A NOIVA DOS LIVROS

Arte digital: Chris Herrmann

 

A NOIVA DOS LIVROS

 

Foi assim: no dia 29 de novembro de 2012, me liga uma moça chamada Carolina e me diz que quer comprar um dos meus títulos, “Eros e Psique”, que publiquei em 2006, com lançamento em 4 de fevereiro de 2007, junto com os “44 Sonetos escolhidos”, de William Shakespeare, num domingo lindo, na Casa Austregésilo de Athayde, no Cosme Velho, onde realizamos um “Chá com Shakespeare”, que ficou na história.

“Eros e Psique” é um poema de Fernando Pessoa, que publicamos em uma edição especial, junto com as imagens de Gustave Doré para “A Bela Adormecida”, que se baseia no mesmo conto de Apuleio, que acrescentamos no final, além da apresentação que explica a abordagem psicológica de Hillman sobre o mito grego. Foi feito em duas cores de capa, com preto e dourado, e as imagens em preto e branco originais. Foi uma edição de mil exemplares que se esgotou e que mandei imprimir novamente para atender à demanda. Ele vende sempre. Mas não como desta vez.

Quando perguntei quantos exemplares ela queria, ela respondeu: “Oitenta”. “Nossa”, eu disse. “Você é uma loja?” “Não, particular”. “Você vai dar de presente os livros?” Ela disse: “Vou dar como lembrança do meu casamento junto com os bem-casados. Em vez de dar uma lembrancinha qualquer, resolvi dar algo que dure. Gosto muito desse livrinho e queria fazer algo diferente”. E acabou arredondando a conta para 100.

Carolina me surpreendeu, porque nunca imaginei que o livro que concebi apenas para reunir as imagens de Gustave Doré e o poema de Fernando Pessoa por se reportarem à mesma lenda pudesse ganhar um lugar de destaque na vida de alguém. Já tive uma psicóloga que comprou 20 exemplares para dar de presente a seus alunos de psicologia, mas como lembrança de casamento, não.

Fiquei tão encantada com a iniciativa dela que perguntei o nome do noivo. Ela disse: “João Procópio” (neto de Procópio Ferreira!). No dia seguinte, ela fez o depósito referente à compra dos livros, exatamente na data de aniversário de morte de Fernando Pessoa, autor do poema, em 30 de novembro. A coincidência não pode ter sido à toa. Nem foi à toa que essa noiva elegeu este poema para estar presente no dia do seu casamento no dia 15 de dezembro, em São Paulo.

Mas, para arrematar meu enlevo, à noite, ao pegar um exemplar para dar uma olhada nele, li no colofon a data de impressão da 1ª edição: 30 de novembro de 2006, exatos seis anos antes, ou seja, fechou-se um meio ciclo (um ciclo inteiro tem 12 anos) de relevância em relação a este livro, que foi alçado à lembrancinha dos noivos para seus convidados, um poema que celebra o amor que vence todos os obstáculos para viverem felizes para sempre.

 

  1. T.: Rodrigo Ferrari, dono da bela Livraria Folha Seca, na Rua do Ouvidor, era um dos convidados para esse casamento de Carolina e João Procópio, e depois me contou que ganhou o livrinho que ele tem na Folha Seca para vender. O mundo é realmente muito pequeno.

 

Thereza Christina Rocque da Motta

30 de novembro de 2025

 

 

 

 

Colunista ArteCult e editora
da Ibis Libris Editora (@ibislibris)

 

 

 

 

 

Author

Thereza Christina Rocque da Motta (São Paulo, SP, 1957) é poeta, editora e tradutora. Foi Jurada de Tradução do Prêmio Jabuti, em 2018. Recebeu a Medalha Chiquinha Gonzaga da Câmara dos Vereadores, em agosto de 2021. Coordena a Ponte de Versos desde 2000, evento incluído no Calendário Oficial de Cidade do Rio de Janeiro, em 2024. Fundou a Ibis Libris no Rio de Janeiro, em 2000. Publicou Joio & trigo (1982), Capitu (2014), Lições de sábado (crônicas, 2015), Minha mão contém palavras que não escrevo (2017), O amor é um tempo selvagem, Lições de sábado Vol. 2 e A vida dos livros Vol. 2 (2018), Poesia Reunida 40 anos (1980-2020), Sheherazade: Novas lendas das 1001 noites e três já conhecidas (2022), entre outros. Traduziu, entre outros, Marley & Eu, de John Grogan (2006), A Dança dos Sonhos, de Michael Jackson (2011), 154 Sonetos, de William Shakespeare (2009), Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll e O Corvo, de Edgar Allan Poe (2020), Mais mortais que os homens, org. Graeme Davis (2021) e A última casa da Rua Needless, de Catriona Ward (2023), vencedor do British Fantasy Award, como Melhor Romance de Terror de 2022.

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