A maravilha do teatro na Região Norte


Para mim o FETAM acabou, deixando saudades e acima de tudo admiração pelo evento. O Festival de Teatro da Amazônia continua acontecendo, até o dia 13 de outubro estará apresentando dramas nos teatros de Manaus.
Conhecer a Amazônia era um sonho para mim, e não só a conheci como tive a honra de mergulhar na cultura desses brasileiros, que são carinhosos, nos fazendo sentir únicos e acolhidos.
Tive a oportunidade de conhecer vários coletivos que atuam nos teatros e em outros locais, isso depende das performances que serão apresentadas.

É o caso da Plataforma À Beira, que apresentou a obra Beira, eles são de Pernambuco e trazem histórias dos rios por onde passam. São três jovens artistas que pareciam levar um cortejo pelas ruas da cidade de Manaus, que falava sobre a história do rio, no caso Rio Negro. “Ei senhora, aqui tem peixe liso?”, a atriz perguntava para uma moradora. O outro ator perguntava se tinha jacaré e a outra atriz perguntava se tinha igarapé. Pensei comigo mesma, que futurístico isso, que fonte de pesquisa mais genuína esse material será para o futuro.
E estávamos ali de frente para o Rio, com araras sobrevoando a cabeça dos artistas que traziam informações sobre desastres ecológicos.
Este coletivo foi uma das melhores apostas desse Festival, afinal estávamos em um estado onde 20 por cento da água doce está na Amazônia.

Já a Cia H2O do Distrito Federal, encheu o teatro na quarta-feira, com a peça “Outra História de Amor” com dois artistas para lá da meia-idade de Brasília, fantásticos, eles agradaram a todos, espetáculo divertido.

De Minas Gerais, a querida Michele Sá, trouxe o espetáculo “3X Magination” trazendo a negritude ao palco.
A cidade fervia de calor, como se estivéssemos em uma chaleira, mas tínhamos tanta coisa para fazer, coletivos e visitas, ao Mercado Municipal, ao Teatro Amazônia, com seu piso de madeira de duas cores, traduzindo através da estética o encontro dos rios amazônicos e aos demais espaços aonde acontecia o festival, caramba, ao parar no hotel a cama era uma espécie de eldorado.

E pensando no futuro do teatro, as obras infantis chegaram.
“Amazônia em Sonho” do Pará chegou, deixando a mensagem que devemos defender a Amazônia. No teatro Buia, um coletivo importantíssimo para o estado, abriu as portas para “Os Céus e suas Histórias” de São Paulo, uma obra lindíssima para bebês, um tanto quanto mágico, isso sim!

Falando no Buia, posso dizer que já fiz crítica do trabalho “Cabelos Arrepiados” de Karen Accioly, amo a Cia que agora apresenta Brecht com o conto infantil “Se Tubarões Fossem Homens”, que já estou curiosa para assistir, claro.
Foi tudo tão diverso e incluso, em todas as sessões tivemos libras, tivemos espetáculo apresentado por deficiente visual. Tivemos a professora universitária e atriz Marylin do Oposto Teatro Laboratório de Roraima, grávida de Benjamim, que chegará daqui a um mês.

Do Rio de Janeiro, entre os jurados temos Cleiton Echeveste,  mestre Acadêmico no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Possui graduação em Teatro pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Integra o Grupo de Estudos e Pesquisa em Processos de Criação no Teatro para a Infância e Juventude. É ator, diretor e dramaturgo da Pandorga Companhia de Teatro. Membro do Conselho de Administração do Centro Brasileiro de Teatro para a Infância e Juventude (CBTIJ/ASSITEJ Brasil).

E isso não foi o suficiente, o festival lançou dramaturgias, entre elas “Teatro Urbano das Mulheres de Lazone”, do Sérgio Vieira Cardoso, que já comecei a ler, pode-se dizer que o autor mergulha fundo na cultura do seu estado, mas bem costurado as questões políticas e sociais. Muito boa a leitura, e ficamos logo pensando em montar as cenas. O lançamento aconteceu na Academia de Letras da Amazônia, que é lindíssima.

A importância desse festival é imensa, a Cia Casa Circo do Amapá, por exemplo, que já esteve no Rio de Janeiro em 2019 com a obra “Mulher do Fim do Mundo”, no Palco Giratório do SESC, estava no festival, com a peça “Chica Fulô de Mandacaru”, tendo a oportunidade de projeção. É preciso entender as dificuldades dos demais estados do Norte, que muitas vezes depende de poucos editais e poucos espaços para a realização de peças teatrais, e quando temos um festival que nasce para esse território esses artistas passam a ter visibilidade nacional que é importantíssimo.

Quando falamos nesse estado, logo pensamos em florestas, botos e lógico nos indígenas. E Cleber Ferreira não negou os seus, não bastava estarmos somente diante dos artesanatos ticunas do mercado municipal, era preciso mais.

No dia cinco do dez de dois mil e vinte e quatro, viajei na carta de Pedro Vaz Caminha, e como ele entrei em uma mata. E diferente dele, vi a origem do meu país, ali a minha frente. Meu Deus, eu apenas tinha visto isso nas revistas e TVs, que presente este festival me trouxe, eles me levaram a um ritual indígena de cura, do povo TuKano (os Tukano são grupos indígenas localizados na região do noroeste amazônico do Brasil e da Colômbia, às margens do Rio Tiquié, afluente do Rio Uaupés. São, ao todo, 17 etnias, e todas se comunicam nas línguas da família Tukano Oriental, e estabelecem muitas trocas culturais entre si.).
Enquanto eu estava ali, a noite ia chegando, macacos gritavam e pássaros cantavam, vaga-lumes voavam, e eu esqueci quem eu era, o que eu tinha, a que mundo eu pertencia, uma espécie de transe, um portal mágico que por um instante me fez ir a um lugar onde nada disse cabia, deixei de ser capitalista, deixei de ser quem eu era, apenas para apreciar o outro, ver o outro, e isso é teatro.
Os instrumentos de sopro e percussão embelezam o ritual, assim como um chocalho em um dos pés desse indígena, me trazendo a mais bela sinfonia que meus ouvidos um dia iria ouvir, e o fogo, que era alimentado por breu, estávamos em volta da fogueira, nos alimentando dos artistas, que faziam performances, junto a um tucano, um indígena, um pajé com uma voz poderosa, dos cânticos utilizados nos rituais no idioma deles.
O cabelo escorrido e sua cor de pele canela, me fizeram perceber que ainda guardamos uma espécie de tesouro nacional através dos corpos.
UPHU, foi apresentado ao público, no Cento de Tradições Indígenas, na Br 174, Km04. Na verdade, isso foi um presente para nós que trabalhamos com a cultura brasileira.
Muito mais que isso, ouvir aquele indígena agradecer ao Ministério da Cultura por estar presente no festival, isso me fez perceber como o FETAM tem importância no cenário cultural brasileiro.

Tive a oportunidade de vivenciar essa maravilha toda através da direção de produção da Cia Qinti que representava o Rio de Janeiro no teatro da Instalação. Rosana Reategui levou o “Temperos de Frida”, com beleza sem igual, traduzindo aos manauaras através da cena, a felicidade da atriz por estar lá, falando da América Latina, essa também mencionada pelo pajé em seu ritual. Francisco Leite, que é figurinista e também o cenógrafo ao lado de Renato Marques, transformou o cenário em um espaço bem mais tropical, com itens da Amazônia, como frutas e ervas características. Essa construção belíssima só foi possível pelo apoio da Secretaria de Cultura, que nos levou a um galpão que guarda acervos de obras do estado. Esses objetos muito ajudaram os profissionais que trabalham para Cia Qinti na montagem da cena. Não podemos esquecer que o FETAM nos disponibilizou uma produção local MARAVILHOSA, onde David Costa e a querida Lenine apoiou com tranquilidade essa montagem. Também a assessora de imprensa Manuella Barros que nos proporcionou surpresas como nossas fotos nos principais veículos de comunicação e principalmente a sociedade que encheu o teatro nessa noite de domingo.

Tenho algo a dizer sobre essa apresentação, algo que eu ainda não tinha visto nas demais, e não foram poucas. Ao descer do palco, a personagem Catrina, pede ajuda a um espectador, foi guando a escolhida foi Gorete Lima, que não só a ajudou, como dançou com a caveira elegante, como ajudou a arrumar sua capa, e a acompanhou até a saída do teatro, ela com os olhos lacrimejados, emocionada veio até nos agradecer, sem que soubéssemos que ela era a vice-presidente do FETAM, que lindeza foi o que assisti.

Esta semana teremos Vera Holtz e também a competição que acontecerá entre as cias do estado.

E o que dizer desses dias? Penso que não há o que dizer e sim que agradecer ao senhor Cleber Ferreira por seus feitos, por sua garra e calor, por sua alegria e responsabilidade, por seu olhar para o teatro da Região Norte.
Temos muitos sonhos em nossas vidas, mas nenhum deles chegou perto desse, voei nas asas das araras, mergulhei com botos e respirei as artes cênicas, fui abraçada pelo calor da pele e do coração e aprendi que estamos todos dentro desse barco que navega pelos rios de nossas almas, esse rio que comanda a vida, durante nossos dias nessa terra que temos o prazer de dizer que nos pertence, a Amazônia!
Obrigada FETAM!

Este ano o festival homenageou a dama do teatro amazonense Edinelza SahdoChico Cardoso, importante ato e dramaturgo, que atuou divinamente com a festa do Caprichoso e Garantido e a própria força da natureza da Amazônia, através do peixe Jurupari, que vive nos rios do estado, mas tem uma lenda por trás desse nome, para os índios do norte do Brasil, Jurupari é o espírito dos parentes mortos, um protetor da natureza. Só faz mal ao caçador que mata filhote de bicho mamando ou pássaro alimentando a cria. Alguns dizem que Jurupari não tem uma forma e aparece em pesadelos. Outros contam que ele é um pássaro chamado Jacamim.

Paty Lopes (@arteriaingressos). Foto: Divulgação.

 

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Dramaturga, com textos contemplados em editais do governo do estado do Rio de Janeiro, Teatro Prudential e literatura no Sesi Firjan/RJ. Autora do texto Maria Bonita e a Peleja com o Sol apresentado na Funarj e Luz e Fogo, no edital da prefeitura para o projeto Paixão de Ler. Contemplada no edital de literatura Sesi Fiesp/Avenida Paulista, onde conta a História de Maria Felipa par Crianças em 2024. Curadora e idealizadora da Exposição Radio Negro em 2022 no MIS - Museu de Imagem e Som, duas passagens pelo Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com montagem teatral e de dança. Contemplada com o projeto "A Menina Dança" para o público infantil para o SESC e Funarte (Retomada Cultural/2024). Formadora de plateia e incentivadora cultural da cidade.

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