O Diabo de Cada Dia: Em um mundo maniqueísta, o “mal” deve ser encarado com veemência, apenas prepare-se para fazer isso no melhor momento

Fotos: Glen Wilson/Netflix

O Diabo de Cada Dia, novo filme dirigido por Antônio Campos – adaptação do livro The Devil all The Time, de Donald Ray Pollock –, conta com elenco de prestígio, passando-se entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã. O longa é uma narrativa da penosa vida de Arvin Russell (Tom Holland), traçado desde sua infância, com seu pai Willard Russell (Bill Skarsgård), veterano de guerra e de fanatismo religioso, e sua mãe Charlotte (Haley Bennett), garçonete de bom coração, até o fim de sua adolescência, tudo vivenciado entre os perímetros das pequenas cidades de Knockemstiff, em Ohio, e Coal Creek, na Virginia (EUA).

A ILHA DA FANTASIA - Sony Pictures

A trama é narrada por um interlocutor, que percorre toda a história dos personagens e seus deslindes, traçando aquilo que será uma cadeia de casualidades interpessoais, em um enredo recheado de desfechos e intrigas. A religião, como o próprio título do filme pode induzir, representa importante pilar em sua construção, sendo colocado como o propulsor de comportamentos horrendos e sádicos dos seus adeptos, a exemplo de Roy Laferty (Harry Melling), que, com o afã de alcançar algum tipo de vocação divina, delira estar investido de poderes milagrosos. Tal discurso, que pauta o delírio como uma das fontes do pecado, é abordado pelo melindroso pastor Preston Teagardin (Robert Pattinson), que conduz a pequena comunidade onde Arvin vive, já em sua juventude. O líder religioso, que exala crueldade, tem como força motriz para seus atos pecaminosos a própria a lasciva e a vaidade, valendo-se do credo religioso como amuleto para ludibriar suas vítimas.

Tom Holland como Arvin Russel. Foto:  Glen Wilson/Netflix

Todavia, apesar da abordagem crítica ao uso controverso/ilusório da crença, O Diabo de Cada Dia não possui esse intento como principal objetivo, apontando com destaque o ser-humano como responsável pelas mazelas mundanas. Este, na verdade, em meio as suas limitações e fragilidades, protagonizam atrocidades oriundas de uma “maldade” que carregam e brotam do seu próprio interior. Choca a narrativa de Carl (Jason Clarke) e Sandy Henderson (Riley Keough), um casal quer percorre as rodovias estadunidenses em busca de vítimas, que, para além de torturadas, são fotografadas em sua agonia como forma de alcançar algo “divino” em seus registros.

Robert Pattinson como Preston Teagardin. Foto : Glen Wilson/Netflix © 2020

Nessa toada, assume Arvin o papel de “bom moço”, detentor de um senso de justiça, mas que encontra-se inquieto com o seu “eu” em razão de seu passado traumático. Ademais, a trama ganha vida ao criar uma rede de relações que acaba por conectar todos os seus personagens, centralizando em Arvin o escopo de desvendar todos estes “nós” como uma forma de alcançar sua redenção. Nesse ponto, merece referência o peso que nosso protagonista carrega por não ter velado seu cachorro em sua infância, que fora brutalmente assassinado por seu pai, assim como os impactos das inúmeras perdas familiares que este arduamente passa a colecionar.

Sabe-se que, em meio ao atual estado pandêmico que se encontra o mundo, tratamentos normativos ao fenômeno morte passaram a ser normatizados de maneira excepcional pelo Direito, haja vista, infelizmente, termos que lidar com peculiares situações sanitárias. Assim, age a lei, em constante progresso e diante de suas limitações, na necessária tarefa de minimizar as difíceis consequências do fato morte.

A Orfandade dupla pode ser exemplo de um dos efeitos deste atual cenário de calamidade pública – situação sofrida pelo protagonista do filme –, representada pela perda múltipla de parentes (dois ou mais), exigindo, portanto, um tratamento jurídico diferenciado ao (s) órfão (s) que não só perdeu seus laços familiares afetivos, mas, concomitantemente, seus provedores (em regra). Logo, tem-se que, por meio do solidarismo social, um apelo por um novo paradigma ressarcitório a tais situações vem ganhando força entre os juristas, pautando a criação legal de uma pensão especial (valor financiado pelo Estado) como uma alternativa efetiva a fim de garantir a subsistência e dignidade destes.[1]

O direito à sepultura, que hoje é alçado ao status de Direitos Humanos, também é matéria de importante discussão, definido como um processo vinculado à cultura e religiosidade enraizada em nosso pais. Velar um ente querido torna-se indispensável ao real estado de luto necessário a grande parte das pessoas, que o necessitam para minimamente seguirem em frente com suas vidas. Enfatiza-se que este direito é tido como do próprio morto, a ser fruído por seus familiares em ato cerimonial (enterro), como uma concretização do “adeus”. Lembre-se que o empregado (CLT) tem direito a 02 (dois) dias consecutivos de ausência legal (sem perder direito à remuneração) em caso de falecimento do cônjuge, ascendente, descendentes, irmão ou pessoa declarada como dependente econômica na Previdência Social, com a finalidade de proporcionar, mesmo que em um curto período, esse momento lúgubre.

A morte e o próprio luto, como salientados acima, são assuntos abordados praticamente por toda o longa, retratado, por meio de alguns personagens, como a própria personificação do “mal” a ser enfrentado diuturnamente por Arvin. Este, preso nessa “teia” de relações e atormento, buscará seu lugar ao sol, mesmo que seja necessário o uso da força. Assim, a dicotomia entre bem e mal é nítida na narrativa, não se vislumbrando a mínima possibilidade de mudança moral dos personagens. Apesar da irrefutabilidade na crença da mutabilidade humana, busquemos sempre o nosso melhor “eu”, na busca de gerar o melhor nos outros.

[1]Os tratamentos normativos da morte para as famílias em luto. Jones Figueirêdo Alves.https://www.conjur.com.br/2020-mai-17/processo-familiar-tratamentos-normativos-morte-familias-luto. Acesso <02/10/2020>.

 

Siga-nos no Instagram!
http://instagram.com/cineelaw

 

 

 


ArteCult – Cinema & Companhia

Siga nosso canal e nossos parceiros no Instagram para  ficar sempre ligado nas nossas críticas, últimas novidades sobre Cinema e Séries, participar de sorteios de convites e produtos, saber nossas promoções e muito mais!

@artecult , @cinemaecompanhia , @cabinesete ,
@cinestimado , @cineelaw@hospicionerdoficialp

#VamosParaOCinemaJuntos

 

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *