Carta Aberta para Suzana

Fotos: Elisa Mendes/Divulgação

 

Oi Suzana, você está bem?

Eu estava pensando como escrever sobre o seu espetáculo. Sei que mesmo sendo no virtual, naquelas plataformas que tínhamos como o único escape, “Em Nome da Mãe” tocou-me muito, lembro que nos falamos em um domingo a noite, eu chorando e você emocionada.  Conheci “Calango Deu” nessa mesma época, percebi o seu tamanho durante a pandemia. Logo depois você volta aos palcos com “Júlio Cesar”, ao lado de grandiosos homens do teatro, e quis mais uma vez brilhar, e brilhou, brilhou para mim e para outros.

Querida, lembro-me bem quando te convidei para um projeto e você disse:

“Paty, adoraria participar desse projeto, mas estou focada em trazer ‘Em Nome da Mãe’ para os palcos.”

O tempo passou e lá estava você em circulação pelo SESC, o tempo passou e você pôs corajosamente os pés no Teatro Adolpho Block. Não vou mentir, eu disse para mim mesma: ela é doida! E na última quarta-feira também disse para mim mesma novamente: Patricia, o teatro estava lotado, essa mulher é incrível. Hoje posso dizer para você: esse espetáculo tem a sua força, Suzana Nascimento!

“Em Nome da Mãe” foi o grande vencedor do 16º Prêmio Aptr (Associação dos Produtores de Teatro do Rio). Na cerimônia realizada  no Teatro Claro Rio, em Copacabana em 2022, o solo escrito e protagonizado por Suzana Nascimento – que busca fazer uma abordagem mais humana sobre Maria de Nazaré, mãe de Jesus – faturou quatro das 12 categorias decididas pelo júri: Direção, para Miwa Yanagizawa; Música, para Federico Puppi; Atriz Protagonista, para a própria Suzana, que dividiu o prêmio com Bete Coelho, eleita por “Medeia Por Consuelo De Castro”; e Espetáculo.

O monólogo de Suzana, a propósito, foi o único espetáculo a vencer em mais de uma categoria na premiação.

Fotos: Elisa Mendes/Divulgação

Lembra disso Suzana? Eu lembro, porque você me tocou demais, sua pesquisa foi para além do verso, do papel, tocou-me na alma, tocou-me como mulher, você fala para nós mulheres, e isso transcende uma crítica, me perdoe por esta carta, mas lendo o que escrevi, em nada mudei as minhas conclusões.

“Suzana Nascimento, atriz e dramaturga da obra, chega com seu olhar preciso, dinâmico, cheia de suas perícias. Aproveita de toda sua maturidade cênica e derruba qualquer chance de erro. Não há como dimensionar a generosa contribuição da artista. Suzana transcende o que se pode esperar de uma atriz. A câmera registra sua excelência performática, para a sorte dos espectadores. Ela constrói vozes durante o espetáculo, como as mais belas ondas. Narra Maria como nenhuma outra já fizera. A narrativa é um elixir de glória, quando se compadece da compadecida. E ela convida o espectador a mergulhar em uma história menos romantizada, menos lírica e bem mais dolorida, como deve ter sido. Se enxerga uma Maria de verdade, de carne e osso, repleta de angústi3as, medos e dores, uma Maria tal qual qualquer outra”.

Você lembra disso?

https://jportal.com.br/em-nome-da-mae-maria-mulher/

Querida, era dia vinte e oito de agosto de dois mil e vinte um, quando recebeu essa critica.

“Suzana merece os aplausos que chegam, antes mesmo do término do espetáculo. Ela usa do dialeto hebraico com exatidão, em um sotaque belíssimo. Que texto imenso e tão bem encaixado!”

E o que mudou, estimada atriz? Nada!

Na quarta-feria, eu chorei novamente, como chorei diante de uma tela, porque mais uma vez você foi imensa. Você chegou ao palco evidenciando sua excelência. Palmas para ti por isso!

“O espetáculo é acompanhado por uma trilha original magnífica. A música é como outro personagem, transporta a sentimentos ainda mais profundos. Grandioso, habilidoso, sensível e visceral Federico Puppi, impossível não apreciar o trabalho desenvolvido para esta obra. É simplesmente arrebatador! A trilha sonora leva o espectador a outra dimensão. Consagradas ou sagradas, todas as melodias e cadências. Federico auxilia a conexão, entre as mulheres e suas almas, fazendo ressaltar os instintos. Há algo meio gregoriano, intenso e profundo nas partituras. Um trabalho que ficará na memória daqueles que admiram sonoplastias impactantes. Digno de todos os prêmios nesse quesito”.

Eu estava certa Su, e mesmo online, os prêmios vieram.

E agora? Agora é seguir, trazer esse texto com tamanha repercussão que nossos dias atuais precisam. Gostei dos novos elementos, as fofoqueiras de Israel, imagina como Maria foi julgada pelas fofoqueiras de plantão? Aliás, quando você se coloca debaixo do véu preto, com toda certeza desse mundo, você merece outro prêmio como coadjuvante também, pois traz com equilíbrio comicidade, como uma excelente alquimista. Você é imensa garota!

Como diz a anciã, personagem criada por Suzana na dramaturgia:

“Serás venerada por meio mundo por isso, para sempre lembrada como mãe, nunca como mulher. Fizeram-te crer que és apenas um receptáculo, mas tu és aquela que enfrentou tudo isso e ao dar à luz, dividirás a história entre o antes e o depois, e, ainda assim, não terás lugar no pedestal da Santíssima Trindade. Quando entenderes a missão do teu filho, uma espada transpassará a tua alma. E quando chegares à tua velhice, tentarás contar sua história à tua versão jovem, mas esta carta, minha querida, jamais chegará às tuas mãos”.

Isso basta! Para entender a complexidade dessa obra-prima!

Minha amada e admirada Suzana, estou escrevendo em uma manhã de sexta-feira, uma manhã fria, dessas que a gente não curte sair da cama, escrevo com o mesmo amor e com o mesmo sentimento em relação a sua montagem, com o coração em chamas. Parabéns por ontem e parabéns por hoje.

Somos todas Marias, tentei não assistir novamente seu espetáculo, mas você queira que eu fosse e vi teatro lotado, vi o burburinho e me prostrei diante de você mais uma vez. Para além da sororidade, me prostrei pela segunda vez diante do seu feito, parabéns querida Suzana, e voe alto, alce voos com esta obra que nos protege, nos ensina, e que  toque outras mulheres, com cabaças e essa iluminação arrebatadora, com essa carta a Maria, que me faltam palavras para justificá-la, que você seja feliz e conte sempre comigo para falar de nós, as mulheres, as Marias…

Um beijo Su!

A peça passeia por importantes arquétipos da alma feminina. Em cena, Suzana dá voz a três mulheres – a donzela Maria (ou Miriam, como é chamada em hebraico), a atriz (uma mulher de 46 anos) e a anciã (Maria, em sua velhice, carregando em si a ancestralidade feminina) – que relatam a jornada da protagonista, intercaladas com histórias da vida da própria atriz e temas da atualidade. “Só existem seis falas atribuídas a Maria em toda a Bíblia. Pouco se escreveu sobre ela. A peça é uma investigação sobre sua jornada íntima, trazendo uma Maria profundamente humana, em plena metamorfose, se apoderando de sua própria história”, conta Suzana. “Fui arrebatada pela obra. Foi uma desconstrução da imagem romântica que eu tinha da Maria, que nos chega perfeita, como aquela que vemos nos presépios de Natal”, conta a diretora Miwa Yanagizawa.

“Humanizar a figura da Maria e mostrar a opressão sofrida por essa mulher amplia o movimento libertário feminista”, diz a diretora, que vê neste trabalho um diálogo com seus dois espetáculos anteriores, “Nastácia” e “Eu matei Sherazade, confissões de uma árabe em fúria”.

 

Fotos: Elisa Mendes/Divulgação

Ficha técnica

Direção: MIWA YANAGIZAWA
Concepção, dramaturgia e atuação: SUZANA NASCIMENTO
a partir da obra de ERRI DE LUCA
Direção de arte, figurino e cenografia: DESIRÉE BASTOS e JOVANNA SOUZA
Iluminação: ANA LUZIA MOLINARI DE SIMONI e HUGO MERCIER
Direção de movimento: DENISE STUTZ
Trilha sonora original: FEDERICO PUPPI
Participações especiais (trilha) Cantoras: RITA BENEDITTO, KACAU GOMES, MARI BLUE, FERNANDA SANTANNA E ALEXIA EVELLYN
Percussão: MARCO LOBO

Voz da mãe (a própria): IRENE PEREIRA DO NASCIMENTO
Operação de som e projetor: ROBERTO LUCARO
Direção de palco: SABRINA SAVINO
Design gráfico: RAQUEL ALVARENGA
Fotografias: ELISA MENDES e JÚLIO RICARDO
Vídeos: ELISA MENDES
Edição de vídeos para o palco: ALMIR CHIARATTI
Assessoria de imprensa: PAULA CATUNDA E CATHARINA ROCHA
Produção: ALESSANDRA REIS e CRISTINA LEITE
Direção de produção: ALESSANDRA REIS
Coordenação geral: SP NASCIMENTO PRODUÇÕES

 

Compras de ingresso

https://bileto.sympla.com.br/event/96259/d/274912

 

 

 

De verdade?

Fui assistir ao espetáculo infantil “Quebra-Cabeça” no mesmo teatro. As crianças gritavam começa, pois o elenco atrasou 16 minutos, mas tudo bem, a beleza cênica da atriz Clarice Sauma, me fez esquecer o ocorrido…

Clarice Sauma. Foto: Reprodução Internet

 

 

Paty Lopes (@arteriaingressos). Foto: Divulgação.

 

Facebook: @PortalAtuando

 

 

 

Author

Dramaturga, com textos contemplados em editais do governo do estado do Rio de Janeiro, Teatro Prudential e literatura no Sesi Firjan/RJ. Autora do texto Maria Bonita e a Peleja com o Sol apresentado na Funarj e Luz e Fogo, no edital da prefeitura para o projeto Paixão de Ler. Contemplada no edital de literatura Sesi Fiesp/Avenida Paulista, onde conta a História de Maria Felipa par Crianças em 2024. Curadora e idealizadora da Exposição Radio Negro em 2022 no MIS - Museu de Imagem e Som, duas passagens pelo Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com montagem teatral e de dança. Contemplada com o projeto "A Menina Dança" para o público infantil para o SESC e Funarte (Retomada Cultural/2024). Formadora de plateia e incentivadora cultural da cidade.

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