A atriz Maria Casadevall iniciou sua carreira na TV através da minissérie “Lara com Z” em 2011 e desde lá vem acumulando uma lista de personagens fortes e marcantes. Mesmo em tramas diferentes, suas personagens abordam o protagonismo e o empoderamento feminino no dia-a-dia .
Maria protagonizou o longa “Garota da Moto”, que estreou recentemente no Amazon Prime Video, na trama, ela interpreta Joana, uma jovem motogirl e mãe que descobre uma fábrica, em que mulheres refugiadas são exploradas como escravas. Ela consegue libertá-las, mas precisa enfrentar o chefe do esquema que busca vingança.
Dentro tantas personagens, a atriz também deu vida a Malu na série de sucesso mundial da Netflix “Coisa Mais Linda”. Ambientado nos anos 50, Malu é uma jovem paulistana de família rica, que parte com outras mulheres numa jornada de autoconhecimento em busca de emancipação.
Já no Globoplay podemos assistir Maria na série “Ilha de Ferro”, interpretando Júlia, uma mulher destemida que luta contra a privatização do petróleo nacional. Ambas as séries chegaram a entrar na lista da revista norte-americana Variety, a primeira como uma das 30 melhores produções da Netflix e a segunda figurou o ranking entre as melhores séries internacionais no seu ano de lançamento.
Conversamos com a atriz, em uma entrevista exclusiva sobre esses trabalho e suas personagens, mulheres sempre a frente do seu tempo.
Confira abaixo a entrevista na íntegra.
Como foi a sua preparação para viver a Joana? Muitas vezes uma motogirl causa grande estranheza, por ser uma profissão quase que 100% masculina.
Tivemos uma rotina prévia de aproximadamente dois meses de treinamentos, exercícios físicos e ensaio de coreografias com o treinador e preparador Renan Medeiros. Sim, essa é uma das profissões extremamente masculinizadas mas Joana ocupa seu espaço com muita dignidade (assim como a personagem Júlia da série Ilha de Ferro) e minhas inspirações foram, sobretudo, mulheres comuns do dia a dia, trabalhadoras, mães solos, autônomas e muitas vezes precarizadas.
A história central do filme, por mais que muita recorrente, não é muito abordada no cinema nacional. Quando você recebeu o roteiro, qual foi a sua reação?
Percebi que Joana poderia representar metaforicamente, através de sua luta marcial, a força pra luta “simbólica” diária que muitas mulheres enfrentam todos os dias para criar suas famílias, colocar comida na mesa e garantir dignidade de sobrevivência para suas comunidades. Ao receber o roteiro reconheci outras camadas possíveis por trás do entretenimento, a chance de construir essa mulher comum na contra-mão dos clichês das heroínas de filmes de ação (geralmente hiperssexualizadas), de aprender um pouco sobre o mundo das “artes cênicas marciais” com profissionais muito capacitados, além de mais uma oportunidade de trabalhar com o Luis Pinheiro, grande parceiro artístico/criativo com quem já havia trabalhado antes.
No longa, a protagonista não se cala, diante de uma situação de trabalho escravo, porém podemos levar essa reflexão para vários outros momentos, até mesmo do nosso dia a dia. Para você como atriz, qual a importância de abordar temas, que podem ajudar não só as mulheres, mas qualquer ser humano?
O Filme é sem dúvida um filme de ação e entretenimento, mas é possível identificar nele outras camadas cinematográficas, pois é um filme com assinatura e personalidade na forma como o diretor Luis Pinheiro assume o universo pop dos quadrinhos, cria uma São Paulo brutalista descaracterizada e como escolhe enquadrá-la, com simetria e precisão. Além disso, é também um filme com uma mulher protagonista que está no sentido contrário da hiperssexualização de seu corpo como no clichê de grande parte dos filmes “de heroína”, Joana é careca e não vive uma “love story” mas sim uma relação de afeto e sororidade com a personagem vivida pela atriz Naruna Costa, a Ribeiro. Acredito que essas sejam algumas coisas importantes de se destacar na forma do filme, mas também em seu conteúdo podemos encontrar camadas que vão mais além, como a analogia com o apocalipse de nossos tempos, e a pergunta que está na boca de Joana: ‘eu não consigo ver uma injustiça acontecer, saber que posso fazer alguma coisa, e não fazer nada’, essa provocação nos faz pensar sobre o que estamos fingindo não ver e quais são as ferramentas de luta que temos? Joana, mulher trabalhadora precarizada, mãe solo em situação de vulnerabilidade econômica, combate com o próprio corpo, essa é sua ferramenta, e acho que a pergunta que fica é ‘quais são as nossas ferramentas?’ e digo nossas porque acredito que a luta não é individual, mas sim coletiva.
Você tem feito bastante trabalho em séries… Esse seria um formato que você gosta mais de trabalhar? Ou não tem uma preferência?
Acho que a série é um formato que está entre a TV e o cinema, por trabalhar com tempos mais curtos de produção e filmagem, roteiros fechados (geralmente já conhecemos todos os episódios antes de começar a filmar) e por isso mais ferramentas para preparação e desenvolvimento da personagem, geralmente um tempo também maior para trabalhar em sala de ensaio com o resto do elenco, a possibilidade de avançar com outras temporadas, enfim, por todos esses motivos, eu diria que para a televisão este é sim um formato que me contempla mais, porém, se estendermos a pergunta pro audiovisual de forma geral eu diria que gostaria de estar fazendo mais cinema/filmes do que tenho feito até aqui.
Tanto a Malu de Coisa Mais Linda, quanto a Júlia de Ilha de Ferro, são personagens importantes que estão dentro de séries que contaram com produções incríveis. Como foi estar e até mesmo protagonizar essas duas séries?
Olhando pras duas produções diria que foi um desafio grande viver, quase simultaneamente, duas mulheres tão diferentes uma da outra em contextos e épocas tão distintas, e o que me ajudava era pensar que talvez, se Malu não tivesse sido quem foi, Júlia não poderia ser quem é. Mas de forma mais geral acredito que tenha sido uma consequência direta das escolhas que fiz nos últimos anos, tanto na minha vida profissional quanto pessoal, o fato de representar duas mulheres fortes em luta para ter e/ou para garantir seu espaço num mundo machista e patriarcal como que Malu viveu e como que o que Júlia e todes nós ainda vivemos.
Os seus últimos trabalhos foram com personagens muito fortes, mulheres empoderadas. O que você trouxe para Maria dessas personagens?
A retidão, a coragem, o senso ético, a confiança no meu intuir e alguns mistérios.
Tem alguma característica sua, que você tenta inserir nas suas personagens?
O descompromisso com a lógica, com a razão, seja no sentir, no falar, no se mover e por aí vai, gosto quando vejo uma personagem que não se preocupa em fazer sentido.