
Foto: Myke Simon/Unsplash
Será que o público brasileiro ainda quer ver filmes brasileiros? A pergunta pode soar desconfortável, mas é urgente — especialmente após o desempenho surpreendente de dois títulos que escaparam da curva: Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, e O Auto da Compadecida 2, sequência do clássico de Guel Arraes.
Com público de 5.836.140 e 4.356.461 respectivamente (até o momento), esses filmes mostraram que, sim, o público ainda se mobiliza por narrativas nacionais. Mas será que isso indica uma retomada consistente ou estamos diante de exceções que mascaram uma realidade mais complexa?

Cena de “Ainda Estou Aqui”. Foto: Divulgação.
Ainda Estou Aqui não apenas emocionou o público — ele ganhou o Globo de Ouro de Melhor Atriz para Fernanda Montenegro e conquistou o Oscar de Melhor Filme Internacional. Um feito histórico que levou o nome do Brasil de volta às premiações mais prestigiadas do mundo. Mas é importante lembrar: mesmo com todo esse reconhecimento, o filme precisou de esforço de comunicação e distribuição para atingir seu público. Não foi automático — foi construído.
O impacto da pandemia foi devastador para o audiovisual nacional. O fechamento das salas, os cortes de fomento, o avanço dos streamings e o distanciamento gradual do público criaram um abismo difícil de atravessar. Em 2021 e 2022, poucos filmes brasileiros chegaram aos cinemas — e menos ainda conseguiram se sustentar em cartaz. A perda de hábito se instalou. O público, cada vez mais seletivo e sobrecarregado de opções, deixou de acompanhar o que era nosso.
Desde então, o mercado nacional parece buscar novos caminhos para se reconectar com seu público. Mas essa missão se tornou ainda mais difícil com a perda de figuras que arrastavam multidões aos cinemas. Paulo Gustavo, por exemplo, não era apenas um fenômeno de bilheteria — era um elo afetivo com o público. Seu último filme, Minha Mãe é uma Peça 3, lançado em 26 de dezembro de 2019, levou 11.450.806 pessoas aos cinemas. Um número expressivo, ainda mais se considerarmos que o lançamento foi poucos meses antes do início da pandemia.
E não podemos esquecer de Nada a Perder, o controverso filme sobre o bispo Edir Macedo, que detém até hoje o maior público da história recente do cinema nacional: 11.986.011 espectadores. Esses números mostram que o potencial de alcance do cinema brasileiro é gigantesco — mas nem sempre constante ou previsível.

Selton Mello e Matheus Nachtergaele durante as gravações de “Auto da Compadecida 2”. Foto: Reprodução/instagram
Por isso, quando Ainda Estou Aqui emociona o país com uma história de perda e memória, e O Auto da Compadecida 2 reacende a nostalgia e a brasilidade popular, a esperança reacende. Mas o que esses filmes tiveram que os outros não têm? Ambos foram bem comunicados, estrategicamente distribuídos e sustentados por narrativas fortes, que dialogaram com o emocional coletivo.
Mas e os demais? Aqueles filmes com boas histórias, elenco dedicado, direção afiada — mas sem “barulho”? Quantos deles passam despercebidos por falta de comunicação, janelas reduzidas ou ausência de apoio nas salas de exibição? A provocação se impõe: o público não vai porque o filme não interessa, ou o filme não interessa porque o público nunca soube que ele existia?
O desafio vai além da produção. É sobre formar e fidelizar o olhar do público, criando não apenas lançamentos, mas experiências que convidem, envolvam e permaneçam. O sucesso de alguns títulos não pode ser um ponto fora da curva — precisa ser o início de uma nova tendência, sustentada por uma indústria que aposta em comunicação contínua, curadoria afetiva e distribuição inteligente.
O cinema brasileiro está vivo, sim. Mas sua vitalidade não depende apenas da bilheteria pontual de um ou dois filmes. Depende da capacidade de reconstruirmos, juntos, a ponte entre histórias e pessoas. Se não cultivarmos o hábito de ver o que é nosso, perderemos mais que sessões vazias. Perderemos histórias que falam da gente, para a gente.
PEDRO ROLLEMBERG
@pe_rollemberg

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