Às vésperas da estreia de ‘Amor e Sorte’ na TV Globo, na terça-feira (8), Fernanda Montenegro e Fernanda Torres refletem sobre o projeto e os aprendizados deste momento
‘Amor e Sorte’ estreia nesta terça-feira, dia 08, com o episódio ‘Gilda e Lúcia’, protagonizado pela dupla de mãe e filha, Fernanda Montenegro e Fernanda Torres; escrito por Antonio Prata, Chico Mattoso, Jorge Furtado e Fernanda Torres; e dirigido por Andrucha Waddington e seu filho, enteado de Fernanda Torres, Pedro Waddington. O episódio conta ainda com participação especial de Joaquim Waddington, filho de Andrucha e Fernanda.
‘Gilda e Lúcia’ retrata a urgência de uma filha, Lúcia (Fernanda Torres), que precisa resgatar a mãe, Gilda (Fernanda Montenegro), no Rio de Janeiro quando a pandemia começa. A urgência é devido à despreocupação de Gilda com a possível contaminação viral, mesmo sendo grupo de risco, na casa dos 90 anos. Moradora de Copacabana, ela insiste em circular pelo bairro, à revelia da necessidade de isolamento.
A fim de mantê-la segura, Lúcia praticamente a sequestra, a coloca dentro do carro e sobe a Serra para garantir que a mãe não terá como escapar. A convivência forçada trará à tona diferenças gritantes da personalidade das duas, que provavelmente foram a razão de se manterem afastadas por quase uma vida inteira. A transformação deste relacionamento será retratada ao longo dos mais de 30 minutos de episódio.
O grupo de artistas envolvido neste trabalho já esteve junto diversas outras vezes. Mãe e filha já trabalharam juntas, ambas já trabalharam com Andrucha, todos já trabalharam com Jorge Furtado, que já esteve com Antonio Prata em outros trabalhos, que é parceiro de roteiro de Chico Mattoso há quase 20 anos. Esta intimidade e afinidade é um ganho a mais para o público, que já está tão habituado a ver os trabalhos de sucesso de cada um deles na TV.
A seguir, Fernanda Montenegro e Fernanda Torres trazem suas reflexões sobre a quarentena e ‘Amor e Sorte’.
Sobre o significado de participar de ‘Amor e Sorte’ neste momento
Fernanda Torres – Com a quarentena, subimos a Serra. Ficamos por três meses naquele lugar. Virou a nossa casa. Eu aceitei logo, a mamãe foi ainda ficando mais revoltada com a situação. Até que uma hora a gente aceitou aquele lugar como nosso. E, quando veio a filmagem da série, foi uma espécie de coroação. Quase como se fosse tirar uma foto em homenagem a um momento da sua vida. Esse especial é como uma memória desta hora da vida da gente, e a gente conseguiu que não fosse numa foto, a gente conseguiu que fosse um episódio de 40 minutos onde estamos todos representados lá. A nossa família inteira e aquele lugar que nos salvou. Quando acabou a filmagem, rolou um vazio muito grande. Não era mais igual estar naquele lugar, como se a gente tivesse completado um período ali. Tanto que a gente desceu. O Andrucha veio trabalhar, a mamãe mudou de casa, eu voltei para o Rio. Esse especial, então, encerra esse momento da pandemia. Para mim, ele foi muito isso, uma espécie de auge desse período. Uma coisa que eu nunca vou esquecer na vida.
Fernanda Montenegro – Esse especial cravou para sempre um momento também de realização artística, de comunhão familiar, de aceitação de uma nova possibilidade de sobrevivência diante de uma tragédia como esse vírus que está em cima do mundo. Tivemos a oportunidade que a vida e a nossa batalha de sobrevivência nos deram: um espaço para podermos ir para a mata, para a natureza, para a solidão, não fechados dentro de um cômodo, mas numa vastidão de céu, de verde. Então, também tivemos um momento especial, pelo qual nós também lutamos. Isso foi consumado nesse episódio. Que veio também por acaso, tudo é o acaso. E o acaso tem sempre a última palavra, como diz a Simone Beauvoir.
FT – Eu me lembro que, quando estávamos ali lendo, ensaiando, a mamãe dizendo: ‘Olha, é muito importante que a natureza mude as personagens, mude as duas’. Porque ela sabia que isso era algo que tinha acontecido conosco ali. Chegamos com toda ansiedade do mundo e da cidade. A natureza ajuda você a acalmar, e isso está lá, é um pedaço da gente. Eu comer peito de galinha e mamãe oferecer a coxa de galinha… isso é a nossa intimidade. Tem muito da nossa intimidade no episódio. As personagens mudam na hora em que param de brigar com a natureza e usufruem a natureza. Isso é uma coisa que aconteceu com a gente e, por isso, esse especial é uma homenagem a esse momento.
FM – A gente tem os filhos da gente. A partir de uma hora, vão para suas vidas, tomam seus rumos, se juntam a outras pessoas de outra cultura, de outra origem. E formam um novo núcleo. E aquele núcleo original de onde aquela pessoa saiu para sua vida fica ali. E se respeita muito o que cada um segue na vida. Mas, nesse momento, lá, nós nos reunimos novamente. E nos integramos novamente como se ainda houvesse um futuro a sair pela porta e montar um outro tipo de vida adiante. Voltamos a nos encontrar ali muito intimamente. Dia e noite fechados, ali, durante meses. Nos encontramos de uma forma não pegajosa, mas amorosa, essencial, muito humana, sem demagogia. Isso também tem um pouco na feitura do nosso episódio.
Sobre a relação de mãe e filha no trabalho
FT – A gente já trabalha juntas há tanto tempo. Quando você faz o trabalho, no fundo, você adoece daquilo, você vive aquilo profundamente. E as pessoas com quem você está trabalhando viram a sua família. Eu e mamãe falamos muito de arte, de livros, filme, mas é muito diferente quando estamos no jogo profissional. Nesse caso, minha relação com a mamãe não é muito diferente da minha relação com a Andreia (Beltrão), ou com o Andrucha (Waddington), ou com o Mauricio Farias. Você vira família de profissão. Quando a gente trabalha junto, eu sou tão família da minha mãe quanto sou da Andreia Beltrão, da Débora Bloch. Quando a gente está como mãe e filha, a gente é mãe e filha. Falamos sobre como está a vida, essa pandemia, o momento do Brasil, conversas que nós todos temos.
FM – Quando entramos como artistas, com a nossa profissão e o que essa palavra tem de mais bonito, que professa uma atividade, o que está em jogo não é mãe e filha, mas a crise das personagens. É complicado porque talvez achem que a gente traz a mãe, traz a filha, mas não.
Os aprendizados da convivência na pandemia
FM – Nós não convivíamos debaixo do mesmo teto há muitos anos, embora convivêssemos na vida. Então, essa saída, esse vírus desgraçado, nos levou para o mesmo teto durante quatro meses. E eu me vi muito amparada diante de uma mulher que luta pela sua vida, sabe o que quer, é honesta no que quer, é responsável como cidadã, tem uma sensibilidade diversificada, muito qualificada. É um ser humano cheia de talento para o que quiser na vida. E é ela. Está lá. Isso, para uma mãe, é uma comprovação de que aquele ser humano é livre. De repente, ainda vem um trabalho e nós nos posicionamos como dois seres humanos diante de um fenômeno de dar conta, de uma atividade bastante complexa, mas num convívio absoluto, numa intensidade de trabalho absoluta e de uma integração absoluta.
FT – Mamãe é uma workaholic, ela e Andrucha. E, quando veio a pandemia, eu senti a mamãe bem mais pensando no futuro, no que isso significava em termos de trabalho. Fui vendo ela acalmando ao longo dos quatro meses. E foi uma convivência incrível. Nessa convivência eu destaco muito o Andrucha. Ele e a mamãe têm uma ligação muito grande pelo trabalho. Desde o início, eles ficavam pensando no que poderiam fazer ali. Eu estava fazendo colher de pau no graveto com canivete, cuidando de uma horta, era uma ocupação “deixa a vida me levar”. Mas, todos os dias, eles projetavam algo no qual queriam trabalhar juntos. Aí eles conseguiram.