Cláudio Gil se apaixonou pela Caligrafia ainda moleque… Fascinado pelo ambiente de gráficas, logo enveredou por esse mundo. Se tornou designer e Mestre em Design pela ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial – UERJ). É calígrafo autodidata por pura teimosia, segundo ele, e artista.
Começou a estagiar como designer em 1993, na Divisão Gráfica da UFRJ, e se apaixonou pelos processos de produção gráfica. Na UFRJ, pôde viver a transição dos processos manuais para os digitais, mas sempre com um pé nos processos mais antigos.
Teve escritório, foi chefe, foi empregado em empresas privada e pública e, em 2008, largou tudo para se tornar professor. Passou a lecionar em oficinas de caligrafia e hoje é professor de Design da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-Rio), já tendo também lecionado em outras escolas como a Miami Ad School e o IED-Rio (Istituto Europeo di Design).
Claudio não para. Continua atuando como calígrafo e lecionando caligrafia nas oficinas… sempre pintando, desenhando, criando, embelezando esse mundo e sendo feliz.
Como começou essa paixão pela Caligrafia?
Começou bem cedo, eu sempre curti desenhar letras. Eu morava no interior do Rio e desde os meus 11, 12 anos, ficava copiando letras de tudo quanto era tipo de rótulo. Fui letrista de faixas de campanha política, fiz cartazes para supermercado, trabalhos para amigos etc.
Sempre curti gráfica também. Eu tinha um amigo na escola cujo avô tinha uma pequena tipografia e, para mim, era um sonho estar naquele universo. Posteriormente, quando eu comecei a estudar Desenho Industrial na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), tive um contato mais intenso com o universo da tipografia, com seus fundamentos, tomei conhecimento de designers de tipos e fui picado pela mosca verde do mundo das letras de uma vez por todas.
E como ela se tornou uma expressão artística?
Acho que é algo natural, pois sempre entendi a Caligrafia como arte. Na verdade, a caligrafia é o que me possibilita ser singular, no que diz respeito ao rigor e aos detalhamentos imprescindíveis para o bom Design. Ao mesmo tempo, essa disciplina me possibilita manter a técnica e as habilidades sempre em dia. É isso que me deixa inteiramente à vontade para criar, me dá a liberdade necessária para a expressão pessoal. Eu não separo as coisas, para mim, caligrafia é arte e eu amo arte.
Você tem cadernos de esboços, assim como um escritor tem um caderno de anotações. Como é o seu processo criativo?
Eu desenho todo dia, o exercício me dá todas as respostas de que eu preciso, quanto mais eu desenho, mais o desenho me ensina. Nunca parei para analisar o “meu processo”. Eu procuro ter sempre um caderno à mão para poder desenvolver meus projetos onde quer que esteja, anotar ideias, desenhar ideias, aproveitar o tempo. Entretanto, eu percebo o meu processo como um processo de busca. Curto muito tentar encontrar algo que, algumas vezes, nem faço ideia de que estou correndo atrás. Começo a desenhar as palavras repetidamente e de várias maneiras possíveis e, quando percebo (aliás, eu não percebo), pareço estar num estado de transe.
É um pouco diferente do processo de desenvolvimento para projetos de design ou então para clientes, pois entram questões de prazo etc, mas sempre tento tornar o processo divertido para mim.
Você também é professor. Quais são as dores e delícias de se ensinar essa arte?
Não há dor. Ensinar é mostrar, é traduzir, é dar de si e aprender com os demais. Logicamente, a diferença entre gerações traz alguns ruídos e algumas dificuldades, Porém, qual trabalho não se apresenta assim?
Fale do Beabá.
O Beabá é uma oficina de caligrafia para iniciantes que desenvolvi ao longo dos anos. Ela se baseia na letra do império Carolíngeo, as minúsculas carolíngeas criadas pelo abade Alcuíno de York, uma espécie de ministro da cultura de Carlos (Carolus) Magno. É o que eu considero o fundamento, o essencial para o aluno que não conhece absolutamentenada sobre caligrafia conseguir, em poucas horas, entender como funciona a dinâmica do desenho de letras desenhadas por um instrumento de ponta quadrada. O nome Beabá surgiu de brincadeira, eu costumo inventar nome para todos os meus cursos e me pareceu bem simpático, me faz lembrar a minha infância, o meu processo de alfabetização. Acredito que seja ideal para quem vai iniciar a “alfabetização” da caligrafia.
O que busca um aluno do workshop? O que ele deve ter para aprender e desenvolver seu próprio estilo?
As buscas são as mais diversas. Tem aluno querendo aprender para ser Designer de Tipos, tem gente que quer fazer convites de casamento, tem aluno que quer curtir, tem aluno que faz só por curiosidade, alunos que adoram arte e fazem todos os cursos imagináveis. No fundo, eu acredito que todos estejam num processo de busca.
Para aprender, é preciso praticar todos os dias. O caminho requer disciplina, paciência, perseverança, rigor e, sobretudo, alegria. Senão não rola. (rs)
A Caligrafia tem uma história. Você pode contá-la de forma resumida?
Difícil essa, pois há muito o que se falar e ainda restarão muitas lacunas.
A escrita ocidental é considerada um dos três grandes modelos de escritas no mundo, acompanhada pela escrita oriental e pela escrita do Oriente Médio, como a árabe e a hebraica.
Acho que o mais importante a citar é que, numa época onde o efêmero e o imediatismo imperam, as letras capitais romanas, consideradas como o fundamento gráfico ocidental, surgiram há quase dois mil anos e continuam vivas até hoje. A partir das capitais romanas, foram desenvolvidos praticamente todos os modelos ocidentais utilizados até hoje. Esse arquétipo continua sendo utilizado até os nossos dias, em cada nova fonte digital para texto que surge.
Atualmente, eu vejo como uma maneira de entender como a indústria se baseia no conhecimento dessas técnicas para produzir artefatos de boa qualidade. Hoje em dia, é comum encontrar pessoas que veem o manual ou o artesanal como algo “tosco” ou mal acabado, pelo fato de serem utilizados materiais crus, como fibras naturais, por exemplo. O fato é que a indústria sempre procurou copiar a excelência dos produtos executados por mestres artesãos e artistas, tentando deixar seus produtos com uma qualidade tão boa quanto os feitos artesanalmente.
Ludovico Vicentino Degli Arrighi percebeu isso já no início do século XVI, quando fez o primeiro manual para desenho de letras. Ao invés de pensar que a caligrafia havia morrido em detrimento da invenção dos tipos móveis de Gutenberg, ele entendeu que essa escrita mecânica se tratava apenas de uma nova categoria de escrita. Então, desenvolveu um manual para o bom desenho de letras, pois sabia que uma letra mal desenhada para um processo industrial poderia acarretar uma multiplicação de letras ruins, uma vez que elas seriam reproduzidas através de um original, uma matriz mal projetada.
O que mais encanta você na Caligrafia?
Difícil essa também. Tudo: letras maiúsculas, minúsculas, ornamentos, estilos. Acho que o que mais me encanta de verdade é o fato de eu viver de caligrafia, eu caligrafo todos os dias, às vezes até no ônibus. A Caligrafia me encanta como um todo, na verdade.
Você tem trabalhos espalhados pelo mundo, incluindo obras expostas no Museu Contemporâneo de Caligrafia de Moscou. Como se tornou um dos artistas mais importantes da Caligrafia?
Olha, eu trabalho muito, bato na porta de um monte de gente para mostrar meu trabalho, acompanho o trabalho de muita gente há quase 30 anos e sempre tentei me relacionar de alguma forma, seja por carta, por e-mail, pessoalmente etc. Mas tem muita gente da pesada por aí, eu me considero um excelente profissional, mas não fico ligado nessa métrica de ser “o mais” , “um dos mais”. Eu tenho meu trabalho reconhecido em muitos locais por causa da minha atuação, por causa da minha dedicação e também devido à minha cara de pau de mostrar o meu trabalho em todas as oportunidades possíveis. Mas, entenda, quero mostrar o meu trabalho, eu não curto muito ficar colocando a minha cara em cada post que faço, só o faço quando é imprescindível. Prefiro que a minha cara seja o meu trabalho.
A Caligrafia é um mundo restrito ainda aos interessados por essa arte ou isto está mudando?
Ainda é incipiente se compararmos às outras artes, como a pintura e escultura. Mas acredito que seja um início, já consigo perceber umas linhas de trabalho muito interessantes nas mãos de vários bons desenhistas. Porém, igualmente percebo uma proliferação de letras iguais, sem caráter. Nas campanhas de dia das mães, dia dos namorados, como exemplos, eu tive a impressão de que todas as lojas compraram a mesma fonte que imitava uma caligrafia feita de pincel. E o pior, eram, em grande maioria, fontes digitais mal desenhadas. Mas é válido, acho cedo para se falar nesse tipo de valorizaç?o pois, no Brasil, não se valoriza o design, a arte, a educação. Mas é bom ver esse movimento atingindo as escolas de design, artes e seus alunos. Felizmente, o cenário já mudou um pouquinho nos últimos 20 nos.
Quais são os artistas que o influenciam e o inspiram?
São muitos, muitos mesmo, fico até com medo de responder essa, pois vai ficar uma horda do lado de fora, porém, o Zapf (Hermann Zapf, alemão falecido ano passado aos 95 anos de idade) foi o cara que me trouxe à luz. Ele era excepcional! Eu costumo comentar em algumas das minhas aulas que pessoas como Edward Johnston (Inglaterra) e Rudolf Koch (Alemanha), grandes responsáveis pelo revival da caligrafia na Europa no início do século 20, foram pessoas que nasceram para a Caligrafia. Mas com o Zapf é diferente, eu acredito que a Caligrafia nasceu para um dia encontrar Hermann Zapf.
E outros muitos me inspiram: John Stevens, Sheila Waters, Julian Waters, Gabriel Meave, Andréa Branco… Viu só, eu disse que iriam ficar muitos de fora…
Em tempos tão modernos com o domínio do teclado, como manter e estimular a arte da Caligrafia?
É tudo desenho! A vantagem é poder produzir para o digital com um caráter único. É como eu vejo. O design precisa de singularidade e, graças aos dois caminhos, eu posso ser sempre singular, mesmo quando minhas letras são transformadas em impulsos elétricos e não elétricos. O estímulo é desenhar. Vejo os meus alunos, que são totalmente integrados com os meios de comunicação e produção digital, ficarem hipnotizados quando eu mostro caligrafia para eles. Acredito que mostrar seja uma forma de estimular; já manter… (rs)
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