Como escrever sobre teatro? Por onde começar? Como estrear meu espaço no ArteCult e fazer por merecer esse convite tão amistoso que me fizeram para registrar minhas impressões, dicas e comentários sobre artes cênicas, aqui? Quais caminhos percorrer para colocar em palavras escritas – destinadas a um leitor – algumas ideias sobre essa arte da presença, já que não é minha intenção incorrer numa crítica teatral nem em nenhum tipo de academicismo?
“Um texto emocional, pessoal, que descrevesse sobre o que é o teatro” para mim… fiquei ruminando as palavras da editora-chefe querida e super paciente com o atraso desse texto… Serei mais específica e falarei sobre o ator que, pra mim, apesar de todo panorama contemporâneo da arte, ainda é o ponto essencial do teatro.
É ele quem se coloca dentro experiência, quem dá a cara, o corpo, a mente e a alma a tapa, e é a quem também, com enorme frequência, não se dá a menor importância. Muitas pessoas, meios e setores da cultura ainda têm a ideia ultrapassada de não considerarem o ator um criador, vejam vocês! Mas são eles que estão ali. Enquanto os outros discursam e escrevem sobre, são eles que estão ali, fazendo. Vivendo. Em carne e osso e sangue e suor. Eles que vestem a máscara no mesmíssimo tempo em que a rasgam, que experienciam a efemeridade da vida no palco e também fora dele. Sim, porque somos obrigados a nos acostumar com a instabilidade em nosso meio profissional. “As férias se confundem com o desemprego na vida do ator”, me disse uma vez um professor/diretor.
Então, esse meu primeiro texto eu dedico àqueles que não.
Àqueles que, por algum motivo, não seguiram na profissão. Seja por razões financeiras, pessoais, existenciais… Àqueles que revivem seus tempos áureos apenas na memória. Àqueles que estão em bloqueio criativo. Àqueles que, por qualquer razão, se veem distantes da profissão por determinados períodos que – quem já esteve longe, sabe – parecem intermináveis. Para aqueles que sabem que se distanciar do ofício é se distanciar do próprio coração. (E quem é que, em algum momento, seja ator ou não, já não se viu distanciado daquilo que dá sentido ao viver?). Àqueles que têm a coragem existencial de trilhar a retomada do caminho no quak haja algum coração. Dedico aos meus colegas e também àqueles que nunca vou conhecer, mas que foram afetados para todo o sempre por essa peste – que é, ao mesmo tempo, uma benção – de se encantar pelo homem em vida, matéria-prima do teatro.
Nesse mundo estranho, onde artistas são chamados de vagabundos, dedico esse meu espaço para honrá-los.
O ator reina no domínio do mortal. De todas as glórias do mundo, sabemos que a sua é a mais efêmera. E é também o ator que mais percebe, entre os homens, que tudo deve morrer um dia. E, para ele, não representar significa morrer cem vezes – com as cem personagens que ele teria animado ou ressuscitado.
* Fala da atriz Fernanda Montenegro, citando Albert Camus, em trecho do livro Fernanda Montenegro em o exercício da paixão, de Lúcia Rito (ed. Rocco)