TODAS PALAVRAS FEITAS DA TERRA: Registros poéticos de André Zahar com os traços da nossa ancestralidade

 

Todas palavras feitas da terra” é o novo livro de André Zahar, pela Editora Chiado Books. Um projeto literário que gerou frutos, igualmente originais.

André é carioca, jornalista, e vive hoje em Recife, tendo trabalhado com jornalismo político a maior parte da sua carreira. Ainda no Rio, lançou seu primeiro livro de poesia, “Mafua: Autoajuda para mamutes”, com ilustrações de Léo Sales, em 2012.

Sobre sua experiência de itinerância, que fez nascer “Todas palavras feitas da terra”, o autor disse ao ArteCult :

Depois que me mudei para o Nordeste, em 2012, aproveitei algumas ocasiões para conhecer o Sertão em viagens de carro. Os primeiros registros rupestres que vi de perto foram os do Lajedo do Pai Mateus (em Cabaceiras/PB), da Pedra do Ingá (PB) e do Vale do Catimbau (Buíque-PE). Ouvi, nestas ocasiões, um pouco das histórias sobre os índios Cariri e outras narrativas mais fantásticas, de seres mitológicos, extraterrestres, navegantes fenícios etc. Paralelamente, mas ainda sem uma relação direta entre as duas coisas, fui produzindo minha poesia ao longo das andanças, derivas e outras vivências do período posterior à minha saída do Rio de Janeiro. Tudo ainda de forma esparsa e pouco sistemática. Não avançava muito no sentido de transformar aquilo em uma publicação literária. Em outubro de 2018, no entanto, visitei com meu pai e meu irmão o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, e, aí sim, identifiquei os temas e o formato do livro. Depois disso, ainda voltei, com meu irmão, à Pedra do Ingá e visitamos Carnaúba dos Dantas, no Rio Grande do Norte, onde também há painéis rupestres bastante interessantes. Finalmente consegui “fechar” o projeto iniciado há mais de seis anos”.

O livro é, resumidamente, anotações poéticas (nem sempre poesias, há pequenos textos em prosa) feitas nessas viagens. Há registros sobre amor, angústia, perdas, crítica social, ideias da mente de um homem contemporâneo, sensível e presente no mundo social, mas com um pé na própria ancestralidade. O autor nos disse tentar “traduzir um sentimento poético pessoal, sob o signo da terra, em torno de temas perenes como amor, perdas, guerras, migrações…Temas que estão nas pinturas deixadas por povos pré-históricos que habitaram nosso continente há, pelo menos, 10 mil anos, e também na vida de cada um de nós”.

As páginas são todas feitas à mão. Os versos não são datilografados mas escritos com carvão, num simulacro das inscrições rupestres, pré-históricas, encontradas nas paredes e rochas dos sítios arqueológicos. A forma como se apresenta sua poética adquire um significado ainda maior a partir dessas escolhas.

É mais do que um livro de poesia. É uma peça em que várias ferramentas são conjugadas provocando um efeito artístico maior: os traços de ancestralidade, a escrita literária, a representação dessa escrita através do carvão e a maneira como as palavras estão dispostas nas páginas.

Poema do livro “Todas palavras feitas da terra”

Me sinto mais confortável em trabalhar a poesia antes como sentimento poético, portanto algo do fundamento das muitas linguagens artísticas, do que como um gênero literário”, nos disse, libertando seu trabalho de rótulos.

Enquanto se consolidava o projeto literário, André aproveitou para aprofundar-se nos temas que o inspiraram a escrever o livro, leu sobre os sítios arqueológicos que visitou (pesquisas, livros de história e antropologia, publicações de autores indígenas) e fez entrevistas.

Daí nasceu outro projeto, “As muitas nações que somos”, que ele apresenta como um desdobramento do livro mas, na sua riqueza de conteúdos históricos, imagens e narrativas, sustenta-se muito bem isoladamente. É uma leitura interessante e acessível a iniciantes. Fala da riqueza cultural desse país, que não tem protagonismo nas carteiras escolares mas que carregamos em nossos DNAs. O trabalho gerado pelo estudo profundo sobre os sítios arqueológicos, pode ser acessado através do link https://andrezahar.com/2020/08/18/as-muitas-nacoes-que-somos-2/.

Mais recentemente, do livro nasceu um rico trabalho audiovisual: um videoclipe lançado na semana passada, que traz trechos de poesia narrados pelo autor, com a atuação de Gilberto Trindade (do Circo Trindade) como o bufão protagonista. Esteticamente interessante, de alma brasileira e interpretação densa, o vídeo é poético e questionador, uma intrigante ponte até o livro de André Zahar:

 

 

 

 

Tudo isto, assim como os registros rupestres, me revelou a riqueza da cosmogonia e das culturas dos povos originários, que passaram a ter uma grande influência na minha escrita. Tenho a convicção, também, de que são as tradições e os pensamentos dos povos indígenas latino-americanos que podem nos levar à superação do impasse civilizatório em que nos encontramos. Para impedir a nossa auto-destruição, é essencial ouvi-los sobre temas como meio ambiente, desenvolvimento econômico, produção agrária, preservação do patrimônio cultural e tantos outros”, finaliza André, dividindo conosco o rico legado dessas descobertas.

André Zahar – Foto: mundohype.com.br

 

SERVIÇO:

Capa do Livro. Foto : Divulgação.

TODA PALAVRA FEITA DA TERRA

Autor: André Zahar
Capa comum : 172 páginas
ISBN-13 : 978-9895276196
ISBN-10 : 9895276192
Dimensões do produto : 21.8 x 14 x 1.2 cm
Editora : Chiado Editora; 1ª Edição (25 abril 2020)
Idioma: : Português

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Author

Ana Lúcia Gosling se formou em Letras (Português-Literatura) em 1993, pela PUC/RJ. Fixou-se em outra carreira. A identidade literária, contudo, está cravada no coração e o olhar interpretativo, esgarçado pra sempre. Ama oficinas e experimenta aquelas em que o debate lhe acresça não só à escrita mas à alma. Some-se a isso sua necessidade de falar, sangrar e escorrer pelos textos que lê e escreve e isso nos traz aqui. Escreve ficção em seu blog pessoal (anagosling.com) desde março de 2010 e partilha impressões pessoais num blog na Obvious Magazine (http://obviousmag.org/puro_achismo) desde junho de 2015. Seu texto “Não estamos preparados para sermos pais dos nossos pais” já foi lido por mais de 415 mil pessoas e continua a ser compartilhado nas redes sociais. Aqui o foco é falar de Literatura mas sabe-se que os processos de escrita, as poesias e os contos não são coisa de livro mas na vida em si. Vamos falando de “tudo” que aguçar o olhar, então? Toda quarta-feira, no ArteCult, há crônica nova da autora, que integra o projeto AC VERSO & PROSA junto de Tanussi Cardoso (poemas) e César Manzolillo (contos). Redes Sociais: Instagram: @analugosling Facebook: https://www.facebook.com/analugosling/ Twitter: https://twitter.com/gosling_ana

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