Hoje toco no assunto conhecido como Identificação.
Comecei a minha vida como leitor na adolescência, lendo principalmente os clássicos best sellers de entretenimento no campo do terror. Surge aqui imediatamente o nome de Stephen King. Alia-se a ele algumas histórias publicadas por uma editora conhecida como Vertigo, que tinha em seu catálogo Constantine e Sandman. Sim, quadrinhos adultos.
Foram essas histórias e King que me direcionaram para um universo movido pelas palavras. Junto ao universo da música, das grandes bandas de rock e Heavy Metal, que me segui a esse mundo maravilhoso e ad aeternum da Literatura. Claro, há autores brasileiros neste primeiro momento – Machado de Assis e Ana Maria Machado são partes desse DNA -, mas eu não seria sincero com o leitor aqui. Àquela época, um menino de 14 anos se move à literatura brasileira pela influência de sua escola. Podemos tecer várias críticas – das mais variadas categorias – sobre a oferta de literatura brasileira na escola. Este é motivo para uma próxima reflexão.
Para aquele menino que vivia as epifanias do coletivo, King, Neil Gaiman (e seu fantástico Estação das Brumas) e alguns compositores de mão cheia do universo da música me criavam a identificação primordial para as Letras. Ali que me houve o abandono do desenho, passei a fechar os olhos, ver palavras, criar histórias.
No entanto, descobri nesse processo a literatura brasileira.
E com ela a dama Lygia Fagundes Telles. O conto em questão ilustra o título deste texto. Movem-se aqui dupla simbologia: a da identificação com aquele texto e aquele leve tom de inveja por ter querido escrever aquele texto.
Que clímax!
Que encadeamento.
O enredo é de arrancar o fôlego.
Algo assim me aconteceu esta semana, quando assisti ao filme Cisne Negro. A sensação era a mesma.
A identificação acontece por razões nominais.
Namorei uma menina chamada Raquel. Duas vezes, diga-se de passagem. Nas duas, eu fui deixado por ela. Um sentimento duplo de exclusão e diminuição. Aqui não vêm ao caso.
Importa-se a catarse produzida. Quando li o conto, o personagem de nome Ricardo, entristecido pelo término, convida Raquel, neste momento enamorada de um homem mais rico e poderoso que ele. Ele a convida para um passeio singular, em um cemitério. Aos poucos, o leitor se identifica com as descobertas que Raquel vai fazendo ao longo do passeio, conduzida por um homem de mente perturbada, mas sereno e decidido a entreter Raquel ao longo daquelas ofertas de história que fazia.
Obviamente não contarei o final.
Como me dizem os alunos, não darei spoiler.
Quando tive acesso à Lygia, não supunha existir uma autora tão capaz de criar terror psicológico na literatura brasileira. Como professor de literatura, cheguei a ofertá-la aos meus alunos, criamos oficinas em torno do conto, da análise dos personagens, do enredo, de como a ingenuidade pode mascarar a doença mental de uma figura perturbada.
Ofereci Edgar Allan Poe e seu Gato Preto.
Fomos depois ao epicurista Álvares de Azevedo. Lemos Byron.
Tudo a partir de Lygia.
O Brasil vive hoje uma explosão de escritores no campo do terror.
Raphael Montes e André Vianco são apenas dois nomes para começar a ilustrar.
Digo, para concluir, que Venha ver o pôr do Sol não tem nome mais pertinente para se fundir a esse tipo de literatura que hoje forneço como dica de obra. Sai essa luz tradicional do calmo, tranquilo e adâmico e se apresenta a noite, macabra, intimista e com seus sortilégios capazes de nos rouba o sono. Foi o que Lygia fez em mim. E hoje agradeço horrores.