Sob o olhar oblíquo e perscrutador de Sigmund Freud, a terapeuta incentiva o paciente a abrir-se a propósito dos motivos que o levaram ao consultório.
Por vários minutos, ouve atenta e, também ela, penetra aquele universo particular em causa e efeito. O paciente entrega-se, pouco a pouco, aos quase indizíveis sentimentos, tão seus, tão íntimos.
Ao final do esforço, aliviado por conseguir se auto-externar com tamanha confiança, o homem, de aproximados 50 anos, espera, sem que se dê conta, dividir a carga que carrega apartado.
A terapeuta conjectura sobre as informações. Levanta-se e vai até a estante, passa o dedo pelas lombadas coloridas e, guiada pelo conhecimento, puxa um exemplar. Senta-se, abre o livro e logo chega à página desejada. Diz ao paciente que lerá um trecho e o convida, a partir da leitura, a refletirem juntos…
Até aqui, você leu uma história inventada mas, como disse James Hillman: “A história que a gente conta da nossa vida é uma ficção, que a gente cria a partir de fragmentos de realidade”.
A Biblioterapia é um fato. Cenas como a descrita acima acontecem em vários países europeus, cada vez com mais adeptos, terapeutas e pacientes. O termo Biblioterapia é derivado do grego Biblion, que designa todo tipo de material bibliográfico ou de leitura, e Therapein que significa tratamento, cura ou restabelecimento. E não é de hoje, se levarmos em conta que, no antigo Egito, o Faraó Ramsés II mandou colocar no frontispício de sua biblioteca a seguinte frase: “Remédios para a Alma”.
Alice Bryan define biblioterapia como “a prescrição de materiais de leitura que auxiliem a desenvolver maturidade e nutram e mantenham a saúde mental”. Inclui romances, poesias, peças, filosofia, ética, religião, arte, história e livros científicos. Lista como objetivos “permitir ao leitor verificar que há mais de uma solução para seu problema; auxiliar o leitor a verificar suas emoções em paralelo às emoções dos outros; ajudar o leitor a pensar na experiência vicária em termos humanos e não materiais; proporcionar informações necessárias para a solução dos problemas; e encorajar o leitor a encarar sua situação realisticamente de forma a conduzir à ação”.
É claro que a leitura e a escrita farão, a diferentes pessoas, efeitos desiguais. E é aí que está a beleza (não consegui achar outra palavra) da coisa. O livro que mudou sua vida, o artigo que puxou seu tapete… todos temos um, o que nos insere na categoria de leitores, algumas páginas à frente no autoconhecimento.
Uma frase, poucas palavras, fez por mim algo de uma sutileza retumbante. Está lá no livro “Trem noturno para Lisboa”, de Pascal Mercier. Diz: “nada é acidental, aquilo que acontece conosco já está em nós”.
Notinhas:
James Hillman (1926 – 2011) foi um psicólogo e conferencista de fama internacional. Analista junguiano, criador da “psicologia arquetípica” pós-junguiana.
Alice Bryan (1902 – 1992) – Feminista auto-identificada, bem conhecida por seu trabalho em psicologia, mas é talvez mais respeitada por seus estudos sobre bibliotecas escolares.