É do ser humano perseguir a perfeição, seja para o bem ou para o mal. Sobre os maus, só me interessam estudos e teses, ou para inspirar personagens. Os bons, tal qual Michelângelo ao transformar o mármore em sua imagem e semelhança, se entregam ao solitário sofrimento desta busca. Digo isso para introduzir, singelamente, reflexão a uma das maiores contradições ao ato de criar, o mercado de artes. Entendendo artes como toda a criação, sem distinção, do artesanato ao audiovisual.
Desde que o mundo é mundo o dilema “criar ou ganhar a vida” atormenta aqueles que nasceram com o famoso “dom”, qualquer que seja. Não vou aqui entrar no mérito, dos que tiveram berço, oportunidade ou foram oportunistas, e tantas outras exclusões. O que nos interessa é buscar respostas para perguntas de estudantes em palestras: “como é que faz pra ser um escritor famoso?”, ao que outro grita: “e ganhar dinheiro?”
Minha primeira resposta, à queima-roupa: se soubesse, seria famoso e rico. Depois citei pensamentos e aforismos de alguns que chegaram lá, coisas como a frase de Stephen King: “O talento é mais barato do que o sal de mesa. O que separa a pessoa com talento da que tem êxito é um monte de trabalho”.
E cada vez mais o escritor, como todos os criadores, precisa se multiplicar e ser seu próprio agente, gerenciar sua profissão, comunicar seus feitos, estar onipresente nas reverenciadas redes sociais, fazer política e conquistar parceiros. Enquanto isso, precisa continuar com as coisas básicas do dia-a- dia como comer, pagar o aluguel, estudar, pesquisar… São capacidades que precisam ser adquiridas. Impossível tê-las todas, inatas. Então, me refiro à formação, à informação, tecnicidades, ou seja, investimentos.
Todas estas aquisições não são para ver o talento reconhecido, muito menos para a satisfação pessoal do crescimento, da expansão do conhecimento, e sim, se inserir no mercado, ganhar aquele rótulo de, quem sabe, fenômeno de venda, queridinho das listas. Muito poucos sobrevivem por mais de uma temporada.
Não consigo entender isso como mais uma seleção natural. Não será a forma moderna de exclusão? A simplificação do que é bom é o que é absorvido pelo “império”?
De volta ao “perseguir a perfeição”, recorro a Virgínia Woolf: “Obras-primas não são frutos de um nascimento solitário. Elas são consequência de vários anos de pensamento em comum, de tal modo que a experiência da massa está por trás de uma única voz”.
Será uma vida o suficiente para consubstanciar um criador a ponto de confirmar Flaubert: “Um autor em sua obra deve ser como Deus no universo, presente em toda parte e visível em parte alguma”.
Ou já não é mais essencial aspirar à perfeição?