Às quartas – Dia dos Namorados

Foto: Kelly Sikkema em Unsplash

Nunca dei sorte no “Dia dos Namorados”. Não é uma reclamação em relação a ninguém. Meus ex foram ótimos enquanto duramos. Mas o Universo conspirou contra meu romantismo a vida inteira. Eu cedi, deixando de valorizar a data.

Já terminei namoro três dias antes do dia. Já ganhei um urso enorme de pelúcia e show do Flavio Venturini mas supliquei para voltar para casa, com 39ºC de febre e a garganta completamente infeccionada, bem no início do programa. Já troquei mensagem com o namorado no aeroporto, viajando a trabalho, porque a data não é feriado, então trabalha-se, né?

Nunca pétalas de rosa sobre a cama. Nem cesta de café da manhã. Nem jantar a dois em local romântico. Nem buquê de flores surpresa no trabalho. Dia dos Namorados sempre foi uma data meio normal para mim. Estava sozinha ou não éramos dados a gestos românticos. E tudo bem. Debaixo de uma fã de Roberto Carlos, havia uma boa capricorniana, dando mais valor a quem estava a seu lado do que à mise en scène. Talvez, no futuro, surja alguma memória única relacionada ao dia. Embora ache difícil me convencerem a encarar um restaurante cheio, só pelas luzes de velas à mesa. Capricorniana, eu disse.

Foto: Akshar Dave em Unsplash

Minha confissão tem um motivo específico.

Depois de ler meu texto sobre ser possível ser feliz sozinha aqui no ArteCult, uma amiga me disse, como se eu não soubesse: “ah, muita gente sofre com a solidão”. Falou que não conseguirá abrir as redes sociais no dia 12 de junho. A ostentação das relações reforçará o sentimento de abandono. Sou solidária a sua dor mas lhe lembro: a alegria estampada é, apenas, um recorte. Na bolha virtual, o mundo parece perfeito.

Claro que muita gente sofre de solidão. Eu também já sofri. Mas, ao contrário da amiga, já me senti profundamente solitária numa relação. Talvez por isso, minha perspectiva seja diferente: não acho que solidão esteja relacionada a status de relacionamento.

Um amor é bom? É. Ter um companheiro na vida é bom? É. Mas é muito ruim estar ao lado de quem não a acompanha. Ter compromisso com quem não se compromete como você. Estar junto apenas para não estar só.

É ótimo ser amada e corresponder. Encontrar alguém que ache graça nas mesmas coisas que você. Mas não esqueçamos: felicidade é construção individual. É sendo feliz que se é capaz de irradiar felicidade. É o equilíbrio individual que não desequilibra as relações. Ter prazer na própria companhia é o que acena ao outro que sua companhia é prazerosa.

Neste Dia dos Namorados, você poderá estar só. Talvez em mais nenhum esteja; talvez em muitos outros. A vida é circular e imprevisível. Crie oportunidades para sentir-se bem. Boas energias ecoam alegria. Mas exigem o esforço.

Feliz Dia dos Namorados a todos! Bom romance para quem é romântico. Boa prosa para quem é de conversa. Bom sexo para quem ama luxúria. Boa reza para quem é de oração. Boa noite aos solteiros, aquecidos diante da tevê ou de um livro. Meu desejo é que não faltem desejos nem amores na vida de ninguém.

ANA LÚCIA GOSLING

Ana Lucia Gosling (@analugosling)

 

 

 

 

 

 

 

Author

Ana Lúcia Gosling se formou em Letras (Português-Literatura) em 1993, pela PUC/RJ. Fixou-se em outra carreira. A identidade literária, contudo, está cravada no coração e o olhar interpretativo, esgarçado pra sempre. Ama oficinas e experimenta aquelas em que o debate lhe acresça não só à escrita mas à alma. Some-se a isso sua necessidade de falar, sangrar e escorrer pelos textos que lê e escreve e isso nos traz aqui. Escreve ficção em seu blog pessoal (anagosling.com) desde março de 2010 e partilha impressões pessoais num blog na Obvious Magazine (http://obviousmag.org/puro_achismo) desde junho de 2015. Seu texto “Não estamos preparados para sermos pais dos nossos pais” já foi lido por mais de 415 mil pessoas e continua a ser compartilhado nas redes sociais. Aqui o foco é falar de Literatura mas sabe-se que os processos de escrita, as poesias e os contos não são coisa de livro mas na vida em si. Vamos falando de “tudo” que aguçar o olhar, então? Toda quarta-feira, no ArteCult, há crônica nova da autora, que integra o projeto AC VERSO & PROSA junto de Tanussi Cardoso (poemas) e César Manzolillo (contos). Redes Sociais: Instagram: @analugosling Facebook: https://www.facebook.com/analugosling/ Twitter: https://twitter.com/gosling_ana

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