Demorei um pouco a começar escrever sobre qualquer assunto que possa talvez amenizar a forma como estamos nos movendo ( ou antimovendo) neste momento, talvez porque precisasse de tempo. O mesmo tempo que me faz lembrar de uma das letras de Renato Russo, ou simplesmente um tempo não linear apresentado por Foucault em “Microfísica do Poder” .
O que não posso deixar de abordar, mesmo que esta coluna seja sobre arte e cultura, é sobre os efeitos da pandemia gerados em nossas vidas, e como esta palavra tornou-se sinônimo de medo.
Tenho nestes últimos dias me absorvido de algumas leituras sobre política e o papel da arte neste momento; e esta escrita afetada em parte pela abordagem de José Gil através de seu ensaio “Medo”, publicado pela n1-edições.
Entre uma notícia que nos corta e outra, permaneço com a fala de Gil para pensarmos juntos o que estamos vivenciando neste momento, onde ele diz:
“O medo não é uma atmosfera, é uma inundação”.
Algumas semanas atrás viviamos em nossas rotinas, dentro de nossas bolhas particulares, com nossas próprias ansiedades. Se o medo existia, este era de nós mesmos, das nossas preocupações (que ainda existem em outras esferas).
Neste momento, temos medo do outro e do desconhecido. Este medo, segundo Gil, está associado a um certo aspecto de ignorância, por não saber ou confiar que o outro possa ter o mesmo pensamento que o nosso. Neste caso, a segurança voltada para um bem maior que não apenas nós mesmos, mas pensando na sociedade de forma mais global. Sim, estamos vivendo um paradoxo, porque ao mesmo tempo que temos medo, necessitamos olhar com cuidado para quem / o que tenhamos nos distanciado ou esquecido (mesmo que nós mesmos).
Poderia talvez nesta publicação falar de assuntos menos dolorosos, ou que estão sendo repetidos massificamente, como tem feito as redes sociais. Mas do mesmo modo que tenho refletido sobre o medo e as nossas angústias, penso no papel da arte como uma abertura de espaços para a construção de um senso crítico, e para uma percepção maior sobre o que queremos, desejamos, o que somos, e possivelmente deixaremos de ser a partir deste ano, sobretudo para nos perguntarmos qual nosso desejo enquanto algo que nos afeta, ou nos coloca à margem do mundo.
RENATA BORGES