AC RETRÔ : Proibido para menores de 18 anos

Proibido para menores de 18 anos

Por Jorge Ventura

 

Na data de 6 de setembro – curiosamente, hoje, dia em que a coluna AC Retrô é publicada – o Brasil comemora o Dia do Sexo. Embora não seja uma comemoração oficial, em nível mundial, trata-se de uma ideia que deu certo (no duplo sentido, é claro). Foi a partir de 2008 que a data passou a ser promovida, por iniciativa da agência de propaganda Age, que, ao lançar a campanha de marketing da fabricante de preservativos Olla, aproveitou o dia 6 e o mês 9, numa referência numérica à posição sexual, popularmente, conhecida como 69, para divulgar a marca da anunciante. Ideia semelhante ocorreu em 1999, quando algumas lojas britânicas de artigos e produtos sensuais criaram o Dia Mundial do Orgasmo (31 de julho), com o objetivo de alavancar as vendas e provocar o debate sobre o tema sexualidade.

Aliás, falar sobre sexo ou sexualidade está longe do tabu de antigamente. Faz-se necessário, porém, entender o contexto histórico do nosso país, onde uma geração (a minha) cresceu sob a rigorosa censura do regime militar, principalmente dos anos 1960 até o finalzinho dos anos 1970, antes de decretadas a abertura política e a anistia ampla, geral e irrestrita.

A garotada do mundo atual, na idade da puberdade, tem acesso a zilhões de informações pela Internet, desde notícias sobre esportes, artes, política e entretenimento, bem como a propagandas sobre as mais variadas gamas de produtos e até a sites eróticos – por mais que haja recomendações restritivas – , essa geração não imagina como o tema era difícil para a garotada da minha época. Naquele tempo, tudo era proibido e não havia educação sexual nas escolas e muito menos dentro de casa, ainda que, em algumas famílias, houvesse liberdade e franqueza para falar do assunto.

Então, fica a pergunta: como fomos iniciados? Resposta: com o catecismo! Não, leitor (a), não se trata da incursão religiosa, de fundamentação católica, mas de outro tipo de incursão na qual os meninos liam escondidos umas revistinhas em preto e branco, com histórias e desenhos pornográficos, nos banheiros públicos, nas escolas ou mesmo em casa, e reverenciavam dois santos no ato da masturbação: São Pedro-São Paulo… São Pedro-São Paulo... São Pedro-São Paulo…

Essas publicações chamadas de revistinhas de sacanagem, no Rio de Janeiro, e de catecismo, em São Paulo – impressas em papel barato, no formato ¼ de ofício, e totalmente ilustradas –, ao longo das décadas de 1950, 1960 e 1970, contavam encontros sexuais (alguns improváveis e insólitos) que entraram no imaginário masculino de forma persuasiva. Cabe aqui lembrar que, nesse período, o Brasil era regido por uma sociedade machista ao extremo e o corpo nu da mulher era explorado como um produto de desejo para o consumo do prazer. Não sei dizer se as meninas da minha geração liam, também às escondidas, essas revistinhas com a mesma fantasia ou fetiche que os meninos, mas confesso que gostaria de saber.

Foram batizadas, em São Paulo, pelo nome de catecismo em razão da semelhança com os livretos, de mesmo formato, que circulavam com a palavra de Deus entre os meninos que faziam a primeira comunhão. Eu me lembro que, para comprar uma revistinha de catecismo na banca de jornais, era preciso combinar uma senha com o jornaleiro, uma vez que o Código Penal previa uma pena de seis meses a dois anos de prisão para quem produzisse ou comercializasse material obsceno. Era assim: nós fornecíamos a senha (um gesto ou uma frase), o dono da banca entendia e inseria a revistinha em um jornal ou revista, obrigando-nos a pagar mais pelas publicações. Tal prática clandestina acabou por jogar luz em Carlos Zéfiro, alcunha do criador das obras pornográficas, mantida em sigilo durante décadas e somente revelada em uma reportagem, em 1991, pelo diretor de redação da revista Playboy, Juca Kfouri. Apesar de atribuída ao funcionário público Alcides Aguiar Caminha, há quem garanta que Carlos Zéfiro não foi apenas uma pessoa, mas uma equipe de redatores e desenhistas, que transformaram este nome em uma verdadeira lenda da safadeza.

Verdade ou não, o fato é que Alcides Caminha ganhou até uma biografia, assinada pelo pesquisador Gonçalo Júnior e, segundo dados jornalísticos, era o único a assumir a autoria das historinhas que provocavam excitação na garotada. Vale ressaltar que o conteúdo estético dessas revistinhas era pobre e rudimentar. Os traços, além de fracos, eram reproduzidos e reutilizados, sendo adaptados para diversas histórias. Os textos eram compostos por diálogos curtos e chulos, incluindo erros ortográficos, e os enredos, argumentos fáceis para narrativas sexuais. Os títulos apelativos chamavam a atenção dos leitores mais vorazes. Viúva, Laura, Bailarina, A 1ª vez, Carona, Hilda, a mineirinha, Titia, Minha prima Irene, Minha vida no convento, Viagem e Tentação são alguns exemplos.

Entre as historinhas, um personagem bem brasileiro se tornou o maior sucesso de vendas. Segundo o biógrafo Gonçalo Júnior, teria rendido mais de 1 milhão de exemplares até a década de 1980. Trata-se de João Cavalo, um matuto bem-dotado, que buscava uma parceira para aguentar o tranco. Aventuras de João Cavalo ganhou uma continuação, resultando em várias reedições e novas façanhas. Porém, muitas revistinhas tiveram cópias piratas de tanto que passavam de mão em mão, porque os exemplares originais chegavam com manchas na capa e com algumas páginas rasgadas ou grudadas, e o (a) leitor(a) já deve imaginar o porquê.

Na reportagem de Juca Kfouri, na revista Playboy, vinha escrito “A verdadeira identidade de Carlos Zéfiro, o autor de quadrinhos eróticos e responsável pela educação sexual de muita gente”. Alcides Caminha, quem diria, tinha sido um humilde funcionário público, estava aposentado do Departamento Nacional de Imigração, do Ministério do Trabalho, era residente de Anchieta, no subúrbio carioca, casado e com cinco filhos. Quando essa reportagem saiu, ele tinha 70 anos e já se encontrava doente, pois havia sofrido, recentemente, uma trombose, que deixou seu lado esquerdo do corpo paralisado. Alcides viveu mais sete meses após ter sido revelado. Porém, vivenciou um período curto de sucesso com o suporte da mídia. Participou da I Bienal Internacional de Quadrinhos do Rio de Janeiro, sendo uma das atrações especiais ao lado de quadrinistas famosos, como Will Eisner e Moebius. Ele concedeu entrevista para o SBT, marcando presença no programa “Jô Onze e Meia”, e a vários jornalistas que destacavam seu nome e obra nos artigos e matérias. Alguns anos depois de sua morte, a lenda “Carlos Zéfiro” entraria, definitivamente, para o universo cult quando a cantora brasileira Marisa Monte resolveu utilizar seus desenhos pornô-naif – tendo pago direitos autorais à viúva – na capa e no encarte do álbum duplo “Barulhinho Bom – Uma viagem musical”, de 1996 (Phonomotor Records/ EMI).

Registro aqui uma curiosidade que já ligava o nome de Alcides Caminha à música. Ele foi coautor de três sambas, um deles o clássico “A Flor e o Espinho”, com Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, cujos primeiros versos da letra, escrita em 1956, dizem: Tire seu sorriso do caminho/ Que eu quero passar com a minha dor. Em 1999, foi inaugurada a Lona Cultural Carlos Zéfiro, em Anchieta, em sua homenagem.

Por outro lado, Caminha foi severamente criticado por feministas, assim como os desenhistas europeus Manara, Crepax e Serpieri – dos quadrinhos em que as fêmeas protagonizavam aventuras eróticas. Foi acusado de machista, e o próprio, na verdade, confessava que escrevia para homens que valorizavam a virilidade masculina e subjugavam a mulher durante o sexo.

Mesmo sendo um produto, digamos, 100% nacional, os catecismos enfrentavam a concorrência das revistinhas de sacanagem importadas. Eram, em sua maioria, europeias, e as mais procuradas eram as revistinhas suecas. A diferença é que essas eram ilustradas com fotos pornográficas, coloridas e bem impressas em papel couchê. Sua comercialização era ainda mais difícil. A aquisição de um exemplar seria semelhante à de alguns gramas de maconha ou cocaína. Tudo era comprado em segredo, os jornaleiros costumavam pô-las escondidas e embaladas em sacos plásticos no fundo de caixas de papelão, debaixo das prateleiras, para disfarçar.

Outra forte concorrência dessas revistinhas, adoradas pela garotada, eram as fotonovelas eróticas e os filmes pornográficos estrangeiros, rodados em 8mm, que eram projetados durante as sessões privê, no quarto do irmão maior de idade de algum amiguinho. Nos cinemas, os adolescentes maiores de 18 anos, podiam assistir às pornochanchadas. A partir dos anos 1980, a Censura Federal liberou a exibição de filmes eróticos de sexo explícito no grande circuito das telonas. E o Brasil passou também a produzir esses filmes, tendo como referência a Boca do Lixo, uma região de São Paulo onde havia um polo cinematográfico efervescente para a produção do gênero. Mas isso eu comentarei em outro artigo dedicado às pornochanchadas dos anos 1970 e aos pornôs nacionais dos anos 1980. Será prazeroso (novamente, com duplo sentido, é claro) relembrar o período em que falsificávamos a caderneta da escola ou subornávamos o bilheteiro para entrarmos – como adultos – nos cinemas.

Ah, tempos bons! Quem se lembra?

 

*  Todas as imagens (fotos e vídeos) respeitam os seus respectivos direitos autorais e são utilizados aqui apenas para efeito de pesquisa e resenha jornalística.

 

SOBRE JORGE VENTURA

Jorge Ventura é escritor, roteirista, editor, ator, jornalista e publicitário. Tem 13 livros publicados e participa de dezenas de coletâneas nacionais e estrangeiras. É presidente da APPERJ (Associação Profissional de Poetas no Estado do Rio de Janeiro), titular do Pen Clube do Brasil, membro da UBE – RJ (União Brasileira de Escritores) e um dos integrantes do grupo Poesia Simplesmente. Recebeu diversos prêmios, nacionais e internacionais, como autor e intérprete. Tem poemas vertidos para os idiomas inglês, francês, espanhol, italiano e grego. É também sócio-proprietário da Ventura Editora, CQI Editora e da Editora Iniciatta. Jorge é colunista do ArteCult, responsável pelo AC RETRÔ.
E, agora vocês já sabem… Uma das maiores referências no Brasil sobre o universo Batman.

Instagram @jorgeventura4758

SOBRE O AC RETRÔ

Prepare-se para embarcar em uma viagem no tempo! O AC RETRÔ é um espaço dedicado à nostalgia, à memorabilia, ao colecionismo, relembrando também aquelas propagandas icônicas da TV, telenovelas, anúncios inesquecíveis das revistas e jornais, programas que marcaram época e filmes que nos transportam diretamente para tempos dourados! ️

Aqui, cada post será um convite para reviver memórias, despertar emoções e compartilhar as lembranças que moldaram gerações.

Se você sente saudade de jingles que não saíam da cabeça, comerciais que viraram clássicos, seriados que marcaram a infância ou até mesmo daquele filme que você alugava na videolocadora todo fim de semana, então o AC RETRÔ será o seu novo ponto de encontro. Afinal, recordar é mais do que viver: é reconectar-se com o que nos fez sorrir, sonhar e se emocionar. Fique ligado, porque essa viagem ao passado JÁ COMEÇOU! ✨

 

Author

Jorge Ventura é escritor, roteirista, editor, ator, jornalista e publicitário. Tem 13 livros publicados e participa de dezenas de coletâneas nacionais e estrangeiras. É presidente da APPERJ (Associação Profissional de Poetas no Estado do Rio de Janeiro), titular do Pen Clube do Brasil, membro da UBE – RJ (União Brasileira de Escritores) e um dos integrantes do grupo Poesia Simplesmente. Recebeu diversos prêmios, nacionais e internacionais, como autor e intérprete. Tem poemas vertidos para os idiomas inglês, francês, espanhol, italiano e grego. É também sócio-proprietário da Ventura Editora, CQI Editora e da Editora Iniciatta. Jorge é colunista do ArteCult, responsável pelo AC RETRÔ. E, agora vocês já sabem... Uma das maiores referências no Brasil sobre o universo Batman. Instagram @jorgeventura4758

8 comments

  • Alcides Caminha. Ou Carlos Zéfiro. ou uma equipe de redatores. Tanto faz. Quem não se lembra das deliciosas historinhas de sacanagem? Até hoje me lembro de “Minha Prima Irene”. Na meninice, sonhava ter uma prima como ela… Parabéns, Ventura, por mais esse texto maravilhoso.

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    • Meu querido Renato, são memórias de um menino na fase da puberdade…rs Agradeço a leitura de sempre. Abraços!

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  • Belo recorte histórico, a informação sb o disco da Marisa Monte foi mt interessante. Os tempos mudaram rapidamente, até a Playboy parou de ser produzida, o advento da internet impactou de forma definitiva td essa indústria cultural.

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    • Prezado Erivan, perfeita sua colocação. Oportunamente, em outro artigo, falarei dessas revistas eróticas, das pornochanchadas dos anos 1970 e dos filmes pornôs dos anos 1980. Aguarde! Grato pela leitura. Abraços, amigo.

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  • Interessante falar sobre um tema que ainda costuma ser polêmico para muitos de maneira tão inteligente, mais ainda entender o período histórico em que tudo começou, como o do regime militar, no qual o tema não era debatido com os jovens da época, tendo em vista a censura sobre o assunto e a ausência da educação sexual nas escolas, bem como em casa. Parabéns! Texto excelente!!!

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    • Querida Rivane, sua leitura e comentários eenobrecem a coluna AC Retrô. Fico contente e orgulhoso por ter gostado do texto. Beijos!

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    • Caro Rapha, muito obrigado pelo apoio de sempre! Você disse que eu faço o leitor teletransportar… rsrs Isto me lembrou a série Jornada nas Estrelas. Legal! vou dedicar um artigo a este clássico da TV. Abraços!

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