A cidade do Rio de Janeiro foi o meu primeiro grande amor. Certo que me apaixonei nos anos em que vivi em Lisboa, que conheci a minha esposa em Florença, que me casei em Veneza, que tive uma lua-de-mel de quatro anos em Paris, que o meu filho nasceu durante os anos em que vivi em Nice e que idolatro Lausanne, onde vivo há cinco anos, mas da cidade do Rio de Janeiro, aquela menina linda por quem me apaixonei pela primeira vez, jamais me esqueci.
Não sei dizer exatamente quando a conheci. Dentro das minhas recordações mais antigas, já estava apaixonado por ela. Pura, linda, presente. Ela ocupava toda a minha mente. Não que alguma vez tivesse sido a cidade mais linda do mundo. Longe disso! Esse era o tipo de comentário que saía da boca ou de quem nunca tinha viajado, ou de quem gostava de alimentar o ego, ou de quem estava mais preocupado em parecer do que ser. Mas era a minha cidade. A Cidade Maravilhosa. E quantas vezes não me tenho sentido orgulhoso ao responder: “do Rio de Janeiro”.
Não. Não cheguei a fazer amor com ela. Nem mesmo a beijei na boca. Eu era apenas uma criança. Ela também. Só que bastava que ela me olhasse sorrindo para que eu chegasse a casa pensando que a coisa mais espetacular do mundo me tivesse acontecido. E claro que tive sorte. Não penso que seria o mesmo se alguém da minha família tivesse sido baleado, se eu tivesse nascido numa favela, se eu fosse preto, se o meu tio não me tivesse oferecido um emprego no Banco do Brasil, se um amigo meu não me tivesse ensinado COBOL, se eu tivesse tido de acordar às quatro horas da manhã para ir trabalhar do outro lado da cidade, se eu não tivesse tido oportunidades, se eu não tivesse tido tantas portas abertas no meu caminho. Cidade Maravilhosa? Sim, mas não para todo mundo.
E por falar em rótulos, vamos ser sinceros: hoje, a cidade do Rio de Janeiro, a nossa cidade, está doente. Sempre esteve, mas, atualmente, está ainda pior. Está deitada numa cama e está sofrendo. E eu, que já a amei com toda a minha alma, como tantas outras pessoas, estou na beirada do seu leito, chorando e segurando na sua mão. Existe prova maior de amor? Não quero que morra, quero que se levante e saía sambando, como antigamente. Quero, ao menos, acreditar que poderá renascer, quem sabe, como uma fênix das quartas-feiras de cinzas. Contudo, a única certeza que tenho é que jamais poderei voltar atrás, voltar no tempo, o que nos deixa apenas uma solução: curá-la, e a única maneira de curá-la é curando os nossos próprios corações. O que fizemos com os nossos valores? Onde fomos buscar toda esta conivência? Quando exatamente começamos a dizer “é assim mesmo”? A milícia, os governadores corruptos, os policiais que entram atirando, os fanáticos religiosos, os playboys que chegam dando porrada, gente furando fila para receber a vacina dos outros, enfermeiras fingindo que estão vacinando. Onde foi que eu errei? Onde erramos?
Semana passada eu perguntei para a minha mãe – via Zoom – se ela ainda amava viver no Rio de Janeiro, e ela me respondeu que bom mesmo era o Rio de Janeiro dos anos cinquenta, quando ela costumava ir à praia de Copacabana com o seu grande maiô.
Os olhos da minha mãe brilharam, e eu percebi que ela estava se lembrando do seu primeiro grande amor.
Rio de Janeiro, meu Rio de Janeiro, se você pudesse me ler. Acho que diria: jamais voltarei a viver em você, mas você viverá para sempre em mim.
Feliz aniversário, Rio. Melhore logo.
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