Que este seja um ano de esperança!

2018 se inicia. Como de praxe, há todos os votos por benesses e melhorias. Drummond mesmo já escreveu sobre a genialidade daquele que inventou o tempo e nos deu a fórmula pra renovar o espírito, a chama da felicidade.

Ao mesmo tempo sabemos que 2017 foi um ano de pancadas. Como também o foi 2016. A política foi a força motriz de tanta negatividade. Digo, 2018 não será diferente. Eles vão exigir demais de nosso humor.

Terminei o ano, no entanto, em outra aurora. Novo filho, novo rebento, um menino. Eu era apenas pai de menina. Agora o coração incha de felicidade. Seu nome: Arthur. É desse nome que parto pra escrever minha coluna de hoje. Não pro meu filho, mas para minha dica de leitura, o livro Perdidas: histórias para crianças que não tem vez, da editora Imã.

É um compêndio de textos. Só autores de calibre. Não posso nem afirmar como crítica desnecessária que algum texto deslizou, que esse autor não foi feliz em escrever isso e blablablá. É claro haver textos de que mais gostei, por exemplo, o poema que ora reproduzo de Ronaldo Cagiano:

Balada da espúria interdição

Fortuita,
A bala
Alada,
Como um bólido desnorteado
(Cápsula viajante conduzindo o veneno das Parcas)
Com seus tentáculos de fogo e aço
Penetra o ventre de minha mãe
Decretar a noite impune é indissolúvel,
Grilagem de meu minifúndio de aconchego
(Feto recebendo a compulsória visita do metal homicida).

A vida que poderia ter sido e não foi
Encontrou na áspera oficina do tempo
A interdição por clandestina sentença.

Perdi-me na procela de sangue
Que, tão cedo, naufragou-me
Numa placenta espoliada
Pelo acaso semeador de ocasos.

Espúrio o caminho
Que o projétil alucinado desenhou
No céu inflamado pelo neon da vindita:

Sequer ousou conceder-me
A promessa da aurora.

Deu-se à luz.
Uma escuridão absoluta,
Essa filha tirânica de Chronos
Soletrando cárceres
Na boca do (meu) destino
Esbulhado.

A violência – meu grande ladrão –
Roubou-me de mim
Ave alvejada em pleno voo
Na infame coreografia
Daquele disparo
Usurpando o horizonte
Abortando-me na antemanhã.

Acordei no dorso sórdido das trevas
Na desolada presença do real
Esse arsenal de impossibilidades
Sem poder (re)conhecer
[agora no coração da vertigem
Hóspede de trágico desfuturo
Fortuna estatística dos obituários
Anjo albergado na necrópole]
O que seria um verdadeiro
Amanhecer
Na geografia do íntimo desgosto.

Quiseram-me com nome de rei,
Mas a sina de ser súdito da barbárie
Necrosou toda a biografia.

(Ronaldo Cagiano, Perdidas, págs 87,88)

O livro é uma homenagem às crianças que foram vítimas de balas perdidas neste nosso Rio de Janeiro. Histórias sobre crianças que não tiveram vez. É neste ponto que volto ao belo nome Arthur. O menino que levou um tiro ainda no ventre de sua mãe. Em Duque de Caxias, local onde atualmente também resido com minha família. Saber que o pequeno rei – pois assim é todo Arthur – teve reinado tão curto e de história tão brutal, nos faz perder a esperança na humanidade. O livro, porém, não vai neste sentido. Como obra ficcional, ele nos move para outro sentido, o da esperança. Estas crianças que não tiveram vez hoje sedimentam uma sensação de nossa necessidade por uma luta constante de consciência de escolha destes que devem defender uma sociedade justa, equilibrada, pacífica. Sei que parece utópico, ou até mesmo distópico, ao ver o naipe de políticos que assaltaram o Rio, o Brasil, e que deveriam ser os verdadeiros culpados por essa barbárie capaz de gerar números de guerra. Não haveria, por fim, esperança no extremo das sensações.

Entretanto, que 2018 seja um ano de esperança. Minha filha está linda. Minha esposa radiante. Meu filho Arthur tem o direito à risada cotidiana.

Que obras como Perdidas (Vidas perdidas? Crianças perdidas? Histórias perdidas?) deem vez a livros que perfilam o outro lado da suposição ficcional.

Detalhe: a renda deste livro segue para projetos de apoio a crianças em situação de carência. Vale a pena obter esta obra.

Author

Professor e escritor. Lançou em 2013 seu primeiro romance, A Árvore que Chora Milagres, pela editora Multifoco. Participou do grupo literário Bagatelas, responsável por uma revolução na internet na primeira década do século XXI, e das oficinas literárias de Antônio Torres na UERJ, com quem aprendeu a arte de “rabiscar papel”. Criou junto com amigos da faculdade o Trema Literatura e atualmente comanda o blog Pictorescos. Tem como prática cotidiana escrever uma página e ler dez. Pai de dois filhos, convicto morador do Rio de Janeiro, do bairro de Engenho de Dentro. Um típico suburbano. Mas em seu subúrbio encontrou o Rock e o Heavy Metal. Foi primeiro do desenho e agora é das palavras, com as quais gosta de pintar histórias.

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