Era assim: quando o menino do meu tempo de infância chegava da escola – poderia ter brincado ou não durante o recreio – ou se viesse das peladas de rua, não havia conversa, a mãe o obrigava a ir direto para o banheiro e tomar aquele banho. Porém, acontecia que, algumas vezes, tínhamos preguiça ou gostávamos de fazer pirraça somente para contrariar. Bem, nessas situações, a surra e o castigo eram certos! Eu me lembro que adorava ir para debaixo do chuveiro para observar a prateleira onde estavam arrumados os sabonetes, shampoos e escovas da minha mãe, bem como o creme de barbear, o pente e a brilhantina do meu pai. Tudo para mim era bastante perfumado, organizado e colorido. Não via a hora de crescer e imitar o meu pai diante do espelho. Saber afeitar a barba, passar o gel no cabelo, ficar bonitão. Mas só podia mesmo ficar imaginando, enquanto me entretinha com o pato amarelo de borracha e fazia bolhas de sabão dentro da banheira. Sim, leitor(a), naquela época, os banheiros tinham banheira e bidê. Na minha pura inocência, perguntava a minha mãe para que servia aquele vaso sanitário “diferente”. E ela, cinicamente, respondia que o bidê era útil para “lavar passarinho”. Tadinho do passarinho! Muitos deveriam se afogar com a pressão da água – pensava.
Mas vamos ao assunto principal! Desde pequeno, as embalagens de sabonetes e os frascos de perfume me chamam atenção. Sem sombra de dúvidas, devo parabenizar o trabalho criativo dos designers que, à época, não eram chamados assim, certamente. E se eu fosse listar todos os sabonetes que fizeram história no Brasil daria para escrever uns dez artigos a mais, prometo, porém, citar alguns cujos fabricantes sumiram com o tempo e outros que modernizaram sua linha de produtos e os comercializam até hoje nas seções de supermercados, farmácias e drogarias, como Vinólia, Gessy, Cashmere Bouquet (muito popular nos anos 1960, o preferido da minha mãe), Alma de Flores, Darling, Rastro, Rexona, Palmolive, Lux, Alfazema, Senador, After Sport, Moss, Denim, Ross, Francis, Caress, Solis, Dorly, Vale Ouro, Vale quanto pesa, Fofo, Spree, com limão natural (um dos que mais usei nos anos 1970), Pom Pom, Granado, Leite de Rosas, Phebo (com odor de rosas, tradicionalíssimo) e Nivea…
CONFIRA ALGUNS COMERCIAIS ANTIGOS DE ALGUNS DESSES SABONETES

Clique para ver o comercial do Sabonete REXONA (“Sempre cabe mais uma quando se usa Rexona!”)
CONFIRA ALGUMAS IMAGENS :
Sabonetes CASHMERE BOUQUET. Fotos: Reprodução Internet

Dorly Sabonetes. Foto: Reprodução.
- Sabonete GESSY
- Sabonete FRANCIS
- Saonete Granado
- Outros Sabonetes da marca Granado
Campanhas de Propaganda do Sabonete LUX. Fotos: Reprodução.
- Sabonetes PHEBO
- Linha POM POM
- Sabonete SPREE

… enfim, sabonetes que marcaram época!
Entretanto, não poderia deixar de mencionar a marca de um sabonete que ajudou crianças e adultos a entenderem melhor história, geografia e conhecimentos gerais: Eucalol. Apresentadas pelo meu pai, que tentou colecioná-las, sem êxito, todas as estampas que vinham dentro das embalagens do produto eram guardadas por ele em um antigo fichário, e eu ficava um tempão admirando as ilustrações e os textos explicativos.

Eucalol Sabonetes. Foto: Reprodução.
Para quem não sabe, essas estampas eram feitas de papel-cartão, e cada ficha apresentava o formato seis centímetros por nove, frente e verso. Os temas eram bem variados e de cunho informativo. Eram verdadeiras aulas. Infelizmente, por volta dos meus 9 anos, essas estampas não mais circulavam. Segundo pesquisadores, elas duraram 27 anos, de 1930 a 1957. As primeiras séries foram “A vida de Santos Dumont”, “Episódios Nacionais”, “Produtos do Brasil”, “Cachoeiras do Brasil” e “Aves do Brasil”, que se intercalaram com outros temas de âmbito mundial, como “Dom Quixote” e “Compositores Célebres” – entre os destaques, o maestro e compositor brasileiro Carlos Gomes.
Estampas que vinham nas embalagens dos sabonetes Eucalol. Clique para dar zoom. Fotos: Reprodução.
Vale a pena conhecer mais sobre a história da empresa, fundada em 1917, responsável pela criação do sabonete Eucalol à base de Eucalipto. Por esse motivo, era de cor verde e não da cor rosa ou branca, como os sabonetes da época. Isso, inclusive, teria causado um pouco de rejeição por parte dos consumidores. As vendas não iam bem. Como forma de atrair o público, os diretores, inicialmente, tiveram a ideia de lançar um concurso literário, tendo como tema o sabonete Eucalol. Os vencedores ganhariam prêmios em dinheiro e menções honrosas, e seus trabalhos seriam publicados na famosa Revista Fon-Fon, em 1928. Para efeito de curiosidade, seguem os versos do poema classificado em primeiro lugar:
“Banho, para uns, é de sol;
Outros de mar o preferem;
Uns banhos de igreja querem,
Mas eu cá todo me assanho
Se penso em tomar um banho
Com sabonete EUCALOL.”
(Fernando Reis – Rio)
Contudo, a tentativa de fazer sucesso com essa campanha não deu muito certo, pois as vendas ainda não haviam batido as metas da empresa. Foi quando os irmãos Stern, sócios-proprietários, se inspiraram nas estampas europeias Liebig e decidiram lançar as Estampas Eucalol. A campanha surtiu efeito. O anúncio publicado no suplemento do jornal A Noite, em 11 de junho de 1930, convidava o público consumidor a colecionar as estampas. Em pouco meses, o resultado foi tão satisfatório que acabou por impulsionar também as vendas do talco e do creme dental.
Ao todo, foram 54 temas, distribuídos em 2.400 estampas. Das que proporcionaram relevância na arte ilustrativa estão os contos infantis dos Irmãos Grimm, como “João e Maria”, “Branca de Neve”, “Gata Borralheira”, “Chapeuzinho Vermelho” e “A Bela Adormecida”. O auge da marca Eucalol foi na década de 1950, quando sua fabricante, a Perfumaria Myrta, era uma forte anunciante, chegando a patrocinar o programa humorístico de grande audiência na Rádio Nacional, Balança Mas Não Cai. As séries “História do Brasil” e “Lendas do Brasil” foram utilizadas como material didático em diversas escolas do país. Em 1957, com o encerramento da impressão das Estampas Eucalol, o último tema produzido foi “Escotismo” e que se tornou um conjunto de estampas raras entre os colecionadores.

Estampas da série “História do Brasil” dos Sabonetes Eucalol. Foto : Reprodução.
E a lembrança que guardei das estampas estava no exercício da imaginação. Quanto mais eu via o fichário do meu pai, mais eu me sentia um viajante por eras pré-históricas, profundezas oceânicas e aventuras mitológicas. Passei a amar Mitologia Greco-Romana de tanto admirar aquelas figuras instrutivas. A mesma sensação deve ter sentido o jornalista e compositor baiano, Hélio Contreiras, que compôs a belíssima canção Estampas Eucalol (ver letra abaixo) e a inseriu em uma das faixas do seu LP, lançado em 1990, intitulado Esturro da Onça. A canção ganhou popularidade na voz de outro cantor e compositor baiano, Xangai.
Estampas Eucalol
(Hélio Contreiras)
Montado no meu cavalo
Libertava Prometeu
Toureava o Minotauro
Era amigo de Teseu
Viajava o mundo inteiro
Nas estampas Eucalol
À sombra de um abacateiro
Ícaro fugia do sol.
Subia o Monte Olimpo
Ribanceira lá do quintal
Mergulhava até Netuno
No oceano abissal
São Jorge ia pra lua
Lutar contra o dragão
São Jorge quase morria
Mas eu lhe dava a mão
E voltava trazendo a moça
Com quem ia me casar
Era minha professora
Que roubei do Rei Lear.
Ah, tempos bons! Quem se lembra?
*todas as imagens (fotos e vídeos) respeitam os seus respectivos direitos autorais e são utilizados aqui apenas para efeito de pesquisa e resenha jornalística.

SOBRE JORGE VENTURA

Jorge Ventura é escritor, roteirista, editor, ator, jornalista e publicitário. Tem 13 livros publicados e participa de dezenas de coletâneas nacionais e estrangeiras. É presidente da APPERJ (Associação Profissional de Poetas no Estado do Rio de Janeiro), titular do Pen Clube do Brasil, membro da UBE – RJ (União Brasileira de Escritores) e um dos integrantes do grupo Poesia Simplesmente. Recebeu diversos prêmios, nacionais e internacionais, como autor e intérprete. Tem poemas vertidos para os idiomas inglês, francês, espanhol, italiano e grego. É também sócio-proprietário da Ventura Editora, CQI Editora e da Editora Iniciatta. Jorge é colunista do ArteCult e é responsável pelo AC RETRÔ.
Instagram
@jorgeventura4758

SOBRE O AC RETRÔ
Prepare-se para embarcar em uma viagem no tempo! O AC RETRÔ é um espaço dedicado à nostalgia, à memorabilia, ao colecionismo, relembrando também aquelas propagandas icônicas da TV, telenovelas, anúncios inesquecíveis das revistas e jornais, programas que marcaram época e filmes que nos transportam diretamente para tempos dourados! ️
Aqui, cada post será um convite para reviver memórias, despertar emoções e compartilhar as lembranças que moldaram gerações.
Se você sente saudade de jingles que não saíam da cabeça, comerciais que viraram clássicos, seriados que marcaram a infância ou até mesmo daquele filme que você alugava na videolocadora todo fim de semana, então o AC RETRÔ será o seu novo ponto de encontro. Afinal, recordar é mais do que viver: é reconectar-se com o que nos fez sorrir, sonhar e se emocionar. Fique ligado, porque essa viagem ao passado JÁ COMEÇOU! ✨






























Valeu, Jorge! Sempre bom ler suas matérias.
Uma honra poder contar com sua leitura e prestígio, querida Fernanda.
Foi prazeroso passear por algumas décadas, relembrando a variedade das marcas de sabonetes, das quais nos deliciamos com suas espumas perfumadas. Valeu pela pesquisa Jorge Ventura❤️
Um passeio no tempo, um retorno à nossa infância, um texto feito com dedicação. Obrigado, minha linda Maria Célia, pelo prestígio de sempre.
Texto lindo, bem ilustrado, perfumado, com cheiro de infância, adolescência e vida. E que maravilhoso trabalho de pesquisa! Viajei em muitas boas lembranças. Amei! Obrigada e parabéns, Jorge!
Um texto com aroma de infância, não é, Chris? Muitíssimo obrigado, amiga e parceira das letras, pelo prestígio.
Uau! Adorei saber sobre a história dos sabonetes clássicos que fizeram história. Parabéns, Jorge!!! Muito legal!
Minha querida Rivane, eu agradeço a sua leitura e interpretação sensível, agregando valor crítico a minha coluna.
Excelente projeto !
Ainda tenho minhas estampas Eucalol,rs.
Uma viagem perfeita.
Sucesso sempre!
Ah, que máximo, Odalea! Você sabia que essas estampas,hoje, são peças muito raras? Muito obrigado pela leitura e prestígio a minha coluna.
Primorosa pesquisa, maravilhosas lembranças, excelente texto. Adorei, querido Jorge Ventura!
Minha querida Su, muito obrigado pela leitura e comentário. Beijos!
Viajei nas experiências em comum desse passado tão afetivo.
Uma belíssima matéria. Pois sempre li sobre as Estampas Eucalol e lembrei de quando ouvi a a música do Xangai a primeira vez e senti uma emoção que eu não sabia explicar. Vovô ouvia muito Xangai, e me falava das histórias ensinada nos sabonetes, me dei conta que sei mais do meu avô que qualquer filho ou neto.
Eu lhe agradeço pelo comentário, Val. Sim, você já havia me falado sobre o quanto o seu avô gostava da canção interpretada por Xangai. As estampas Eucalol, hoje, são raridades. Valeu pelo prestígio a minha coluna.
Amei essa música…lindíssima…Eucalol só lembro da pasta de dente…E Phebo uso até hoje…o velhinho preto e cheiro de rosas…
Que pesquisa maravilhosa…viagem nos perfumes do tempo. Parabéns.