ACERTAR AS CONTAS COM A DITADURA

ACERTAR AS CONTAS COM A DITADURA

Luis Turiba*

 

Hoje não escreverei um artigo.
Venho fazer um convite especial a vocês. Convite emocionado, poético, democrático, digno e verdadeiro. Um convite em nome da Poesia e das belezas culturais do nosso País tropical e multicultural.
Agendem-se: no próximo dia 21 de agosto, uma quarta-feira, às 9 horas da manhã, estaremos no Ministério dos Direitos Humanos, em Brasília, onde acontecerá o julgamento do meu processo na Comissão de Anistia contra os maus tratos e as perseguições físicas, psíquicas e profissionais, que nós, militantes do movimento estudantil de 1968, e outras pessoas que lutaram pela democracia brasileira, sofremos nos 21 anos que nosso País esteve mergulhado numa ditadura militar.

HISTÓRICO

No início de 2013, portanto há 11 anos, atendendo a sugestões de amigos, companheiros de luta, parentes e advogados, montei um processo com auxílio de especialistas em Direitos Humanos, e entrei com um processo no então Ministério da Justiça. O objetivo era ser reconhecido como “um lutador pela Democracia” e ao mesmo tempo, cobrar do Estado Brasileiro uma indenização pelo que todos nós sofremos com repressões, perseguições e torturas. Fomos expulsos de escolas e faculdade, perseguidos direta e indiretamente pelo serviço da repressão e perdemos inúmeras chances de desenvolvimento profissional. Por isso, temos direito a reparações e reconhecimentos.
Neste período, centenas de processos foram julgados e muitas indenizações e reparações já foram pagas. A Justiça começou a ser feita. Mas durante os anos do governo negacionista, todos os processos foram engavetados sob a alegação que “estavam em diligências” e praticamente nenhum foi julgado. E os que foram, tiveram o carimbo de “indeferidos”.
Aos meus amigos(as) de Brasília e da Poesia, convido-os todos para estarem presentes neste momento histórico, de reparação e justiça, onde lerei – se assim for permitido – um dos meus poemas mais representativos deste período nebuloso, cinzento e tortuoso da história do nosso Brasil.

 

TORTURA

Levanta-se o véu e rasga-se a túnica
Os corvos ainda bicam o que restou de ti
Uma dor cicuta que espiral perdura
….tortura…

O teu silêncio cobrado em preço físico
O teu algoz agora também teu karma
Tua voz teu suspiro e teu fantasma

Quem içou o dia e eternizou o cinza
Um Deus raivoso fez habitat às sombras
Tiras o capuz e o que vês? Abismos…

Jagunços a conspirar em cadafalsos
_ Ora Senhor! Não se trata bandidos a bombons!
_ Meus Deus! Meu Deus! Será que vou calabar?

Nunca serás mais o que antes eras
Se o corpo resistiu, o espírito tem chagas
Marcado como gado a ilusão tritura
…..tortura…….

 

( Nota do Editor: Para ler mais sobre o período em que Luis Turiba esteve preso pela Ditadura, veja em no seu texto de estreia, em Poética da Memorabilia )

 

LUIS TURIBA

Luis Turiba. Foto: Rose Araujo.

*Luís Turiba é jornalista aposentado, poeta com 3 livros editados pela 7 Letras do RJ, e outros 8 livros no campo da poesia independente e/ou marginal.É editor da revista anual de invenções poéticas Bric a Brac, criada em Brasília, em 1985. A Bric a Brac 8, última edição, saiu em 2022, uma celebração ao centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 e ainda pode ser encontrada nas melhores livrarias de Ramos

@luisturiba

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Author

Pernambucano, carioca, brasiliense, planetário. Rubro-negro e mangueirense. Pai de cinco filhos, avô de cinco netos. O brasileiro Luiz Artur Toribio, conhecido no universo poético como Luís Turiba, inventou e editou a partir de 1985 - ano da eleição de Tancredo Neves/José Sarney para presidente e vice da Abertura Democrática - o primeiro número (1) da revista de invenção poética Bric-a-Brac. Ao longo dos anos 80 e 90 foram confeccionadas seis edições com uma média de 100 páginas e tiragem nunca inferior a mil exemplares, que saíam anualmente com poemas textuais e gráficos; ensaios fotográficos e entrevistas que se fizeram históricas com Augusto de Campos, o bibliófilo e acadêmico José Mindlin; o cantor e compositor Paulinho da Viola; o poeta pantaneiro Manoel de Barros – entrevista feita com trocas de cartas ao longo de seis meses e resultou em 15 páginas na revista -, além da psiquiatra Nilse da Silveira, do babalorixá franco-baiano Pierre Verger; e uma visita-entrevista a Caetano Veloso com a presença de Augusto de Campos. A Bric-a-Brac era editada coletivamente por Luis Turiba, João Borges, Lúcia Leão e o extraordinário designer Luis Eduardo Resende, o Resa, com seu traço inconfundível. A última Bric foi editada em Belo Horizonte em 2022, uma celebração ao centenário da Semana de Arte de 22 com um artigo histórico de Augusto de Campos comentando as relações do grupo Noigandres com os modernistas Mário e Oswald de Andrade. Mas afinal, quem é Luís Turiba? Jornalista e poeta, cronista da vida do brasileiro comum, Turiba é pernambucano do Recife, “cidade pequena, porém descente”, terra de Manuel Bandeira, João Cabral de Mello Neto, Capiba, Luiz Gonzaga e Chico Science. Aos 23 anos, iniciou sua carreira de Repórter no jornal O Globo e depois na editora Bloch/Manchete. A convite, mudou para Brasília, onde foi trabalhar na sucursal do jornal Gazeta Mercantil, editor de Matérias Primas, onde teve a oportunidade de cobrir e conhecer obras e projetos do chamado “Brasil Grande”, como a Transamazônica e o garimpo de Serra Pelada, e outras na região amazônica. Em Brasília, como repórter, ganhou alguns prêmios, entre os quais destacam-se dois Prêmios Essos: um no Jornal de Brasília, contando detalhes de um encontro do seu estagiário Renato Manfredini (no Jornal da Feira do Ministério da Agricultura), o Renato Russo da banda Legião Urbana, com o então todo-poderoso ministro da Agricultura Delfim Neto. O outro Esso foi no Correio Braziliense, com uma cobertura coletiva sobre as áreas públicas brasilienses que estavam sendo legalizadas para a construção de condomínios residenciais para residências de altos funcionários e militares que serviram à ditadura militar. Teve experiências no Jornalismo Político, na Assessoria de Imprensa da Câmara dos Deputados, durante a Assembleia Constituinte que formulou a Constituição de 1988. Na ocasião, assistiu do plenário da Câmara dos Deputados, a famoso discurso do jovem líder indígena Ailton Krenak, que falou vestindo um terno branco e pintando o rosto com pasta preta de jenipapo. Cobriu toda a campanha das Diretas Já e a eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral para a presidência da República em 1985. Na ocasião, Tancredo criou o Ministério da Cultura e convidou para ser seu ministro o deputado mineiro José Aparecido. Anos depois, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente, Turiba foi convidado para ser Assessor de Comunicação do MinC na gestão de Gilberto Gil, entre 2002 e 2005. Editou um pequeno livro sobre a política do “Do-In Antropológico”, os Pontos de Cultura e os discursos programático do compositor de “Domingo no Parque” à frente do MinC. Em 2003, produziu os documentários "Gil na ONU" e “A Capoeira no Mundo”, com um programa mundial para a Capoeira. Ambos foram editados em DVDs com o apoio da Natura. Paralelamente à sua carreira de repórter/jornalista, publicou livros de poesia no Rio e em Brasília. Estreou com “Kiprokó”, em 1977, e depois o destaque ficou por conta do premiado “Cadê”, que venceu o Prêmio Candango de Literatura, em 1998. Voltou a morar no Rio de Janeiro em 2010, quando se aposentou do jornalismo. No Rio, publicou três livros de poesias pela editora carioca 7 Letras: “Quetais”, em 2014; “Poeira Cósmica” e em 2020, o “Desacontecimentos”, em 2022. Desde 2023, escreve um romance jornalístico-poético com suas experiências pelo mundo político com histórias vividas no histórico ano de 1968; a prisão pelo DOI-Codi em 1972; a abertura democrática e a Constituinte de 1988; a eleição de Tancredo/Sarney no Colégio Eleitoral; a eleição de Lula em 2002; o retrocesso provocado pela eleição do direitista negacionista que tentou um atrapalhado golpe de Estado em 2023. Título do livro que deve ser editado em 2025: “VIVA ZÉ PEREIRA; Aventuras e Desventuras de uma geração”. Ele já avisou: “o livro será um calhamaço de mais de 400 páginas, um rico material iconográfico e as dez principais entrevistas culturais que fiz na minha carreira e pelo menos 100 poemas inseridos na sua narrativa.” Turiba orgulha-se de ter nascido no mesmo ano que o Estádio do Maracanã, onde a seleção brasileira perdeu o jogo final para a seleção uruguaia por 2 a 1 e mostrou ao mundo, segundo Nelson Rodrigues, “todo o seu complexo de vira-latas”. Apesar da data possuir uma aura de trauma coletivo para os amantes do futebol, o personagem em questão considera esta data uma conquista aos avessos. “Quem viveu um “Maracanaço” só poderia ter como compensação o negro Pelé, filho da terra e redenção humana para a conquista de cinco Copas do Mundo. Por isso, o karma da derrota em 50 “não me pertence. Nem a mim, nem à minha geração. Vivemos a glória de uma geração futebolística pentacampeã do mundo. A única. Perdemos o complexo de vira-latas””, costuma afirmar orgulhoso o poeta editor da Bric-a Brac e agora colunista.

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