Quando você me chamar para sair, sempre terei esperado. Jantaremos, como se fazia antigamente. Beberemos o vinho até o último gole, sem garçons nos apressarem, a mesa já vazia, suja com alguns farelos de pão.
Deslizarei a ponta das unhas no cristal da taça. Estarão pintadas na cor vinho e você pensará no quanto me preparei. A sombra, discretamente cintilante, suada em torno das pálpebras superiores. O batom desbotado no centro dos lábios.
Falaremos sobre o texto que me deu para leitura. Ansiará por saber se notei que eu estava ali, na parte mais frágil da história. Mas não direi, com medo de que não seja eu, afinal ficção parece realidade. E se eu estiver, apenas, no momento de abertura da cena mas tiver sido misturada à lembrança de outra mulher na hora do beijo entre os personagens?
Não sei se chamarei um táxi ou se me levará em casa. Se continuaremos amigos ou começaremos amantes o início da madrugada. Estarei feliz por ter você. Estamos sempre divididos entre os amigos, com as falas interrompidas pelos acontecimentos. Será uma noite de essências. Compenetrada no que ocultam as frases que você me diz, ouvirei as palavras que me entrega. Acompanharei seu olhar: minhas mãos, meus lábios. Fixará meus olhos?
Direi ter previsto esse encontro desde o dia em que o conheci. Quando nos despedimos, você costuma fazer uma respiração a mais, como se uma ideia evaporasse entre o tempo da frase e o da despedida. Você não a banaliza mas a retém para um momento mais calmo. Chegará, finalmente, o momento de verbalizá-la. Sabemos: vou gostar de ouví-la.
Porei sobre a mesa meus próprios rascunhos. Riscos suaves esperam o resgate de uma ou outra ideia censurada sob o véu da esferográfica. Que você me diga da ousadia de levantar as cortinas e deixar nuas as palavras afastadas por recato. Guardo tudo em gavetas, você as espalhará pelo chão.
Acreditarei nos seus conselhos, depois de ter conhecido o despudor da sua escrita; depois de atravessar-me a eroticidade com que aquele beijo se apertou entre os parágrafos do seu romance. Sou eu, lembra? Embora finja não saber que dou forma à personagem que colore a boca do seu protagonista de vermelho, sou eu na marca de batom imaginada.
Tomarei um café antes de a noite acabar. Não posso dormir, sem saber se será em seus braços. Nem se você notou a forma como meus olhos se desmilinguiram no fim da conversa, à espera de um convite. Já sei das suas dores, comunguei da sua ansiedade, entreguei alguns segredos, quero sua boca. A língua banhada em álcool, o hálito açucarado de uva.
Deitarei a cabeça em seu ombro enquanto não chega o taxi. Ou você me abrirá seu carro para eu entrar? Só você dirá o que seremos depois de tudo. Se me deixa no portão ou sobe comigo as escadas até o andar onde moro. Entorpecida de vinho, poesia e paixão, irei aonde me levar.
Sou rascunho em suas mãos. Você se fez poesia. Se somos ficção, sejam reais os capítulos que escreveremos. Sobe, vai?