Dia pandêmico destes estava eu em meu cárcere privado meditabundo sobre a vida, o universo e tudo o mais quando, não sei por quê cargas d’água, lembrei-me de minha primeiríssima máquina. Não a Yashica 635 que, apesar de ter sido a primeira câmera com que fotografei, ou a Olympus Trip 35 que, vindo na sequência, eram do meu pai. Estou falando minha, me mi nha nha: minha!
Minha primeira máquina ganhei de Papai Noel no anno de Nosso Senhor de 1974. Tenho certeza do ano, porque sou bem chato com isso, tendo em vista que ser Asperger te tira, mas, também, te dá muitas coisas, como chatice e memória de longo prazo. As recentes… o que eu tava falando? Bom, deixa pra lá. Voltando.
Então era 1975 quando desembrulhei aquele presente que veio dentro de uma sacola branca, com letras vermelhas da Sears Roebuck, que ficava onde hoje é o Botafogo “Escada” Shopping. Geralmente as sacolas de plástico da Sears eram verdes mas, naquele ano, vieram brancas. Enfim.
Quando tirei de dentro daquela caixinha retangular amarela a MINHA Kodak Instamatic, meus olhinhos “chega a brilha”! Era a coisa mais linda desse mundo. Mas o filme, mesmo, só vi umas semanas depois. Era uma ou outra coisa naquela época de recessão (quando não foi?).
Sob severa recomendação de meu pai, eu só poderia bater umas três fotos por dia e olhe lá. Não dava para ficar batendo a esmo qualquer coisa. Revelação na época era relativamente cara e haviam prioridades. Isso é uma coisa interessante, pois não era incomum, aliás, era razoavelmente comum, que uma câmera tivesse batido apenas uns três ou quatro rolos durante toda sua existência, e sido guardada praticamente intacta dentro do armário. Batia três ou quatro fotos no Natal, mais umas três por aniversário da família, algumas outras na Páscoa e demais feriados e, no final de dois anos se retirava o filme para revelar. Devido a isso e também devido ao fato dessas câmeras antigas geralmente virem protegidas com uma capa, até bem pouco tempo atrás, era possível se achar câmeras de cinquenta anos praticamente novas, com pouco ou, até mesmo, nenhum uso.
No entanto, evidentemente haviam pessoas que batiam em um volume bem maior sem necessariamente serem fotógrafos. Meros amantes apaixonados pela arte fotográfica. Mas nada que se compare a uma ida num bar hoje em dia em que, não raramente, se vê uma máquina digital bater 100, 300… 500 fotos de coisa alguma. Sinal dos tempos.
Naquela época, enquanto na TV, Hayata levantava a Cápsula Beta e se transformava em Ultraman para combater os monstros, eu pegava minha câmera vazia e ficava horas pensando no que gostaria de fotografar quando meu pai me trouxesse um filme.
Nessa época morávamos no Flamengo e eu ficava sozinho às tardes. Só eu, a janela e as nuvens passando lentamente pelo topo do prédio em frente. Essa imagem foi meu cinema diário naquela época e, após ela, nas outras duas vezes que sai e voltei, saí e voltei àquele apartamento que insistia em ficar cada vez menor em todas as vezes em que lá voltava.
A Instamatic se perdeu no tempo e várias outras câmeras vieram e se foram assim como ela. Assim como nós… Então um dia desses em que me pego olhando para um vazio que não mais o topo dos prédios no Flamengo, ouço alguém perguntar algo a outro alguém sobre “a melhor foto de todos os tempos”, e eu fiquei pensando sobre isso. Sobre o significado complicadíssimo da palavra “melhor”, especialmente nos tempos modernos.
Então, ensimesmado com essa elucubração que (tira a) teima em arder em minha tresloucada mente, sentei-me aqui para escrever sobre a “melhor foto do mundo”.
Depois de muito, mas, muito pensar (de vez em sempre é bom!), eis que cheguei a conclusão sobre qual seria essa foto, quais critérios ela deveria ter e a conclusão a que cheguei foi essa.
Ela deveria ser uma foto que te tocasse, que te trouxesse lembranças, que fizesse com que você se emocionasse, secretamente ou não, como todo o tipo de arte deveria ser desde o nascimento até a morte: emocionante e emocional! Que fosse uma foto de rara beleza, mas mais para si que para os outros, que ela tivesse o condão de te transportar para o seu melhor momento e revelasse aquilo que tens de melhor. Que fosse uma foto que te tirasse a sisudez e a substituísse por um sorriso, fosse esse discreto ou capaz de transformar teus dentes em uma vitrine e que, ainda assim, resplandescente de felicidade, ainda fosse ela capaz de fazer brotar em teus olhos, a lágrima, de extinguir a mágoa e te trazer a paz.
Dessa forma, a melhor foto de todos os tempos não é aquela que ganhou algum concurso, nem que saiu em jornal ou virou quadro em galeria de bacana. A melhor foto de todos os tempos é aquela que guardas na carteira ou sobre a penteadeira ou pendurada no corredor. É aquela que você bateu com seu pai, sua mãe e seu avô. A da sua infância ou dos seus filhos ou sendo até mesmo aquela foto que um dia você fez da lua, não se iluda, a melhor foto de todos os tempos foi e sempre será… a tua!
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