“Quando aprendermos a incorporar à sociedade o que cada um tem a oferecer, viveremos em um mundo muito mais rico e interessante.
Angela Patrícia Reininger é diretora criativa da No Ar Produções. E dirige o Programa Especial há 12 anos. Apresentado e conduzido por pessoas com deficiência, o programa, exibido na TV Brasil, é um dos únicos espaços legítimos na TV de manifestação dos corações e das mentes das pessoas com deficiência, e se destaca por ser um lugar de discussão e de reflexão sobre os direitos, as políticas públicas e as ações de inclusão dessa significativa parcela da população.
Como surgiu a ideia de criar o Programa Especial?
A ideia do Programa Especial foi da Maria Léa, uma jornalista que tem um filho com síndrome de Down, o Alexandre. Na época em que o Alexandre nasceu, foi muito difícil para ela conseguir informações sobre a síndrome. Então, ela achou importante que houvesse um programa que abordasse esse tema da inclusão das pessoas com deficiência. Ela nos procurou na No Ar, nós gostamos muita ideia e procuramos a TV Brasil, que se interessou pelo tema.
Depois de 12 anos, é possível fazer uma análise do impacto do programa na sociedade?
Acreditamos que o programa contribuiu para que a mídia retratasse quem tem deficiência de forma natural, e não como coitadinho ou como super-herói. De alguma forma, nos tornamos uma referência neste sentido. Até porque toda a nossa linguagem foi elaborada em conjunto por pessoas com e sem deficiência. Além disso, o Programa Especial abriu um espaço para que as pessoas com deficiência pudessem se reconhecer na televisão, através dos apresentadores e repórteres com deficiência. Recebemos muitas mensagens de espectadores que se sentem representados pelo programa, inclusive de crianças e jovens que antes não tinham em quem se espelhar na tela da TV.
Ao longo desses anos, os objetivos e interesses, ou seja, as pautas do programa foram mudando?
Sim, no início fazíamos apenas pautas ligadas à questão da deficiência. Hoje em dia, temos também nossos repórteres com deficiência fazendo reportagens sobre assuntos não relacionados a este tema. Estas reportagens não são a maioria, mas acreditamos ser importante ter o olhar da pessoa com deficiência também sobre outros assuntos, então conciliamos as duas coisas. Outra novidade relativamente recente são os debates. Volta e meia escolhemos um tema – acessibilidade, por exemplo – e convidamos algumas pessoas para discutir o assunto. Este formato se mostrou bem interessante.
Outro aspecto que evoluiu foi o das viagens. No início, gravávamos somente no Brasil. De uns anos para cá, temos tido a oportunidade de mostrar experiências interessantes em termos de inclusão em outros países também. Já fomos à Argentina, aos Estados Unidos, à Alemanha, a Cuba e a Portugal.
E qual é o foco do Programa Especial atualmente?
Atualmente, procuramos mesclar pautas informativas – sobre terapias, por exemplo -, com exemplos bem-sucedidos de inclusão – como no mercado de trabalho -, com discussões sobre a questão da inclusão de modo geral, e também com pautas mais leves, como visitas a locais turísticos acessíveis e modalidades esportivas.
Como é ter na equipe pessoas com deficiência? Como eles contribuem para educar o olhar do público sobre o dia a dia dessas pessoas?
Ter no programa pessoas com deficiência é fundamental. Isso, com certeza, ajuda a educar o olhar do público que, infelizmente, não está tão acostumado a ver na TV pessoas com deficiência como protagonistas. Elas são também uma referência para os espectadores que têm deficiência. Nós temos a Juliana Oliveira, apresentadora que é cadeirante, assim como um repórter cadeirante, o José Luiz Pacheco, e uma repórter com síndrome de Down, a Fernanda Honorato. E, ainda, duas de nossas intérpretes de LIBRAS são surdas. E temos também pessoas com deficiência por trás das câmeras. Nossa consultora de audiodescrição (as imagens que aparecem quando não há falas são descritas para que as pessoas com deficiência visual possam saber o que está acontecendo) é cega.
No que diz respeito às pessoas com deficiência sensorial (deficiência visual e auditiva), é bem importante que existam pessoas com essas deficiências na equipe, pois elas já são nossos primeiros espectadores, de modo a termos certeza de que o programa será acessível a todos. Além da janela de LIBRAS, o programa conta ainda com legendas em português para os surdos que não sabem a língua de sinais.
Ainda existe preconceito com relação às pessoas com deficiência ou avançamos nessa área?
Já houve avanços, mas ainda há muito preconceito fruto de desconhecimento. Com o aumento do número de crianças com deficiência nas escolas regulares, o tema da inclusão fica mais próximo da população como um todo. Acredito também que iniciativas como o Programa Especial ajudam a diminuir o preconceito.
Ter um espaço na mídia é fundamental para defender os interesses dessa parcela da população. E o programa é a prova concreta disso. Nesse sentido, o que você acha da cobertura da grande mídia a respeito de temas relacionados a pessoas com deficiência?
Acredito que a grande mídia evoluiu bastante nos últimos tempos, mas ainda há muito a se conquistar. Algumas vezes, ainda existe um olhar muito piedoso sobre as pessoas com deficiência, o que não contribui para a valorização da dignidade dessas pessoas. Além disso, não sei se já há uma percepção clara de que as conquistas das pessoas com deficiência são um direito delas e não um “favor” que está sendo concedido a elas pelo resto da sociedade. De qualquer modo, sinto que já há, hoje em dia, uma preocupação em abordar a questão da inclusão de modo correto, o que já é um ótimo começo.
Você já afirmou que respeitar a diversidade é básico. Que é preciso agora que a sociedade valorize a diversidade…
Sim, o respeito à diversidade, no meu entender, é um direito de todo ser humano. Temos agora que avançar nossa compreensão no sentido de que todos têm uma contribuição valorosa a dar ao mundo. Esta contribuição pode ser intelectual, moral ou afetiva. Quando aprendermos a incorporar à sociedade o que cada um tem a oferecer, viveremos em um mundo muito mais rico e interessante. Talvez essa consciência pudesse começar nas escolas, que poderiam abordar este tema no seu currículo básico.
Depois de mais de uma década de trabalho, o que ainda é um desafio para o Programa Especial?
Nosso grande desafio é estar sempre nos transformando para refletir o que acontece na sociedade em termos de inclusão mas, ao mesmo tempo, estar na vanguarda dos acontecimentos para contribuir para uma mudança positiva da sociedade. Temos que estar atentos para estar sempre em transformação, mas sem perder a nossa essência.
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