Cecília Payne é uma estrela que não se apaga

 

Que saudade de escrever para o teatro! Meu Deus, é uma honra poder falar do trabalho do outro, ainda mais quando conhecemos os bastidores, tudo que acontece antes de chegar aos espectadores. Somente quem trabalha com as artes cênicas com muita responsabilidade entende como é trabalhosa uma montagem. No entanto, quero que entendam que esse é um dos piores vícios da vida de um ser humano, principalmente na vida do artista brasileiro, pois ainda temos um percurso longevo em relação à cultura de ir ao teatro no país.

Nesse domingo fui ao SESC Tijuca aprender “Do que são feitas as estrelas”. E aprendi para além do que imaginava. Afirmo que um resgate de mim mesma aconteceu, uma catarse emocional que eu precisava, sou grata a esse espetáculo infantil.

As estrelas são feitas de hidrogênio (H) e hélio (He), foi Cecília, por meio da sua pesquisa interrupta, quem descobriu.
E é isso que o espetáculo apresenta, a estrada percorrida por essa mulher, um dia menina até suas descobertas. Não foi fácil encarar o caminho que um dia quiseram traçar para ela. Mas Cecília tinha as estrelas a favor dela. E deu certo.

Com direção de Kiko Marques e texto de Sofia Fransolin, espetáculo conta de forma lúdica e poética a trajetória da astrônoma e cientista britânica Cecilia Payne-Gaposchkin. A Montagem tem idealização da atriz Luiza Moreira Salles, que divide a cena com os atores Carolina Fabri e Diego Chilio.

A dramaturgia de Sofia é inteligente, sangra sobre o patriarcado que ainda permeia a sociedade, então que o teatro infantil acolha a nova visão do mundo contemporâneo. Quando digo teatro, falo das instituições, espaços e dos pais que levam os pequenos espectadores ao teatro.
Os jogos cênicos são trazidos ao palco com comicidade e genialidade pertencentes do diretor.

Através do teatro de sombras, muitíssimo bem elaborado que desperta a nossa curiosidade por sua beleza e tamanho, a musicalidade, o desenho de luz ostentoso, cenário que nos leva ao sistema solar, fotos de cena que parecem ser pintadas a mão e performances banhadas em uma licença poética apurada, a obra acontece.

 

Sinopse

Em “Do que são feitas as estrelas?”, a vida de Cecilia Payne-Gaposchkin se transforma em uma aventura intergaláctica: a Guerreira Cecí é uma menina encafifada com o universo dos porquês. Ela deverá enfrentar intrigas e batalhas, trapaças e chantagens, tempestades e brigas com seres intergalácticos para se tornar uma exploradora cósmica e derrotar a ideia de que mulheres são inferiores. A narrativa acompanha o crescimento de Cecí até se tornar uma das astrônomas mais importantes da história.

 

Uma aula de ciência no Teatro

“Queremos que todos os espectadores saiam do teatro vendo um universo que se move, gira e se projeta, sempre em movimento, sempre em transformação”, diz o diretor.

E tudo isso acontece mesmo, uma aula de ciência no teatro, enlaçada a vida da inesquecível Cecília. Que graça!

E uma das aulas também é sobre o caminho das mulheres de ontem que ainda se repete as mulheres de hoje, a luta que travamos para chegarmos aonde queremos chegar, mas com delicadeza. E sabe o que mais me chamou atenção? É que no espetáculo não há duelo entre gêneros, pois o pai da personagem Cecília é presente e nos envolvemos em um afeto esplendoroso construído por essa montagem nesse momento, uma das cenas mais lindas que já pude ver. Sem contar como a obra aborda a morte, a abordagem é tão delicada quanto um caule de uma gerbera (sensível e bela flor).

Os figurinos são lindos, os artistas divertidos e dominam o texto e as atuações. As crianças se envolvem, isso basta. Mesmo sendo de São Paulo, a plateia estava cheia e foram calorosamente aplaudidos. Não poderia ser diferente, os artistas Carolina Fabri e Diego Chilio trazem diversos personagens com exatidão, tendo como apoio objetos de cena e adereços bem confeccionados.

Cecília merece tudo isso e muito mais, a dramaturga pareceu entender a luta das mulheres, trouxe com detalhes todo o enfrentamento feminino através da imensa estrela Cecília Payne. A menina perdeu o pai, foi tirado das mãos dela o diploma em Cambridge, a expulsão da escola por querer saber demais (ainda menina), aos vinte e cinco anos foi embora de casa com o apoio da mãe em busca da sua formação/sonho. Detalhe: mãe essa que educou seus filhos sozinha, foi para os Estados Unidos, que na época incentivava mulheres cientistas, e lá em Havard a pesquisa de Cecília foi assumida por um professor, mas ela foi incansável, e lutou até o final pelo seu reconhecimento e brilhou, sendo a primeira pessoa a conseguir o título de doutora em astronomia pela Radcliffe College.
“Indubitavelmente a tese de doutoramento mais brilhante jamais escrita em astronomia”, assim descrevem seu trabalho até hoje.

A vida de Cecília Payne precisava chegar ao teatro, principalmente no infantil, onde crianças estão em fase de crescimento e são multiplicadoras de informações.

Precisa-se dizer que ainda é pouca a quantidade de diretoras e produtoras teatrais. Quando uma mulher chega a um posto hierárquico (independente do setor), sofre abusos, principalmente mentais, por apenas demandar. São peitadas e questionadas todo tempo, são abusivamente desrespeitadas, atravessadas até mesmo por outras mulheres, porque muitas vezes algumas delas não aprenderam que mulheres podem se identificar com as estrelas, por apenas portarem o brilho delas através da soma de muito trabalho realizado arduamente, assim como Cecília fez e como construiu seu legado. O que deveria ser um sinônimo de alegria, delegar passa a ser pesado, mas é aquilo, estrelas não se apagam facilmente.

O espetáculo é lindo, necessário, traz o poder da educação. Uma das armas da personagem Cecília é o livro que a mesma utiliza como escudo. Basta essa informação para levarmos as crianças ao teatro e assistirem à obra!

Parabéns a equipe por tamanha sensibilidade e reconhecimento a maior astrônoma e astrofísica do mundo, ela, uma mulher, que sirva de incentivo a muitas outras meninas e meninos, afinal precisamos nos unir para evoluir!

 

FICHA TÉCNICA

  • Concepção: Luiza Moreira Salles
  • Direção: Kiko Marques
  • Elenco: Carolina Fabri, Diego Chilio e Luiza Moreira Salles
  • Stand-in: Sofia Fransolin e Rhena Faria
  • Dramaturgia: Sofia Fransolin
  • Direção de Movimento: Bruna Longo
  • Cenário: Zé Valdir
  • Trilha Sonora: Ernani Sanchez
  • Figurino e Visagismo: Victor Paula
  • Retroprojeção: Diego Chilio, Kiko Marques, Luiza Moreira Salles, Criss de Paulo
  • (Ilustração)
  • Iluminação: Danielle Meireles
  • Operação de luz: Jéssica Catharine
  • Operação de som: Ernani Sanchez e Murilo Góes
  • Contrarregra: Eduardo Portella
  • Voz da criança: Iná Belintani Chilio
  • Direção de Produção: Luiza Moreira Salles
  • Produção Executiva: Náshara Silveira
  • Assistente de Produção: Giselli Ribeiro e Virginia Adler

 

SERVIÇO

“Do que são feitas as estrelas?”

  • Temporada: de 15 de março a 13 de abril de 2025
  • Sesc Tijuca (Teatro I): Rua Barão de Mesquita, 539, Rio de Janeiro – RJ
  • Telefone: (21) 4020-2101
  • Dias e horários:
  • Sábados e domingos, às 16h.
  • Sextas: 28 de março, 4 e 11 de abril, com sessões às 11h e 15h.
  • Sessão com audiodescrição e Libras – 13 de abril, às 16h
  • Duração: 60 minutos
  • Lotação: 228 lugares | Classificação: livre
  • Ingressos: R$ 5 (associado do Sesc), R$ 10 (meia-entrada), R$ 20 (inteira), Gratuito (PCG)
  • Venda de ingressos: bilheteria. Horário de funcionamento: terça a sexta, das 7h às 19h30; domingos, das 9h às 18h.
  • Instagram da peça: @doquesaofeitas

 

Paty Lopes (@arteriaingressos). Foto: Divulgação.

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Author

Dramaturga, com textos contemplados em editais do governo do estado do Rio de Janeiro, Teatro Prudential e literatura no Sesi Firjan/RJ. Autora do texto Maria Bonita e a Peleja com o Sol apresentado na Funarj e Luz e Fogo, no edital da prefeitura para o projeto Paixão de Ler. Contemplada no edital de literatura Sesi Fiesp/Avenida Paulista, onde conta a História de Maria Felipa par Crianças em 2024. Curadora e idealizadora da Exposição Radio Negro em 2022 no MIS - Museu de Imagem e Som, duas passagens pelo Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com montagem teatral e de dança. Contemplada com o projeto "A Menina Dança" para o público infantil para o SESC e Funarte (Retomada Cultural/2024). Formadora de plateia e incentivadora cultural da cidade.

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