CHAMA-SE CAPITU

Capa do Livro “Capitu” de Thereza Rocque da Motta

 

 

CHAMA-SE CAPITU

 

Em 16 de março de 2016, recebi da gráfica (excelente por sinal), uma caixa de um livro meu que mandei reimprimir, pois a primeira tiragem de “Capitu”, lançado em março de 2015, havia se esgotado, e qual não foi a minha surpresa, quando vi, escrito na etiqueta da caixa, bem como na nota fiscal de venda o nome do livro como “Chama-se Capitu”. Depois do impacto, parei para considerar como aquilo teria acontecido. Alguém deve ter perguntado: “Como se chama esse livro?” E a resposta teria sido: “Chama-se Capitu”, e foi o que o emissor de etiquetas (que sai junto com a nota fiscal) escreveu sem titubear. Imaginem alguém ter escrito: “Chama-se Senhora”, “Chama-se Iracema”, ou “Chama-se Moreninha”, se esses fossem os títulos dos livros.

Fico pensando quantos pequenos (e grandes) erros ocorrem sem que os perpetrantes percebam. Assim deve ter surgido a coluna no jornal O Globo, “Entreouvido por aí”, em que publicam umas “pérolas” desse tipo. “Você está se achando o gás da Coca-Cola”, frases como essa que mostram a inovação (ou a perturbação) linguística que anda pelas ruas. Porém, no caso do meu livro, o analfabetismo funcional foi grave. Primeiro, quem faz a nota não sabe que livro é, nem viu a capa, depois nunca ouviu falar de Capitu, nem discutiu se o que lhe pareceu óbvio seria o certo, não checou se o que estava na nota condizia com a mercadoria que seria entregue: não, mandou ver.

Ao receber a caixa, fiquei perplexa, porque é o mesmo tipo de sintoma de quem abre uma lata de ervilhas de cabeça para baixo. Não está lendo. Porque quem lê se incomoda imediatamente de abrir qualquer pacote ao contrário. Ou pelo lado errado. Incomoda a mim, certamente, mas vejo que incomoda menos cada vez mais pessoas. Elas não se importam de fazer nada de trás para frente, nem de checar a ortografia dos nomes que escrevem. Digo, nomes próprios, porque os substantivos comuns esses já caíram no esquecimento. Mas se o nome de alguém é escrito com mais consoantes do que o normal, temos que checar para poder reproduzi-lo num livro. No entanto, adoram escrever Nietzsche sem verificar as letrinhas, ou qualquer palavra em alemão, italiano, espanhol, francês ou inglês, sem verificar a ortografia, seja de substantivo simples ou nome próprio. Daí eu verifico a seriedade que falta a quem quer publicar livros. Não só as informações devem estar corretas (e checadas) como datas, nomes, locais devem estar conferidos. Já vi tantos descalabros em citações que fico pasma só de lembrar. Mas não quero apontar erros, apenas. Estamos aqui continuamente aprendendo. Porém, cada vez mais cercados de ignorãças, como disse Manoel de Barros, embora possa não ter se referido nesse contexto.

Meu avô (sempre ele) dizia: “Mostre o pouco que sabe e não o muito que desconhece”. Nisso ele foi sábio: falar daquilo que conhecemos é melhor do que nos aventurarmos por onde não sabemos nada. Em um livro que traduzi há alguns anos, um feiticeiro dizia para uma menina (aprendiz de feiticeira): “Veja como não é bom saber em parte”. Tudo o que se sabe em parte pode estar errado. Então, façam-me o favor: chequem antes de publicar.

Falando em confusões na gráfica, há uma semana mandei imprimir um livro chamado S/ Título, de Jorge Andrade, e a gráfica me pediu que eu informasse o nome do livro, “porque não podiam aprovar um orçamento sem título”. Eu disse que era esse mesmo o título do livro, só que grafado como está acima. Ah, bom…

 

Thereza Christina Rocque da Motta

Primavera, 2025

 

 

 

 

 

 

 

 

Colunista ArteCult e editora da Ibis Libris Editora (@ibislibris)

 

 

Author

Thereza Christina Rocque da Motta (São Paulo, SP, 1957) é poeta, editora e tradutora. Foi Jurada de Tradução do Prêmio Jabuti, em 2018. Recebeu a Medalha Chiquinha Gonzaga da Câmara dos Vereadores, em agosto de 2021. Coordena a Ponte de Versos desde 2000, evento incluído no Calendário Oficial de Cidade do Rio de Janeiro, em 2024. Fundou a Ibis Libris no Rio de Janeiro, em 2000. Publicou Joio & trigo (1982), Capitu (2014), Lições de sábado (crônicas, 2015), Minha mão contém palavras que não escrevo (2017), O amor é um tempo selvagem, Lições de sábado Vol. 2 e A vida dos livros Vol. 2 (2018), Poesia Reunida 40 anos (1980-2020), Sheherazade: Novas lendas das 1001 noites e três já conhecidas (2022), entre outros. Traduziu, entre outros, Marley & Eu, de John Grogan (2006), A Dança dos Sonhos, de Michael Jackson (2011), 154 Sonetos, de William Shakespeare (2009), Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll e O Corvo, de Edgar Allan Poe (2020), Mais mortais que os homens, org. Graeme Davis (2021) e A última casa da Rua Needless, de Catriona Ward (2023), vencedor do British Fantasy Award, como Melhor Romance de Terror de 2022.

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