Conheci Nelson Leirner pessoalmente quando fui entrevistá-lo para um documentário. Ele era bem a figura da foto do livro que ganhei com uma dedicatória, usava esse colar com vários talismãs. Eu tinha voltado recentemente de Portugal e o presenteei com uma medalha de Nossa Senhora de Fátima. Ele juntou a medalhinha com uma figa e uma estrela de Davi entre outros pingentes que iriam acompanhar o artista plástico até o final do ano. O trabalho dele é incrível, e ele, hipnotizante.
Leirner mistura imagens de Jesus Cristo, pinguins, Iemanjás, marinheiros e macacos – todos muito organizados, em filas num campo de futebol. Ou coloca esse povo todo mais uns bichos, além do Pato Donald, em cima de um skate. Se você achar algum trabalho dele fofinho, vale a pena olhar com um pouco mais de atenção.
O portrait desse artista é a síntese de como somos, nós, seres humanos. Valemos sempre um olhar mais atencioso, somos complexos, contraditórios e ao mesmo tempo, coerentes. Na foto – um senhor com uma camiseta vermelha e um colar – parece simples, mas é preciso chegar mais perto, olhar os detalhes de cada berloque. De perto… Realmente, ninguém se salva.
Porém, determinados meios ou profissões estimulam que todo esse turbilhão interno seja colocado na mesa, muitas vezes, na mesa de reunião. E você se vê atendendo a pedidos do tipo: “Eu queria um azul mais puxado para a raiva”. Para a raiva??!! Sei, sei bem. Pois é, cansei. Estava na hora mesmo de consertar algumas coisas na minha vida. Literalmente. Caí de amores pelo Seu Francisco, pedreiro gente boa, que me pedia três sacos de cimento, no máximo, e um galão de tinta branco neve. Viva o preto no branco!
Por isso, guardando as devidas proporções, eu compreendo o Raduan Nassar, cuja foto em P&B ilustra a chamada desse texto na página principal do ARTECULT. Ele escreveu dois livros que estão entre os grandes, foi aclamado pelos críticos, e abandonou a literatura. Virou fazendeiro. Lavoura Arcaica e Um Copo de Cólera são precisos e poéticos, lindos e duros, singulares. Numa entrevista, perguntaram por quê começou e por quê parou de escrever. “Foi a paixão pela literatura (..) Como começa essa paixão e porque acaba, não sei.”
Fascinado pelo escritor, o cineasta Luiz Fernando Carvalho filmou Lavoura Arcaica de uma maneira particular, os atores e a equipe do filme moraram na casa/locação por um tempo para absorverem o clima do longa, uma procura pelas sensações, pelas metáforas do livro. O resultado não poderia ser melhor.
Outros dois documentários que ilustram esse processo de trabalho foram feitos. Que Teus Olhos Sejam Atendidos (documentário sobre o Líbano) e Nosso Diário, de Raquel Couto, assistente na época do Luiz Fernando Carvalho.
Um Copo de Cólera também foi adaptado para o cinema com Alexandre Borges e Julia Lemmertz, dirigido pelo Aluizio Abranches. Não são filmes para serem visto com crianças na sala, é bom lembrar. Principalmente Um Copo de Cólera.
Aqui vai um trecho do Nosso Diário (uma espécie de making of do Lavoura Arcaica).
Notinhas
Trecho do documentário “Que Teus Olhos Sejam Atendidos”
Carlota – “Preciso Me Encontrar”
“Preciso Me Encontrar”, Zeca Pagodinho e Marisa Monte acompanhados pelos extraordinários Yamandú Costa (violão) e Hamilton Fernandes (bandolin)
Raduan Nassar:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Raduan_Nassar
Nelson Leiner – algumas obras:
Crédito da Foto de capa de Radua Nassar: Eduardo Simões, retirada dos Cadernos de Literatura Brasileira do IMS