As crianças precisam viajar com o Pé de Vento

Leandro Castilho e Clara Santhana. Foto: Divulgação.

 

Por mais que haja poesia, dessa vez venho com um texto que pontua a importância do espetáculo que está em temporada no Teatro Miguel Falabella, no Norte Shopping. Sempre falo a respeito da importância da educação e é exatamente sobre isso que venho defender. O espetáculo “As Aventuras de Pé de Vento no Dia de Cosme e Damião”, apresenta uma obra digna de aplausos e acolhimento dos pais. No seio da sociedade permeia ainda a intolerância, e se não fosse isso estaríamos bem mais evoluídos, fato.

Estamos ouvindo sobre religiões de matrizes africanas com mais frequência, e isso parece ser repetitivo, mas poderia não ser, se nas grades curriculares, a cultura do país fosse levada as crianças com seriedade e responsabilidade, para crescermos menos intolerantes no futuro, o que não é o caso, infelizmente. No entanto, quanto aos santos Cosme e Damião, afirmo que é a primeira vez que ouço, e pasmem, mesmo sendo esse um espetáculo infantil, a obra acrescenta conhecimento aos grandinhos, como trouxe para mim.

O projeto é educacional também, além de muitíssimo cultural, afinal quem não lembra dos saquinhos de doces que ganhávamos nas ruas no mês de setembro do passado?  Eu lembro bem, da maria-mole, dos suspiros, mariolas, coco de rato, doce de abóbora, gelatinas coloridas, bala Juquinha, tudo dentro daquele saquinho branco com listinhas, com os dois santos no meio.  Detalhe, eu morava em uma zona “elitizada”, e os “ricos” faziam suas oferendas, mas eu jamais imaginaria que todos eles eram “batuqueiros”, nada melhor que o tempo e a conhecimento, não é mesmo?

Época gostosa aquela, confesso que seria ainda melhor se todos fizessem suas manifestações sem temerem o preconceito, eles saiam com grandes caixas em sues carros, porque todos os saquinhos eram entregues em outras regiões, mas deixavam os nossos, dos filhos dos porteiros, sorte a minha. Os saquinhos dos mais favorecidos pelos santos eram cheios de guloseimas mais sofisticadas, risos, mas, no fundo, no fundo, a fé era a mesma. Que Brasil preconceituoso, só com muita contação de história do Pé de Vento para virar essa chave!

Ao crescer deparei-me com outras dúvidas por não ter acesso às informações, por exemplo, se os santos eram católicos, como terreiros de candomblé faziam festas para eles? E o nó estava lá, que se perpetuou até assistir ao espetáculo, que explica com muita leveza, abordando com uma linguagem específica as festas dadas para as crianças nos terreiros também.  Bingo! Agora eu sei, e agradeço muitíssimo por isso.

A liberdade que Jorge Amado trouxe ao Brasil deve ser muito comemorada, porque afinal se não fosse a emenda de 1946 do artista que na época era deputado federal e macumbeiro, não teríamos a liberdade de cultuar, e muito menos a oportunidade de aprender sobre essas religiões que fazem parte do Brasil, afinal somos tão proliferados, tão multiculturais, uma miscigenação tão genuína que fica impossível dizer que essas e as demais religiões não nos pertencem, o credo é nosso e é de cada um, e isso é libertador. A passos que os negros lutam contra o racismo, vão tornando-se mais confiantes e com isso apresentam todos os conhecimentos ancestrais que eles portam, tanto no sentido cultural, como religiosos, esses que um dia trouxeram com eles da África.

Leandro Castilho e Clara Santhana. Foto: Divulgação.

E isso está claro, basta abrir os olhos para o espetáculo Menina Mojubá, que aborda o tema pombo-gira, e tem lotado os teatros por onde passa, uma febre, um fenômeno que nunca se viu antes. Pessoas que não temem em assistir obras como essas. E é importante, sermos menos intolerantes e mais conhecedores da diversidade que o Brasil carrega. Já ouvi pastor dizer: macumba se fosse boa, se chamaria boacumba. No dia anterior ouvi uma das minhas tias dizer para a cunhada: ore por seu filho, Deus vai libertar libertar o menino dessa namorada do tambor! Exatamente por isso que precisamos dessa obra correndo em escolas, em circulações, que seja uma obra que chegue para todos, para que o respeito brote e inunde o mundo!

O trabalho não tem patrocínio, e na ficha técnica, além de potentes, pode-se dizer  que são os corajosos  profissionais das artes cênicas, que se juntaram a favor de um país menos preconceituoso, e claro que também explica a minha admiração por cada um deles. Embora não seja o caso desse espetáculo, ainda que a obra não fosse assertiva, eu iria fazer apontamentos, porque quando temos um espetáculo que também atua a favor da educação, fato que não deixo passar, por entender o quanto somos carentes disso.

A montagem é delicada, traz canções divertidas, e dão o tom certo para o espetáculo.

 

Sinopse

A peça revive a alegria do Dia de Cosme e Damião, explorando a memória afetiva do subúrbio carioca. Pé de Vento, um menino do sertão da Paraíba, descobre a tradição ao viajar até o Rio de Janeiro e vive uma aventura cheia de descobertas e surpresas. No palco, músicas de grandes nomes da MPB, como Gilberto Gil, Jorge Ben e Rita Lee, embalam a história e garantem a diversão de toda a família.

 

Na verdade Pé de Vento chega ao Rio de Janeiro, através de um redemoinho. E quem traz o redemoinho? O Saci que é personificado por um boneco, e  aí chega também o teatro de animação, onde a triangulação dos olhares são realizado de forma assertiva por Clara Santhana, a atriz protagonista, que também contou com a voz do ator Leandro Castilho, um trabalho harmônico entre os dois artistas no palco, que dependem um do outro para essa atuação. O “ciclone” acontece quando a atriz pega um tubo de plástico e roda, trazendo um barulho que caiu muito bem nessa viagem feia por Pé de Vento, uma excelente ideia, que não sei de onde veio, mas que merece palmas.

O espetáculo também aborda questões do dia a dia do estado, que mesmo sendo belo por natureza, enfrenta o crime, esse um dos males da nossa cidade. E isso traz a sensação de pertencimento para todas as crianças e explica de certa forma como a cultura do dia do doce tem diminuido com o tempo. Dia 27 era dia de crianças na rua, o que diminuiu-se muito com a violência dos dias atuais, e Pé de Vento não chegou a trinta anos atrás, pousou agora, no meio de tiros, mesmo assim sobrevoa a cidade do Rio, pendurado em um drone, fantástico!

Essa questão do pertencimento é necessário, democratiza a obra, faz com que todas as crianças independente do meio que estão, sintam-se representada pelos artistas. Essa colocação é de muito bom gosto, bem pensado. Uma obra, principalmente a infantil precisa ser mais intríseca possível ao público alvo dele.

O dia de Sâo Cosme e Damião não ficou só no Rio de Janeiro, a tradição de Salvador também é abordada no texto. Um show de cultura e conhecimento para todos que estão presentes na plateia.  Que maravilha! Quantas coisas aprendi, a minha maleta cultural saiu cheinha de informações.

“Em setembro, os baianos oferecem prato à base de quiabo como forma de homenagear diversos santos e santas. Nesta quarta-feira, 27, é comemorado o dia de Cosmo e Damião. Na Bahia, a data é celebrada com o oferecimento de caruru para as crianças, como forma de agradecer aos santos”

Nesse momento, a atriz  Clara põe uma saia de baiana e um turbante na cabeça e deixa seu corpo gingar com majestade e sutileza. 

O figurino é divertido, colorido e infantil, traduzidas pelas mãos do premiado figurinista Wanderley Gomes. Já o Cenário de Doris, nasce dos saquinhos de São Cosme e Damião, tanto os tons como as firguras geométricas nas barraquinhas que estão no palco.

A atriz Clara Santhana está perfeita, sua voz e expressões tanto corporais quanto faciais estão muito bem encaixadasno espetáculo. Clara parece cada dia melhor, quando penso ver uma arte cênica de alta performance da atriz, ela volta aos palcos ainda melhor. Até mesmo quando dá vida a antagonista, a atriz nos conquista. Quando ela apresentou uma boneca, quase me derreti, porque é de uma façanha, de uma beleza cênica encantadora. Clara é uma teatróloga, sempre assistindo colegas no palco, aprendendo/estudando, na atriz há uma fonte inesgotável de querer fazer bem feito. Ao lado dela esta Leandro Castilho que canta e brinca no palco, assim como o percussionista Igor Lemos.

Isaac Bernat é o diretor, este que também não para, sempre atuante, principalmente no teatro infantil, não lembro de ter visto algo dele e desaprovado nesse sentido.

Folgo-me em dizer que essa obra é uma daquelas que eu ponho na minha instante, defendendo a sua importãncia,  esta não deveria sair dos palcos, por defender a nossa cultura, a nossa arte, as nossas raizes. Implica em entender o próximo, seu credo, suas divindades, e isso é o que precisamos.

 

Ficha Técnica

  • Texto – Fátima Colin
  • Direção – Isaac Bernat
  • Direção musical – Leandro Castilho
  • Idealização e Pesquisa – Clara Santhana
  • Elenco – Clara Santhana e Leandro Castilho
  • Músico convidado – Igor Lemos
  • Direção de movimento – Clara Santhana e Leandro Castilho
  • Figurino – Wanderley Gomes
  • Cenário – Dóris Rollemberg
  • Iluminação – Aurélio de Simoni
  • Confecção bonecos – Alexandre Guimarães
  • Fotos Arte – João Saidler
  • Arte gráfica – Luciana Mesquita
  • Fotos Cena – Dalton Valério
  • Costureira figurino – Selma Franklin
  • Costureira cenário – Ângela Santana
  • Cenotécnico – Coreia Santos
  • Assessoria de Imprensa – Racca Comunicação
  • Produção Executiva – Márcio Netto
  • Direção de Produção – Sandro Rabello (Diga Sim! Produções)
  • Realização – Diga Sim! Produções e Naine Produções

 

História

Os gêmeos praticavam a medicina em Egeia e alcançaram, por isso, grande reputação. Não aceitavam nenhum pagamento por seus serviços e foram por isso chamados de anargiras (em grego antigo: Ανάργυροι anargyroi – avessos ao dinheiro). Dessa forma, eles trouxeram muitos novos adeptos para a fé cristã. Quando a perseguição de Diocleciano começou, o prefeito Lísias mandou prender Cosme e Damião e ordenou-lhes que se retratassem. Eles se mantiveram constantes sob tortura e, segundo a lenda, não sofriam nenhum ferimento por água, fogo, ar, nem mesmo na cruz, até que foram decapitados por uma espada. Seus três irmãos, Antimo, Leôncio e Euprepio também morreram como mártires com eles. A execução ocorreu em 27 setembro, provavelmente entre 287[5]/303 d.C..[6]

Na tradição Iorubá, Cosme e Damião são o Orixá Ibeji ou Ibejis, filhos gêmeos de Inhaça e Xangô, que foram criados por Oxum. Em outros itans (histórias mitológicas) Ibejis são filhos de Iemanjá e eles tiveram um irmão chamado Idoú ou Doum, por isso, nas representações sincréticas dos gêmeos, aparecem três irmãos, ao invés de dois. Os itans contam que eles tinham grandes poderes, inclusive de enganar a morte (icu). São crianças que adoram brincar mas são muito poderosos pois dominam a magia.

Com texto de Fátima Colin, inspirado em crônica de Rubem Braga, a peça explora a memória afetiva do subúrbio carioca a partir da cultura de distribuição de doces no Dia de Cosme e Damião. Em cena, os atores, ao lado do percussionista Igor Lemos, atuam, cantam e tocam canções da música popular brasileira ao vivo.

 

SERVIÇO

As Aventuras de Pé de Vento no Dia de Cosme e Damião

Teatro Miguel Falabella – Norteshopping
Temporada: 6 a 28 de julho
⏰ Horários: Sáb e dom, às 15h
️ Ingressos: R$ 70 (inteira) / R$ 35 (meia
⏳ Duração: 50 minutos
Classificação etária: livre

@aventurasnodiadecosmedamiao

Para garantir seu ingresso, você pode escolher entre duas opções:

1. Compra online:

  • Acesse o site do Sympla:
  • Selecione a data e sessão desejada.
  • Escolha seus lugares e finalize a compra.

2. Compra presencial:

  • Vá até a bilheteria do Teatro Miguel Falabella, no Norte Shopping.
  • O horário de funcionamento da bilheteria é de terça a domingo, das 13h às 20h.
  • Você também pode comprar ingressos na bilheteria do Norte Shopping.

Informações adicionais:

  • Duração: 50 minutos
  • Classificação: Livre para todas as idades
  • Ingressos:
    • R$ 70,00 (inteira)
    • R$ 35,00 (meia)

Lembre-se:

  • Os ingressos são limitados, por isso compre o seu com antecedência!
  • O uso de máscara é obrigatório dentro do teatro.

 

Author

Dramaturga, com textos contemplados em editais do governo do estado do Rio de Janeiro, Teatro Prudential e literatura no Sesi Firjan/RJ. Autora do texto Maria Bonita e a Peleja com o Sol apresentado na Funarj e Luz e Fogo, no edital da prefeitura para o projeto Paixão de Ler. Contemplada no edital de literatura Sesi Fiesp/Avenida Paulista, onde conta a História de Maria Felipa par Crianças em 2024. Curadora e idealizadora da Exposição Radio Negro em 2022 no MIS - Museu de Imagem e Som, duas passagens pelo Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com montagem teatral e de dança. Contemplada com o projeto "A Menina Dança" para o público infantil para o SESC e Funarte (Retomada Cultural/2024). Formadora de plateia e incentivadora cultural da cidade.

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