Mãe, neste ano, você não poderá almoçar com seu filho. Mesmo ele morando perto daí. Mesmo assim. Nem almoço, nem beijo, nem abraço. É difícil, eu sei. Talvez ele se faça representar através de um buquê delivery. Ou encontre um jeito seguro de se verem. Sem toque nem calor. Numa chamada com vídeo, quem sabe, com a ilusão de que a saudade diminua, quando o mais provável é aumentar.
Depois que um corpo
comporta
outro corpo
nenhum coração
suporta
o pouco
(Alice Ruiz em “Dois em Um”)
Que droga, né? Amor é sinestesia. Sentir o cheiro, apertar o corpo num abraço, sentir a barba do rapaz espetando. Ah, o cheiro mais viciante do mundo: cheiro de filho. Nenhum outro aconchego se compara a estar abraçada a um filho quando a realidade é dura e a coragem baixa a guarda. Ele não sabe disso, mãe, mas muitas vezes é ele quem alimenta sua coragem. Pensa que mães são “super” quando tudo na vida é tentativa, erro e acerto. Criar um filho é um risco. Viver a intensidade desse amor de mãe-filho é uma aventura. Lançar um filho à vida é deixar seu coração seguir, desapartado de você. Conhecendo pessoas, vivendo experiências, carregando dores sem que você possa controlar. Noites em vigília.
Nossos filhos viajam pelos caminhos da vida,
pelas águas salgadas de muito longe,
pelas florestas que escondem os dias,
pelo céu, pelas cidades, por dentro do mundo escuro
de seus próprios silêncios.
Nossos filhos não mandam mensagens de onde se encontram.
(…)Nossos filhos estão onde não vemos nem sabemos.
Nós somos as doloridas do mal que talvez não sofram,
mas suas alegrias não chegam nunca à solidão de que vivemos,
seu único presente, abundante e sem fim.(Cecília Meireles em “Vigília das Mães”)
Que tudo corra bem, as pessoas sejam boas e seu filho sempre volte para a casa protegido porque, assim, seu coração também estará protegido. Todos os dias, você pede isso. Há anos, décadas, você pede.
Proteção. É isso! Não é menos amor: é proteção. Nesses dias, o afastamento físico é cuidado, prova de amor profundo. Essa linguagem mãe entende. Imaginar o filho evitando os riscos do caminho. Os netos com os brinquedos espalhados num chão higienizado. Brincando sem máscara nem luva, na bolha de segurança que a casa se transformou. Outra vida, diferente. Não deu ainda para acostumar-se. Quanto tempo? Dois meses? O mundo ao contrário. Inimigo invisível. Gente querida doente, outros partindo. Rico ou pobre. Não vacila, mãe. Você quer zelar por seu filho mas ele também precisa resguardá-la. Filho também precisa cuidar de mãe.
Ele ainda não tinha pensado que você poderia correr perigo. Está assustado. Todos saudáveis, ativos. Os dias pulsando energia. Os planos feitos, a compra da toalha nova para a mesa da sala, a entrega dos óculos novos em duas semanas. O futuro programado. Vocês falavam do futuro, os netos viam TV, as raspas do almoço na lixeira da cozinha, a sobremesa ainda guardada na geladeira. Aquela tarde morna de domingo em que tudo estava no lugar. A vida como ela, talvez, nunca mais seja. A vida tão boa que nos esquecemos de notá-la.
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.
(Carlos Drummond de Andrade em “Para Sempre”)
Ele ainda não tinha pensado sobre a finitude, sobre os riscos de viver. A juventude, no fundo, se acha imortal. É arrogante, enfrenta as madrugadas e brinca com os abismos, achando estar acima dos perigos maiores: doença, morte. A juventude não pensa nas perdas. Mas ele foi obrigado a pensar em como evitá-las agora. Manter as crianças de mãos lavadas. Aninhar a mulher. Deixar a mãe segura, assistida pela farmácia da rua, guarnecida pelo mercado do bairro. Entregou o número do seu telefone aos porteiros para que eles o avisem, se precisarem. Entregou-o, também, ao vizinho para que ligue rápido, se algo acontecer. Divide o coração com você, a mulher e os meninos. Promete cuidar-se. Passar álcool gel. Tirar os sapatos antes de entrar em casa. Promete, claro, lavar as mãos. Pois se não é exatamente o que exige dos meninos, como se esqueceria, ele próprio, de fazê-lo?
Para você, ele também é menino. Você desconfia que ele não lava direito, não come direito, não dorme direito. Suspeita que ele saia à rua e não esteja contando para você. Preocupa-se com os problemas financeiros, o trabalho dele parado com a crise. A vida suspensa por causa da crise. Os carinhos adiados por causa da crise. Até quando essa crise, meu Deus?
É difícil, eu sei. Mas coração de mãe aquece quando, no fim do dia, todos estão bem. Antes de dormir, você sorrirá ao lembrar da gargalhada dos netos do outro lado da linha, sentirá saudades e agradecerá às forças do universo por estarem todos abrigados, ainda que separados momentaneamente. Agradecerá a Deus, mesmo que estejamos sob as regras do acaso. Mãe sempre reconhece, sempre agradece, quando o coração acalma.
Talvez seja um domingo mais frio…mas tudo continua no lugar. A vida como ela talvez nunca mais seja. A vida boa em breve porque aprendemos a notá-la. Vai passar, mãe. E logo, logo, vocês irão abraçar-se.
Linda e sensível como sempre! ?? Esse ano está sendo difícil e esse dia especificamente é uma prova de fogo. O que conforta é nos apoiarmos no amor que nos une além de estarmos juntos fisicamente. Feliz dia minha querida, exemplo de mãe pra mim!