https://www.ingresso.com/espetaculos/vozes-negras
Temporada de 04/09 a 12/10/2025. De Qui. à Sáb: às 20h00. Dom.: às 19h00
Teatro Adolpho Bloch
Rua do Russel , 804 –
Glória, Rio de Janeiro – RJ

Paty Lopes (@arteriaingressos). Foto: Divulgação.

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