Mitologias pelo mundo, além da grega: a história de todos nós – parte XIV – conheça a Mitologia Polinésia

O importante não é ver o que ninguém nunca viu, mas sim pensar o que ninguém nunca pensou sobre aquilo que todo mundo vê.
Arthur Schopenhauer (1788-1860), filósofo alemão

Na primeira parte deste longo artigo, situamos o contexto histórico e algumas questões filosóficas, por assim dizer, sobre os quais as mitologias pelo mundo, de um modo geral, foram edificadas. Na segunda parte, a temática versou sobre a mitologia grega, talvez uma das mais famosas em todo mundo. Na terceira parte, mergulhamos em passagens mitológicas da nossa terrinha tupiniquim, com histórias dos povos originários e dos negros africanos que foram, indignamente, escravizados e trazidos para o Brasil. Na quarta parte, começamos, efetivamente, digamos deste modo, a passear pelas mitologias de vários povos, iniciando, este passeio, pela nossa América Latina, com históricas dos povos pré-colombianos e mesoamericanos. Na quinta parte, regressaremos para a Europa, com partes de histórias que, também, muito influenciaram a nossa cultura brasileira, até porque, mantiveram forte relação com a cultura da Grécia Antiga, no caso da mitologia romana, ou que nos fascinam sobremaneira, até os dias atuais, como a egípcia. Na sexta parte, falaremos, brevemente, sobre dois povos um tanto menos conhecidos dos que os gregos, os romanos e os egípcios, mas que com eles mantiveram profundas relações culturais e, especialmente, conflituosas, os frígios e o hititas. Estes últimos, com destaque especial para as várias guerras travadas com os egípcios. A despeito do espírito guerreiro, suas mitologias também são capazes de nos encantar. Continuemos, pois, nossa viagem encantada pelo mundo antigo e suas belas histórias. Na parte sétima, passeamos um pouco pelas culturas árabe e persa, diferentes, porém, um tanto conectadas entre si, bem como, por mais incrível que possa parecer para alguns, com a cultura judaica, isso, para além da localização geográfica e histórica. Na oitava parte, em nossa viagem, fomos mais para o norte do globo terrestre, mais precisamente, para as terras bárbaras (germanos, eslavos, tártaro-mongóis, vikings etc.) do deus Thor e de tantos outros queridos personagens mitológicos. Na nona parte, rumamos para o Oriente distante, para o segundo maior território nacional, que abriga a maior população do planeta e dialogamos um tanto com a mitologia do vasto, complexo e bonito Império Chinês. Fomos para o Extremo Oriente e rumamos para o Império do Sol Nascente, o Japão e sua rica cultura milenar. Mantendo a viagem pelo Oriente, conhecemos um tanto da cultura mitológica de eslavos e russos, povos tão fascinantes quanto misteriosos. Dando certa seqüência no que podemos classificar, como na parte anterior, de povos misteriosos, porque com culturas bastante distantes da nossa, seguiremos viagem para a Índia, segundo país mais populoso do planeta (só perde para a China). A escala anterior da nossa viagem foi por uma região que, dizem os historiadores, talvez tenha começado o que chamamos hoje de “civilização humana”, ao menos no sentido das primeiras e grandes comunidades gregárias, como os Assírios, os Babilônicos e os Sumerianos (dentre outros), área desde sempre muito conflagrada, infelizmente, que conhecemos por Oriente Médio. Pedi para esquecermos os massacres que têm tido lugar por lá, as barbaridades que são cometidas em nome de um deus de amor que seus detratores não crêem, na verdade, as atrocidades mentirosas que, como mostrou Mark Twain, são contadas sobre a história de vários povos locais tão sacrificados, mesmo por outros povos que também foram perseguidos há não muito tempo histórico, e sugerir que nos deleitássemos um tanto com mais região rica em muitas coisas, inclusive no tocante às mitologias que por lá nasceram. Nossa viagem está quase no final, ao menos esta que estamos realizando sobre as mitologias pelo mundo. Na penúltima escala, iremos fazer breve visita a uma região tão famosa quanto, por outro lado, pouco conhecida, a Polinésia e dela, na última escala, iremos para a mitologia dos aborígenes australianos.  É sempre importante conhecermos, o mais possível, sobre aquilo de quem ou do quê falamos ou escrevemos, como nos mostrou Schopenhauer senão, há sempre o risco de falarmos besteira, além de supervalorizar outras pessoas ou fatos ou coisas, que não mereceriam tanto de nossa estima. Enfim… vamos para a Polinésia!

 

Mitologia Polinésia

Estátuas supostamente ritualísticas

A Oceania é um continente insular (formado por ilhas), composto por 14 países: Austrália, Nova Zelândia, Samoa, Tonga, Tuvalu, Vanuatu, Kiribati, Nauru, Palau, Papua Nova Guiné, Ilhas Fiji, Ilhas Marshall, Ilhas Salomão e Estados Federados da Micronésia. O nome Oceania é uma referência ao Oceano Pacífico. É importante lembrar que nem todos os arquipélagos do Pacífico fazem parte da Oceania; os que estão próximos à América, por exemplo, pertencem a este continente. O mesmo raciocínio se aplica às ilhas próximas da Ásia – como é o caso do Japão, da Indonésia e das Filipinas. A Oceania possui cerca de 37 milhões de habitantes que ocupam terras de cerca de 9 milhões de Km2. Sozinha, a Austrália, por alguns classificada como a maior ilha do mundo, representa 85% dessa superfície e concentra 60% da população. As outras ilhas (mais importantes) que compõem o sistema estão abaixo listadas:

Micronésia: pequenas ilhas situadas do Norte da Melanésia, basicamente as Ilhas Marshall, a Ilha Kiribati, a Ilha Palau, a Ilha Nauru e os Estados Unidos da Micronésia (propriamente ditos).

Melanésia: ilhas de médio porte situadas à Nordeste da Austrália, como a Ilha de Vanuatu, a Ilha de Nova Guiné, a Ilha de Papua Nova Guiné e as Ilhas Fiji, além das Ilhas Molucas e da Ilha Nova Caledônia.

Polinésia: Austrália, Nova Zelândia, Samoa, Tuvalu e Tonga – até ilhas próximas ao Havaí (que pertence ao continente americano).

 

Cosmogêneses

Conta a lenda que Te Kore, o vazio primordial, deu origem a Ranginui e Papatuanuku, que eram inseparáveis, mas viviam na escuridão; seus filhos decidiram, porém, separá-los, criando espaço e luz. Esta é a síntese do Mito da Criação local, razoavelmente disseminado por toda a região.

Em outra versão, como o côco era um alimento fundamental para os polinésios, sagrado mesmo, para alguns, o Universo foi explicado como sendo o resultado de um gigantesco côco, transformado pelo Deus Vari, criador dos mundos, que vivia no caule deste côco gigante.

Deus Supremo Vari (representação)

 

O PANTEÃO POLINÉSIO
(retirado do link abaixo e aqui reproduzido ipsis litteris)                                                                                          https://aminoapps.com/c/wiccaebruxaria/page/blog/mitologia-polinesia/PJak_BNKFmuN27K3YLllnYRz6E8nRJ3a3YG

Ranginui (Rangi): O “pai céu”, Deus do céu e pai de todos os Deuses da mitologia Polinésia. Rangi foi casado com Papa, deusa da terra, mantendo-a junto a si com um abraço, quem mantinham céus e terra juntos. Ele a fecundou, e quando os outros Deuses, como Tangaroa e Tane nasceram separaram céus e terra. Rangi chorou pelo afastamento, e suas lágrimas caem em forma de chuva.

Papatuanuku (Papa): A “mãe terra”, esposa de Rangi, Papa era também mãe dos deuses primitivos, como Tangaroa e Tane. Foi abraçado por Rangi no principio da criação, porém ambos se afastaram quando os outros deuses nasceram. Papa ficou vermelho sangue quando isso ocorreu.

Papatuanuku, a “Deusa Mãe” (representação)

Tangaroa: Primogênito de Rangi e de Papa, Tangaroa era a deidade do mar e dos peixes, exercendo também influência sobre os répteis. Sua personalidade era agressiva, e suas ondas gigantes engoliam grande porções de terra, enquanto suas tempestades matavam pessoas aos montes. Sua esposa segundo alguns era Hina, mas ela acabou por abandoná-lo.

Tane: Deus das florestas, irmão de Tangaroa. Foi ele o responsável pela separação de Papa e de Rangi, fazendo crescer um tronco gigantesco, por ordem de Tangaroa, a quem respeitava. Ele era menos perigoso e agressivo que seu irmão, porém em certa época acasalou com árvores, produzindo muitos e perigosos monstros, como os dragões e as cobras. Mais tarde, ouvindo as súplicas dos humanos, criou para si uma esposa de areia.

Hine-Nui-Te-Po: Deusa polinésia da morte, era gigante com a fisionomia da Hina, esposa de Maui. Certa vez, Maui embateu-se com ela, terminando por morrer, e estendendo esse destino a seus descendentes. Era terrível, ceifando a vida das pessoas sem se importar com os que chorariam ou sofreriam.

Hine-Tei-Wauin: A grande Deusa Hina, em seu aspecto de Deusa do parto e da maternidade era chamada de Hine-Tei-Wauin. Como o parto era difícil, ela criou um conjuro poderosos, para evitar as dores do parto. Esse conjuro é comum de ser usado até hoje pelas parturientes.

Pele: A bela e sensual Deusa do fogo, Pele veio a terra e casou-se com um chefe mortal de nome Lohiau. Era a portadora dos raios e das erupções vulcânicas, vagando tanto pelo céu quanto pelo submundo, de onde desencadeava as erupções. Passional, matou Lohiau e uma de suas irmãs quando o viu admirado-as as suas formas sensuais.

Lono: Deus do céu havaiano, Lono era uma divindade pacifica, relacionado á agricultura. Sua vinda a Terra era no inverno, quando fertilizava a terra e eram dirigidas a ele orações pela fertilidade dos campos. O resto do ano, permitia a Ku que reinasse em seu lugar.

Ku: O Deus Ku (no resto da Polinésia, Tu) era divindade responsável pela guerra. Reinava durante oito meses sobre a terra, quando Lono se ausentava do mundo. Era instigador da inveja e da cobiça entre os humanos. Em certas versos, junto com Lono e Tane povoou o mundo.

Hina: Grande Deusa da mitologia polinésia assume muitas e variadas formas, como a devi indiana. Era personificação da fertilidade, e era a elas que os polinésios rezavam por saúde e boas colheitas. Nas famosas lendas de Maui dos mil truques é esposa dele, e sacerdotisa da tribo. Em outras é esposa de Tane, ou de Tangaroa, a quem abandonou para viver com a lua.

Maui: Herói trapaceiro da mitologia Polinésia. Maui era nativo das ilhas do Havaí. A mãe, que fazia tecido com a fibra das palmeiras achava-o tão fraco que preferiu afogá-lo. Maui, porém, sobreviveu às ondas, e tornou-se um homem extremamente forte, sem medo em seu coração. Em uma de suas aventuras, ergueu muitas ilhas da Polinésia para acabar com as guerras por terras. Em outra é responsável por roubar o fogo da galinha guardiã, no submundo. Sua aventura mais famosa é aquela em que laça o Deus sol pelo pescoço, até que ele ande mais devagar em seu curso, e para que os dias sejam maiores.

Deus Maui

Alguns mitos locais   

A Terra teria sempre existido na forma de hoje. As Ilhas do Almirantado (um grupo de 18 ilhas no Arquipélago de Bismarck), também conhecidas como Ilhas Manus, devido ao nome da maior ilha do arquipélago, formam a Província de Manus da Ilha de Papua-Nova Guiné (a área total é de 2.100 km²). A população acreditava que não havia nada além de um mar gigantesco, onde morava uma grande serpente (outros povos mencionam uma enorme serpente, em suas mitologias, como os incas, os chineses…), que procurava um lugar em que ela pudesse descansar. Sem achar, gritou: “Deixe o arrecife subir!”, e o arrecife surgiu do oceano, tornando-se terra firme.

Em outra versão, um homem e uma mulher, depois de terem flutuado sobre o mar gigantesco, escalaram um pedaço de madeira e se perguntaram se o oceano teria fim ou não. As águas, subitamente, se retiraram e a terra apareceu cheia de colinas, contudo, estéril e sem vida. Por esta razão, os dois seres plantaram árvores e criaram alimentos de vários tipos e vida nasceu, abundante.

Em Nova Bretanha, outra pequena ilha local, entre as tribos costeiras da Península Gazelle, encontramos a história familiar da pesca no fundo do mar, uma tarefa que foi realizada pelos irmãos, To-Kabinana e To-Karvuvu. A mesma história em detalhes um pouco maior é encontrada também no sul das Ilhas Novas Hébridas. Esta concepção de um mar primordial é amplamente encontrada na Melanésia e Polinésia Central, na Micronésia e na Indonésia (Ásia).

 

Criação do homem – Ilhas Novas Hébridas

Takaio, uma divindade, fez dez estátuas de homens, do lodo. Quando terminaram, ele soprou sobre eles (novamente a questão do barro e do sopro, como em tantas mitologias diferentes): soprou sobre os olhos, as orelhas, a boca, as mãos, os pés e, assim, as estátuas ficaram vivas, mas todas as pessoas que ele tinha eram homens e Takaio não estava satisfeito. Então ele lhes disse para acenderem um fogo e cozinhar um pouco de comida; quando eles o fizeram, ordenou que eles parassem e jogou em um deles algumas frutas. Este homem foi transformado em uma mulher. Takaio ordenou que a mulher ficasse sozinha na casa. Depois de um tempo, ele enviou um dos nove homens para pedir fogo, e ela o cumprimentou como seu irmão mais velho; um segundo foi enviado para pedir água, e ela o cumprimentou como seu irmão mais novo; e assim, um após o outro, ela os cumprimentou como parentes, todos menos o último, recebido como marido. Takaro disse a ele: “Pegue-a como sua esposa, e vocês dois viverão juntos”.

 

Criação do Homem – Nova Bretanha

No início, uma divindade desenhou duas figuras de homens no chão, e depois, cortando-se com uma faca, polvilhou os dois desenhos com o sangue e os cobriu com folhas; depois de um tempo, eles ganharam vida; eram To-Kabinana e To-Karvuvu. O primeiro escalou uma árvore de nozes de côco, e escolhendo dois deles, jogou-os no chão, onde eles eclodiram e se transformaram em duas mulheres, que ele tomou como suas esposas. Seu irmão se interessou pelas mulheres e To-Kabinana explicou o que houvera feito. To-Karvuvu também escalou uma árvore e também jogou duas nozes no chão, mas elas caíram de modo que seu lado inferior atingiu o chão, e delas vieram duas mulheres com os rostos deformados. To-Karvuvu, com ciúmes e inveja porque as esposas de seu irmão eram mais bonitas que as dele, pegou uma das esposas de To-Kabinana, abandonando as duas mulheres que considerava feias.

Versão alternativa da mesma região conta versão distinta para explicar as duas classes de casamento. To-Kabinana disse a To-Karvuvu, “Você recebe dois cocos de cor clara. Um deles você deve esconder, depois traga o outro para mim”. To-Karvuvu, no entanto, não obedeceu e pegou um claro e um escuro. Escondendo o último, levou o de cor clara para seu irmão, que o amarrou ao tronco de sua canoa e se sentou no arco, remando para o mar. Ele não prestou atenção ao barulho que a noz fez quando atingiu os lados da sua canoa nem olhou ao redor. Logo, a casca de côco se transformou em uma bela mulher, sentada no tronco da canoa, e dirigia, enquanto To-Kabinana remava. Quando ele voltou para a terra, seu irmão estava apaixonado pela mulher e desejava levá-la como sua esposa, mas To-Kabinana recusou seu pedido e disse que agora faria outra mulher. Consequentemente, To-Karvuvu trouxe o outro côco, mas quando seu irmão viu que era de cor escura, ele censurou To-Karvuvu e disse: “Você é realmente um sujeito tolo, trouxe miséria sobre nossa raça mortal. Agora, seremos divididos em duas classes, você e nós”. Então amarraram a nozes de côco ao caule da canoa, e remando como antes, a noz se transformou em uma mulher de pele escura; mas, quando eles voltaram para a costa, To-Kabinana disse: “Infelizmente, você só arruinou nossa raça mortal. Se todos nós estivéssemos apenas uma pele, não deveríamos morrer. Agora, porém, essa mulher de pele escura produzirá um grupo e a mulher de pele clara, outro, e os homens de pele clara se casarão com a mulher de pele escura, e os homens de pele escura se casarão com as mulheres de pele clara”. E assim, a humanidade foi dividida em duas classes mortais, além de ter começado a divisão de cores/raças entres os homens.

 

Criação da Humanidade – Ilhas do Almirantado

Diz o mito que um primeiro homem estava sozinho e ansiava por uma esposa. Ele pegou seu machado, entrou na floresta e cortou uma árvore, moldando-a em forma de mulher e disse: “Minha madeira, se torne uma mulher!”, e a imagem veio à vida (história similar pode ser observada na mitologia grega, de Pigmalião e Galateia, como vimos na parte II deste longo artigo).

Nas Ilhas Banks existe a história de Qat, que foi o primeiro homem a cortar madeira de dracena (planta arbórea também conhecida como dragoeiro, cuja origem é a Ilha da Madagasgar, nas costas da África Oriental; é muito utilizada em decorações paisagísticas porque apresenta folha alongadas e de um verde muito intenso) e a formatá-la em seis figuras, três homens e três mulheres. Quando o trabalho foi concluído, o homem original escondeu suas esculturas por três dias; dançando na frente deles e vendo que eles começaram a se mover, bateu o tambor diante deles com ainda mais intensidade e eles se moveram mais fortemente e assim ele os seduziu para a vida. Ato contínuo, o homem original dividiu as esculturas vivas em três pares, homem e esposa. Ao ver tal cena, Marawa, que era um demônio invejoso, viu o que Qat tinha feito e ficou determinado a fazer o mesmo; pegou outra dracena e quando formou as imagens, colocou-as e bateu o tambor diante delas, e deu-lhes a vida como Qat tinha feito. Quando os viu se mover, Marawa cavou um poço e cobriu o fundo com folhas de côco, enterrando seus homens e mulheres nele por sete dias. Quando ele os desenterrou , encontrou-os inanimados e decompostos, sendo essa a origem da morte entre os homens.

De acordo com outra versão, enquanto o primeiro homem era feito de barro/argila (outra vez!) vermelha por Qat, ele criou a primeira mulher de hastes de galhos flexíveis cobertos com as espinhas das palmeiras de sagu, assim como os nativos locais ainda fazem, confecciobnando chapéus altos que são usados em danças sagradas, e com ela se casou (mantendo a semelhança com a história de Pigmalião e Galateia).

 

Outra história sobre a origem da Humanidade

Uma mulher, uma deidade antiga, chamada Hi-asa, que morava sozinha, um dia cortou o dedo ao raspar as tiras de pandanus (um tipo de planta local com espinhos e folhas afiadas). Coletando o sangue da ferida em uma casca de mexilhão, Hi-asa colocou uma capa sobre ela e jogou-a fora; mas, depois de onze dias, quando olhou a casca, viu que continha dois ovos. Ela os cobriu, e depois de vários dias eles eclodiram, um produzindo um homem e o outro uma mulher, que se tornaram pais da raça humana. Na ilha vizinha de Nova Bretanha, um conto dá a origem similar para os dois irmãos To-Rabinana e To-Karvuvu.

Uma velha estava vagando em uma praia à procura de mariscos e ao pegar duas tiras de pandanus, cortou-se. As duas tiras de pandanus, cobertas com o sangue dela, foram postas em um monte de lixo que ela pretendia queimar; mas depois de um tempo a pilha de lixo começou a inchar, e quando a velha estava prestes a acender o fogo, viu que dois meninos haviam crescido de seu sangue — do sangue do braço direito, To-Kabinana e do esquerdo Braço, To-Karvuvu.

Em vários pontos da Ilha da Nova Guiné alemã (e em outros lugares do planeta), encontramos contos semelhantes de crianças originárias de coágulos de sangue, embora, particularmente, aqui, eles não sejam considerados pais da humanidade.

Uma origem da raça humana de plantas também existe nas Ilhas Salomão, onde é dito que dois nós começaram a brotar de uma haste de cana-de-açúcar, e quando a cana abaixo de cada broto, nasceu, um broto se transformou em homem e o outro, em mulher, e ambos se tornam os pais da humanidade.

Na Ilha de Nova Bretanha, dois homens (To-Kabinana e To-Karvuvu) estavam pescando de noite e um pedaço de cana de açúcar selvagem flutuava na rede de pesca , onde se enredou. Desengatando-o, jogaram-no fora, mas novamente foi enredado e foi descartado mais uma vez. Quando, no entanto, foi pego pela terceira vez, eles decidiram plantá-lo. A raiz cresceu e depois de um tempo começou a inchar, até que um dia, enquanto os dois homens estavam ausentes, a fronte eclodiu e dela saiu uma mulher que cozinhou comida para eles e depois voltou para o esconderijo. Os dois voltaram de seus afazeres e ficaram muito surpresos ao encontrar sua comida pronta, mas, como aconteceu nos dias seguintes, eles se esconderam para ver quem preparava seus alimentos. Depois de um tempo a haste se abriu e a mulher saiu, então eles a seguraram e não mais a deixaram ir embora.

Em algumas versões, a mulher tornou-se a esposa de um dos homens, e toda a humanidade descendeu deste par. Uma origem da primeira mulher de uma árvore e do primeiro homem da terra é dada, igualmente, pelas tribos papuas de Elema na Ilha da Nova Guiné britânica; enquanto nas Ilhas Novas Hébridas se diz que o primeiro ser feminino surgiu de uma noz de côco, que teria se transformado em uma mulher.

A origem do homem a partir de uma pedra é contada na Ilha da Nova Britânia. Os únicos seres no mundo eram o Sol e a Lua, mas se casaram, e de sua união nasceram pedras e pássaros, alguns dos primeiros teriam se transformando em homens, alguns dos últimos, em mulheres.

 

A Origem do Oceano

No início, o oceano era muito pequeno, apenas um diminuto buraco com água, pertencente a uma velha feiticeira e o sal vinha do cozimento de sua comida. Ela manteve o buraco escondido sob uma tampa de pano de toalha, e embora seus dois filhos repetidamente perguntassem a ela de onde ela obtinha o sal e a água salgada, a velha se recusava a responder. Sem respostas, eles decidiram espioná-la e viram a tampa e a água salgada. Quando ela saiu, eles foram ao local, abriram e rasgaram a tampa; quanto mais eles rasgavam, maior se tornava o buraco de água salgada. Aterrorizados, fugiram, cada um carregando um canto do pano; e assim a água se espalhou por muitas regiões, até se tornar um grande oceano, tão grande que apenas algumas rochas, cobertas de terra, ficaram acima dele. Quando a velha feiticeira viu que o mar aumentava constantemente, temendo que o mundo inteiro ficasse coberto por ele, fez nascer mais pedras e galhos ao longo da borda, impedindo o oceano de destruir todas as coisas e assim surgiram as terras emersas e as florestas.

 

Origem do Sol e da Lua

Diz o mito das Ilhas do Almirantado, que, quando o oceano secou para que o homem aparecesse, os dois primeiros seres, depois de plantar árvores e criar plantas alimentares, plantaram dois cogumelos; um foi jogado para o alto, pelo homem, dando origem à Lua, enquanto a mulher imitando o homem, jogou o outro cogumelo para cima e originou o Sol.

Na Ilha da Nova Guiné britânica, conta-se que um homem estava cavando um buraco profundo; um dia descobriu um pequeno objeto brilhante e tomou-o para si. Depois de retirado de onde estava, o objeto começou a crescer e, finalmente, escapando de suas mãos, subiu até o alto do céu, tornando-se a Lua. Se a lua tivesse sido deixada no chão até que ela nascesse naturalmente, teria dado uma luz mais brilhante; mas desde que foi retirada prematuramente, ela derramava apenas raios fracos.

Na Ilha da Nova Guiné alemã se relata como a Lua foi originalmente escondida em uma jarra por uma velha feiticeira. Alguns meninos descobriram isso e, em segredo, abriram o frasco, e a Lua escapou. Embora tentassem segurá-la, escorregou de suas mãos e subiu ao céu, levando as marcas de suas mãos na superfície, o que explica as manchas sombreadas que vemos na Lua.

Nas Ilhas Woodlark a origem do Sol e da Lua está ligada ao fogo. No início, uma velha feiticeira era a única dona do fogo, e apenas ela podia comer comida cozida, enquanto as outras pessoas comiam crus. O filho disse a ela: “Você é cruel; não nos dá fogo com o qual podemos cozinhar”. Certo dia, o garoto roubou algumas das chamas e, não só usou para si, como as entregou ao resto da humanidade (olha o mito de Prometeu aí!; segunda parte deste longo artigo). Com raiva de sua prática, a velha agarrou o que restava do seu fogo, dividiu-o em duas partes e jogou no céu, a maior porção tornou-se o Sol, e a menor, a Lua.

Em todos esses mitos, o Sol e a Lua parecem ser considerados objetos inanimados, ou pelo menos como tal, na origem. Outros contos, no entanto, os consideravam seres vivos. Como exemplo, o da versão de uma das tribos do distrito de Massim, da Ilha da Nova Guiné britânica.

Um dia, uma mulher que estava observando seu jardim perto do oceano, vendo um grande peixe fazendo o que hoje conhecemos por surf, caiu na água com ele, continuando a fazer isso por vários dias. De vez em quando, a perna da mulher, contra a qual o peixe tinha se esfregado, começou a inchar e tornou-se dolorida até que finalmente, para ver o que estava acontecendo, seu pai fizesse um corte no inchaço, e dele saiu uma criança (Zeus, na mitologia grega, também criou um filho costurado em suas coxas). O menino, que se chamava Dudugera, cresceu entre os outros filhos da aldeia e, brincando, um dia, acertou (em algumas versões; em outros, jogou de propósito) seu dardo sobre as outrss crianças; eles se irritaram e fizeram maldades com o irmão, em represália. Temendo que os outros pudessem prejudicá-lo ainda mais, a mãe de Dudugera decidiu enviá-lo para o pai dele; levou o menino à praia, e depois disso o grande peixe veio, agarrou-o na boca e o levou para o leste. Antes de partir, Dudugera advertiu sua mãe e parentes para se refugiarem sob uma grande rocha, pois em breve ele disse que iria subir de lá para o céu e, como o Sol, destruiria todas as coisas com o calor. Dito e feito e, exceto sua mãe e alguns outros poucos, quase todos pereceram. Para evitar a aniquilação total da humanidade, entretanto, sua mãe tomou uma calabaza (abóbora, em espanhol) com cal e subindo em uma colina perto da qual o Sol se levantava, lançou-a no rosto solar, o que fez com que o Sol fechasse os olhos e, assim, diminuísse a quantidade de calor e assim se manteve, para sempre.

Na mitologia melanésica, no início dos tempos, não havia noite e o dia era perpétuo. Nas Ilhas Banks, depois que Qat forjara os homens, os animais, as árvores e as pedras, ele ainda não sabia como fazer a noite, pois a luz do dia era contínua. Seus irmãos lhe disseram: “Isso não é nada agradável. Aqui não tem nada além do dia. Você não pode fazer algo por nós?” Quando Qat soube que em Vava, nas Ilhas das Torres, havia o que conhecemos por “noite”. Pois bem, Qat pegou um porco, e foi a Vava, onde ele tomou parte da noite de I-Qong, a Noite, que morava lá. E assim, a escuridão da noite, aplacando o calor do Sol, foi espalhado pela humanidade.

Outros contos dizem que Qat navegou até o limite do céu para tomar a noite, que enrubesceu as sobrancelhas e ensinou os homens como fazer o amanhecer. Qat voltou para seus irmãos, trazendo uma galinha e outras aves para avisar do amanhecer. Ele pediu a seus irmãos que preparassem leitos de frondes (em botânica, chamam-se de frondes, as folhas verdes e geralmente compostas das samambaias e das palmeiras; assumiu também, a sinonímia de “folhagem”). de côco. Então, pela primeira vez, eles viram o Sol se pondo no Oeste e, surpresos, gritaram por Qat, que os acalmou: “Vai logo desaparecer”, disse ele. Quando a noite durou o suficiente, o galo começou a cantar assim como as demais aves; Qat tomou uma obsidiana avermelhada e cortou a noite com ela, a luz sobre a qual a noite se espalhou, brilhava novamente, e os irmãos de Qat acordaram.

Obsidiana é uma pedra resistente e que pode ser muito afiada; os egípcios faziam cirurgias, como a trepanação com ela, que é uma técnica cirúrgica que consiste em perfurar um orifício em um osso do cérebro, para operá-lo; egípcios). Maias e vários outros povos antigos conheciam técnicas como essa e outras mais, além de terem conhecimentos avançados outros, como os relativos à Astronomia; o mundo antigo era mais ”sábio” do comumente achamos e muito do que hoje usamos ou fazemos e que, não raro, nos parece moderno ou até banal, começou no mundo antigo. Exemplo rápido, o Palácio de Buckingham, da monarquia britânica, possui uma pequena usina hidrelétrica para gerar sua energia e um dos mecanismos principais é o “Parafuso de Arquimedes”, que transporta água de baixo para cima, ao contrário do que nos mostra ser o natural, pela gravidade terrestre; essa água é que move as turbinas locais. Arquimedes foi um sábio da Grécia Antiga que viveu entre 287 e 212 antes de Cristo!

 

A origem do fogo

De acordo com uma versão contada pelos habitantes da Ilha de Motu Nui, que não é da Oceania, mas pertencente à Ilha de Páscoa, os primeiros homens não tinham fogo e comiam seus alimentos crus ou cozinhados no Sol até o dia em que eles perceberam uma fumaça subindo do mar. Um cachorro, uma cobra, um rato, um pássaro e um canguru viram a fumaça e perguntaram: “Quem vai correr até lá?” Primeiro, a cobra disse que tentaria, mas o mar era muito difícil de percorrer, e foi obrigada a voltar. O rato também tentou, mas igualmente teve que retornar. Um após o outro, todos tentaram, mas não tiveram sucesso. Então, o cachorro nadou até chegar à ilha de onde a fumaça subiu. Lá chegando, viu mulheres cozinhando com fogo e segurando uma estaca ardente, correu para a costa e nadou de volta com segurança até o continente, onde ele entregou a estaca de fogo aos habitantes locais, que dele, fogo, jamais se separaram, desde então.

Curiosidade. A Ilha de Páscoa ou Ilha de Rapa Nui (também nome do habitantes locais) pertence ao Distrito de Valparaíso, no Chile, desde 1888 (antes era uma colônia espanhola) é uma ilha vulcânica triangular com aproximadamente 170 Km2 (24 Km de comprimento por 12 Km de largura) e possui uma população de mais ou menos 4.000 pessoas, são os . É uma ilha famosa no mundo inteiro pelo mistério que encerra com suas muitas (são de 900!) e enormes estátuas (de até 20 metros de altura), os “Moais”, cuja idade está estimada por estudiosos entre 1.200 e 1.500 depois de Cristo. O mistério é que ninguém sabe, ao certo, de onde vieram as pedras em que foram esculpidas, como elas foram transportadas pela ilha nem erguidas, já que não havia ferramentas ou guindastes e os Rapanui não conheciam a roda; também não se sabe o porquê de terem sido esculpidas essas estátuas e em número tão elevado; enfim, não se sabe nada sobre elas.

Retomando a mitologia polinésia, algumas tribos dos Massim do leste da Nova Guiné britânica contam uma origem diferente. As pessoas não tinham fogo no início, aqueciam e secavam seus alimentos e roupas ao Sol. Havia uma velha feiticeira chamada Goga, que preparava comida fria para dez dos jovens, mas para si mesma preparava comida com fogo, que obtinha de seu próprio corpo. Antes dos meninos voltarem para casa, todos os dias, esvaziava os vestígios da fogueira e toda sorte de comida cozida para que não conhecessem seu segredo. Entretanto, um dia, a velha esqueceu um pedaço de comida cozida, acidentalmente, entre a comida dos rapazes, e quando o mais jovem comeu, achou muito melhor do que o que costumava ser dado a ele.

Os jovens resolveram descobrir o segredo e no dia seguinte, quando foram caçar, o mais novo dentre eles se escondeu em casa e viu a velha tirar o fogo de seu corpo e cozinhar com ele. Depois que seus companheiros voltaram, ele lhes contou o que tinha visto, e eles decidiram roubar uma parte do fogo para eles mesmos. No dia seguinte, cortaram uma enorme árvore, sobre a qual tentaram saltar, mas apenas o mais jovem conseguiu, então o selecionaram para o roubo. Ele esperou até que os outros tivessem ido, e depois, rastejando de volta para a casa, agarrou uma parte do fogo quando a velha não estava olhando e fugiu com o produto do roubo. A velha o perseguiu, mas ele pulou sobre a árvore, o que ela não conseguiu fazer. Enquanto corria, no entanto, o fogo queimou sua mão e ele o deixou cair na grama seca, que se incendiou e o fogo chegou a um pandanus que estava perto. No buraco desta árvore, vivia uma cobra, cuja cauda pegou fogo e ela queimou como uma tocha. A velha, achando que não conseguia ultrapassar o ladrão, evocou uma grande chuva, esperando assim apagar o fogo, mas a cobra, morta, ficou no buraco e antes da cauda parar de queimar, foi tomada por um dos garotos, que, deste modo, mantiveram o fogo com eles e que foi distribuído para as demais pessoas.

 

A origem da morte (em outra versão)

As divindades boas e más estavam discutindo com o homem depois de ele ter sido feito. O ancestral disse: “Nossos homens parecem se dar bem, mas você não tinha notado que suas peles começaram a enrugar, eles são ainda jovens, mas quando eles forem velhos, vão se tornar muito feios. Então, quando isso acontecer, nós vamos esfolá-los como uma enguia, e uma nova pele vai crescer, e, assim, os homens devem renovar sua juventude como as cobras e assim ser imortal.” Mas a divindade maligna respondeu: “Não, não deve ser assim, quando um homem é velho e feio, vamos cavar um buraco no chão e colocar o corpo ali, e assim estará sempre entre seus descendentes”. A divindade má acabou ficando com a última palavra e a morte veio ao mundo.

Nas Ilhas Banks, os homens originais não morriam, cobriam suas peles como cobras e caranguejos, e, assim, sua juventude era renovada. Um dia, uma mulher velha foi para uma corrente a fim de mudar sua pele e jogou a pele velha para a água, que flutuou. Quando ela voltou para casa, seu filho se recusou a reconhecê-la em sua forma nova e jovem, e para acalmar a criança, que chorava sem cessar, ela voltou com sua pele velha. A partir desse momento, e por esta razão, os homens deixaram de lançar suas peles e passaram a morrer quando envelheciam.

De acordo com outros contos, a morte foi o resultado de um erro. Ainda nas Ilhas Banks, diz o mito que os homens começaram a viver para sempre, lançando suas peles, e que a permanência da propriedade continuou nas mãos. Qat chamou um homem cujo nome era Mate (“Morte”), deitou-o sobre uma tábua e cobriu-o; depois Qat matou um porco e o dividiu com o companheiro entre os seus descendentes, os quais vieram e comeram na festa do funeral. No quinto dia, quando as conchas foram sopradas para afastar um fantasma, Qat removeu a cobertura, e Mate se levantou. Qat auxiliou o homem para os caminhos para o submundo e para as regiões superiores, local onde deveria ter se encaminhado. Contudo, Mate errou a direção e foi para as regiões inferiores e desde esse tempo, todos os homens, amaldiçoados, têm seguido o companheiro ao longo do caminho que ele, indevidamente, tomara, mesmo que por descuido.

Em mais outra explicação, a morte veio ao mundo devido a uma desobediência do homem. Os Baining da Ilha de Nova Britânia, dizem que um dia, o Sol, chamando todas as coisas juntas, perguntou quem queria viver para sempre. Todos vieram, exceto o homem; por isso as pedras e as cobras se tornariam imortais, mas o homem deveria morrer. Se o homem obedecesse ao Sol, ele teria sido capaz de mudar a sua pele ao longo do tempo como a serpente, e assim teria adquirido a imortalidade.

Nas Ilhas do Almirantado, diz-se que um homem foi pescar, mas um espírito maligno queria matá-lo e comê-lo e o homem fugiu para a floresta. Lá, ele usou uma árvore para se esconder, fechando-a, de modo que quando o mal chegou, não o viu, e foi embora. Após abrir a árvore, o homem saiu, mas antes, a árvore falou para ele: “Traga-me dois porcos brancos”, então o homem se foi para a sua aldeia e viu que tinha dois porcos, porém, ele tentou enganar a árvore e levou apenas um único um branco e outro negro, que havia clareado com giz. Descobrindo o ardil, a árvore repreendeu o homem e falou para ele: “Você é ingrato, embora eu tivesse sido boa para contigo e você não fez o que eu tinha pedido, ainda que você tivesse se refugiado em mim quando estava em perigo. Agora você não pode, e por isso deve morrer.” Então, como resultado da ingratidão deste homem, a raça humana ficou condenada à mortalidade e não pode escapar à inimizade de espíritos malignos.

 

Dilúvio e inundação

Como pode ser observado nos contos da Ilha da Nova Guiné britânica, a história diz que uma grande inundação (novamente, o dilúvio; que pode conter influências diretas de missionários, por exemplo) ocorreu, o mar subiu e transbordou para a terra, as colinas foram cobertas, e as pessoas e os animais correram para o topo da Tauaga, a montanha mais alta. Contudo, o mar os seguiu, o que amedrontou a todos. No entanto, o “Rei das Serpentes”, Raudalo, disse para não temerem. “Por fim, ele disse aos seus servos: ‘Onde agora estão as águas? E eles responderam: ‘Elas estão subindo, senhor. Depois de um tempo ele disse novamente, ‘Onde estão agora, as águas?’, e seus servos responderam, como haviam feito antes. E mais uma vez perguntou-lhes: ‘Onde agora estão as águas? Mas desta vez as três cobras, TitikoDubo e Anaur, tinham a resposta: ‘Elas estão aqui, e em um momento em que vão tocar-te, Senhor’.

Raudalo, voltando-se para as águas, estendeu sua língua bifurcada, e a tocou com a ponta; as águas furiosas, estavam prestes a cobri-lo. De repente o mar já não subiu, mas começou a fluir para baixo, ao lado da montanha. Raudalo ainda não estava contente, e perseguiu o dilúvio descendo a colina, de tempos em tempos, colocando diante de sua língua bifurcada que não haveria de detê-lo no caminho até o dilúvio cessar.

Em outra versão, um homem descobriu um lago em que havia muitos peixes e no fundo do lago vivia uma enguia mágica, mas o homem não sabia. Ele pegou muitos peixes e voltou no dia seguinte com o povo de sua aldeia a quem ele tinha dito sua descoberta e eles também foram bem sucedidos na pescaria. Uma mulher tentou prender a grande enguia, chamada Abaia, que habitava as profundezas do lago, mas a cobra escapou. A Abaia estava furiosa, por isso e porque seus peixes tinham sido pegos e, deste modo, ela invocou uma grande chuva a cair naquela noite, e as águas do lago também subiram, e todas as pessoas se afogaram, exceto uma velha que não tinha comido os peixes, salvando-se em uma árvore.

Mais uma mitologia riquíssima, em criatividade, em detalhes, em beleza, como costumam ser as mitologias, como ser os povos, quando deixam seu lado bom emergir e não sua (nossa) natureza egoísta e mesquinha. Mito é o que não existe ou o que, por vezes (nem sempre, mas creio que na maior parte das vezes), generosa e bondosamente, inventamos que existe, para que nós mesmos existamos sem maiores traumas e com mais alegrias e alívios desta difícil existência terrena? Façam suas apostas.

 

Carlos Fernando Galvão,
Geógrafo, Doutor em Ciências Sociais e Pós Doutor em Geografia Humana


cfgalvao@terra.com.br

@cfgalvao54

 

 

Bibliografia de consulta e sugerida para aprofundamento

  • CRAIG, D. Robert. Dicionário de Mitologia Polinésia. Hong Kong: Greenwood Press, 1989.

 

 

Author

Carlos Fernando Galvão é carioca, Bacharel e Licenciado em Geografia (UFF), Especialista em Gestão Escolar (UFJF), Mestre em Ciência da Informação (UFRJ/CNPq), Doutor em Ciências Sociais (UERJ) e Pós Doutor em Geografia Humana (UFF). Autor de mais de 160 artigos, entre textos científicos e jornalísticos, tendo escrito para periódicos como O Globo, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e Le Monde Diplomatique Brasil, também foi colaborador do Portal Acadêmico da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) entre 2015 e 2018. Atualmente, escreve com alguma regularidade no Portal ArteCult. É autor, igualmente, de 14 livros.

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