Mitologias pelo mundo, além da grega: a história de todos nós – parte XIII – conheça a Mitologia Mesopotâmica

 

A glória que é construída por cima da mentira, cedo se torna um embaraço desagradável.
Tão fácil é fazer com que as pessoas acreditem numa mentira e tão difícil que é desfazer isso.
Samuel Langhorne Clemens ou Mark Twain (1835-1910),
jornalista e escritor norte-americano

 

Na primeira parte deste longo artigo, situamos o contexto histórico e algumas questões filosóficas, por assim dizer, sobre os quais as mitologias pelo mundo, de um modo geral, foram edificadas. Na segunda parte, a temática versou sobre a mitologia grega, talvez uma das mais famosas em todo mundo. Na terceira parte, mergulhamos em passagens mitológicas da nossa terrinha tupiniquim, com histórias dos povos originários e dos negros africanos que foram, indignamente, escravizados e trazidos para o Brasil. Na quarta parte, começamos, efetivamente, digamos deste modo, a passear pelas mitologias de vários povos, iniciando, este passeio, pela nossa América Latina, com histórias dos povos pré-colombianos e mesoamericanos. Na quinta parte, regressamos para a Europa, com partes de histórias que, também, muito influenciaram a nossa cultura brasileira, até porque, mantiveram forte relação com a cultura da Grécia Antiga, no caso da mitologia romana, ou que nos fascinam sobremaneira, até os dias atuais, como a egípcia. Na sexta parte, falamos, brevemente, sobre dois povos um tanto menos conhecidos dos que os gregos, os romanos e os egípcios, mas que com eles mantiveram profundas relações culturais e, especialmente, conflituosas, os frígios e o hititas. Estes últimos, com destaque especial para as várias guerras travadas com os egípcios. A despeito do espírito guerreiro, suas mitologias também são capazes de nos encantar. Na parte sétima, passeamos um pouco pelas culturas árabe e persa, diferentes, porém, um tanto conectadas entre si, bem como, por mais incrível que possa parecer para alguns, com a cultura judaica, isso, para além da localização geográfica e histórica. Na oitava parte, em nossa viagem, fomos mais para o norte do globo terrestre, mais precisamente, para as terras bárbaras (germanos, eslavos, tártaro-mongóis, vikings etc.) do Deus Thor e de tantos outros queridos personagens mitológicos. Na nona parte, rumamos para o Oriente distante, para o segundo maior território nacional, que abriga a maior população do planeta e dialogamos um tanto com a mitologia do vasto, complexo e bonito Império Chinês. Fomos para o Extremo Oriente e rumamos para o Império do Sol Nascente, o Japão e sua rica cultura milenar. Mantendo a viagem pelo Oriente, conhecemos um tanto da cultura mitológica de eslavos e russos, povos tão fascinantes quanto misteriosos. Dando certa sequência no que podemos classificar, como na parte anterior, de povos misteriosos, porque com culturas bastante distantes da nossa, seguiremos viagem para a Índia, segundo país mais populoso do planeta (só perde para a China). Desta vez, a escala de nossa viagem será por uma região que, dizem os historiadores, talvez tenha começado o que chamamos hoje de “civilização humana”, ao menos no sentido das primeiras e grandes comunidades gregárias, como os Assírios, os Babilônicos e os Sumerianos (dentre outros), área desde sempre muito conflagrada, infelizmente, que conhecemos por Oriente Médio. Esqueçamos, então, os massacres que têm tido lugar por lá, as barbaridades que são cometidas em nome de um deus de amor que seus detratores não crêem, na verdade, as atrocidades mentirosas que, como mostrou Mark Twain, são contadas sobre a história de vários povos locais tão sacrificados, mesmo por outros povos que também foram perseguidos há não muito tempo histórico, e vamos nos deleitar um tanto com uma região rica em muitas coisas, inclusive no tocante às mitologias que por lá nasceram.

 

Mitologia Assírica-Babilônica-Sumeriana, Região Mesopotâmica

O povo da antiga Mesopotâmia, basicamente se divida do seguinte modo: Babilônicos do Sul, que alguns estudiosos classificavam como sendo mais intelectualizados e ligados às artes e à religião do que os Babilônicos do Norte, os Assírios, mais vigorosos e ligados às guerras. Por esta razão, na maior parte do tempo da existência desses povos, os Assírios dominaram política e militarmente a região, embora tal fato tenha sido revertido na parte final de suas vidas e, de todo modo, culturalmente, o domínio foi sempre dos babilônicos sulistas, mais ou menos como acontecia com o domínio político e militar da Roma, mas com proeminência cultural dos gregos. Assim, os Sumérios fizeram valer para a região suas divindades e mitos e os Semitas, sua língua e o sistema político. Os Semitas são compostos, hoje, basicamente, por árabes e judeus, embora na antiguidade, também houvesse compostos por outros povos minoritários, como os caldeus, os cananeus e os fenícios. O povo Semita é assim chamado por serem, dizem, descendentes de Sem, um dos filhos de Noé, família que, segundo o Antigo Testamento, originou muitos povos locais, como os hebreus e os árabes.

Mapa regional da Assíria e da Babilônia / Região Mesopotâmica

A Lei Assíria ou Lei das Assírias Médias ou Código dos Assírios foi um código jurídico elaborado entre 1.450 a.C. e 1.250 a.C. no Império Assírio, tal como havia na Babilônia e na Suméria, como o Código de Hamurabi (escrito, estima-se, em aproximadamente 1.770 a.C.), que foi um conjunto de leis escritas, um dos primeiros, talvez o primeiro, grande texto que, hoje, chamaríamos de código legal. O Código de Hamurabi é um monumento monolítico talhado em rocha, sobre o qual estão dispostas 46 colunas de escrita cuneiforme Acádia (Acádio era uma língua parecida com a Semita), com 282 leis fixadas em 3.600 linhas. A numeração vai até 282, mas a cláusula 13 foi excluída por superstições da época. A peça tem 2,25 metros de altura, 1,50 metro de circunferência na parte superior e 1,90 metro na base. Os artigos do Código de Hamurabi descreviam casos que serviam como modelos a serem aplicados em questões semelhantes, por analogia, até hoje, uma das principais fontes do Direito. Para limitar as penalidades, o Código pregava o Princípio ou Lei de Talião, que não era uma pessoa, ao contrário do que muitos pensam tendo, na crença popular, virado sinônimo de retaliação. Por esse princípio, a pena não seria uma vingança desmedida, mas proporcional à ofensa cometida pelo criminoso; tal princípio é resumido no ditado popular “olho por olho, dente por dente”.

Obs.: escrita cuneiforme é aquela que apresenta gravações em placas de barro ou argila, realizadas com ferramentas de cunha, ou seja, um instrumento feito de metal ou de madeira dura, em forma de prisma agudo em um dos lados e que é inserido no vértice de um corte para melhor fender algum material; também é usado para calçar, nivelar ou ajustar uma superfície ou peça qualquer.

 

Deuses Babilônicos

Chamache

O panteão assírico-babilônico-sumeriano (povos mesopotâmicos diferentes, mas com raízes em comum) era baseado em tríades de deuses, como as deidades Anu (Deus do céu), Enlil (Deus da terra, do ar e da tempestade) e Ea (Deus das águas) – aliás, tríades são esquemas básicos gerais de muitas religiões. Outra tríade importante era composta por Sin (Deus Lua), Chamache ou Xamaxe (Deus Sol) e Ishtar (Deusa do amor, da maternidade e da fertilidade e amante de Tamuz, Deus da fertilidade). Havia, também, uma tríade demoníaca: Labartu, Labasu e Akhkhazu.

Marduk, um dos principais deuses da Babilônia

Adoradores das forças na Natureza, do politeísmo e animistas, como todos os pagãos, os assírios-babilônicos associavam planetas, a deuses.  Por exemplo, o planeta Júpiter, foi identificado com Marduk ou Merodaque ou Shamash, o Deus Supremo da Babilônia; Vênus com a deusa Ishtar; Saturno com Ninurta (Deus da guerra, da caça e da agricultura); Mercúrio com Nebo (Deus da sabedoria e também da agricultura) e Marte com Nergal (outro Deus da guerra, da pestilência e senhor do além). Posteriormente, Marduk foi igualmente chamado de “Belu” (que quer dizer “dono”) ou “Bel” e teve por esposa, “Belit” (“senhora”).

De modo similar aos “santos padroeiros” dos católicos, as cidades da Babilônia também tinham suas próprias divindades guardiães: Ur era protegida por Sin; Eridu, por Ea; Nipur, por Enlil; Cuta, por Nergal; Borsipa, por Nebo e a capital Babilônia, por Marduk, processo reforçado com a ascensão ao poder, de Hamurabi (estima-se que tenha reinado entre 1.728 até 1.686 a.C. a 1.792 até 1.750 a.C.) e, depois, com Nabucodonosor (estima-se, do mesmo modo, que tenha reinado entre 600 a.C. e 560 a.C., ano suposto de sua morte).

Deus Enlil (estátua encontrada em Nippur, Iraque. 1800-1600 AC (Museu do Iraque)

Hamurabi fundou a cidade da Babilônia, a capital do império, mas foi com Nabucodonosor que houve a consolidação do reinado, além de, muito importante, talvez a primeira grande concepção religiosa monoteísta do mundo, com Marduk ou, como ficou conhecido também, a partir de então, Shamash, sendo considerado como Deus único e pessoal, embora a religião estatal tivesse continuado a ser politeísta. O mito, aqui, diz que, em aproximadamente 2.000 a.C., foi o próprio Marduk ou Shamash quem teria ditado para Hamurabi e seu Código, em processo similar ao que crêem, por exemplo, os católicos e os judeus, com os 10 mandamentos ditados por Deus, diretamente à Moisés, e os muçulmanos, cujo texto principal, o Corão, teria sido ditado por Alah (Deus) a Maomé. Diga-se de passagem, crença comum na região semita, como se percebe.

 

O mito da criação e o dilúvio

Representação do Deus Tiamat numa placa de argila babilônica

Os deuses originais solicitaram à Marduk que combatesse Tiamat, uma divindade demoníaca dos oceanos e, para tanto, lhe deram poderes extras que não tinha, antes da missão e, deste modo, venceu o desafio, impondo limites às águas, no que a história lembra a luta de Zeus, filho do Titã original Cronos (tempo), seu pai, que também teve que derrotar, além do próprio progenitor, o monstro Tifão. Ato contínuo, Marduk teria criado o homem de um punhado de barro/argila (já ouviram história semelhante, não ouviram?), para que este o adorasse, o servisse e  conservasse sua crença nos deuses, mas como isso não aconteceu conforme o desejado, os deuses decidiram acabar com a espécie humana e assim, mandaram, para exterminar a raça humana, um dilúvio, tal como na história de Noé. Ea, que gostava dos homens, teria aparecido em sonho para um deles, Utnapishtim e o mandou construir um grande navio, onde pudesse se salvar e salvar várias espécies de animais, com vistas a poder reconstruir a raça humana e a vida em geral. A tempestade desabou por 7 dias e 7 noites e, ao cessar, Utnapishtim mandou uma pomba, uma andorinha e um corvo para verificarem se havia terra em que pudessem viver, mas nenhuma das aves retornou.

Ele decidiu, então, fazer um sacrifício aos deuses. Enlil, que dera o castigo aos homens, descobriu o que chamou de traição de Ea, mas nada podia ser feito e ela, Ea, conferiu a imortalidade à Utnapishtim e à sua mulher. Essa é a base para a história chamada “A Epopéia de Gilgamesh” (daqui a pouco falarei um pouco desta história).

 

Prostituição Sagrada

O costume foi registrado pelo grego Heródoto, considerado como o “pai da História”, no século III a.C. Na Babilônia, nenhuma mulher se casava antes de passar pelo templo de Isthar. Lá, a mulher ficava à espera do primeiro homem que lhe jogasse uma moeda. Os mais generosos jogavam três. Mas o que importava é que a mulher não podia recusar o parceiro: para os babilônicos, a deusa ficaria muito ofendida caso a oferta não fosse aceita, e o casamento da jovem não teria futuro. Segundo Heródoto, depois de pegar os trocados, a senhorita deveria tirar a roupa e fazer sexo com o estranho ali mesmo, no templo da deusa, embora alguns historiadores neguem esta versão e digam que a mulher deveria ir a um local próprio para o sexo.

No mesmo período em que mulheres, supostamente, se prostituíam em nome de Isthar, devotas de Inana, (que também era a deusa da fertilidade dos sumérios) encenavam o casamento da divindade. Durante a celebração, que coincidia com o ano novo, uma mulher era escolhida na multidão para representar a deusa e o rei, tido como uma figura divina, transformava-se em Dumuzi, seu amante. Após os primeiros cânticos, os dois passavam para um aposento à parte, na torre do templo, o Zigurate. Lá, a mulher conduzia o monarca e deveria dançar sensualmente para ele, perfumar-se com aromas silvestres e deitar seu amante no leito, onde manteriam relações sexuais. O rito estendeu-se pelo Oriente Médio, até ser incorporado à cultura grega. Inana foi substituída por Afrodite e a prática passou a ser chamada, entre os gregos, de Hierosgamos (“sexo sagrado”), em que homem e mulher representavam suas partes no casamento dos deuses.

Essas mulheres ficaram conhecidas por alguns estudiosos, embora não seja consensual, como “Prostitutas Sagradas”; por outros, foram chamadas de “Sacerdotisas”. De todo modo, eram empregadas nos templos em honra aos deuses e celebravam rituais como cultos tântricos, quando a sexualidade era a tônica e o sexo era o instrumento para se alcançar o divino e as boas graças dos deuses. Muito da cultura que passou a História como “Paganismo” deve ter tido, ao menos parte de suas origens, em rituais como esses; no paganismo, ao menos para alguns de seus praticantes, deus era atingido pelo sexo e pelo culto das forças da Natureza, o que passou a ser considerado por muitos como heresia. O termo “pagão” vem do latim e designava, genericamente, aqueles que vivam nos campos; após o Império Romano ter se tornado, um tanto contraditoriamente para alguns, oficialmente cristão (já que foram os próprios romanos a crucificar Jesus Cristo ou Jesus, o Ungido), “pagão” passou a ser todo aquele que não fora batizado dentro dos conformes religiosos oficiais.

Enfim, essas mulheres, prostitutas para alguns, sacerdotisas para outros, foram tidas, na Europa católica, como “pagãs” e perseguidas como bruxas. Alguns esclarecimentos adicionais sobre o aqui disposto podem ser vistos, por exemplo, no artigo “O Debate historiográfico acerca da ideia de prostituição sagrada no antigo crescente fértil”, de Keila Fernandes Batista (Revista Vernáculo, n.28, 2º semestre, 2011), em que a autora nos traz algumas informações importantes, originadas de trechos escritos pelo Geógrafo e Historiador grego Heródoto (485 a.C. – 425 c. C.) – muitos consideram este o “Pai da História”:

A instituição mais indecorosa dos babilônicos é a seguinte: todas as mulheres habitantes da região devem ir a um tempo de Afrodite uma vez na vida e ter relações sexuais com um desconhecido. Muitas delas, orgulhosas por causa de sua opulência, consideram indigno misturar-se com as outras mulheres e vão até as proximidades do templo em carruagens cobertas, em cujo interior permanecem, com numerosos serviçais à sua volta. Em sua maioria, as mulheres agem da maneira seguinte: ficam sentadas no recinto de Afrodite com uma coroa de corda na cabeça. Há uma multidão delas, umas chegando, outras saindo, e são estendidas cordas em todas as direções no local onde as mulheres ficam esperando os homens, para que estes possam circular e as escolham. Depois de uma mulher sentar-se naquele lugar, não voltará à sua casa antes de o estranho lhe haver lançado dinheiro nos joelhos e de ter tido relações sexuais com ele, fora do templo.

Há autores que enxergam este ritual como um ato sagrado; outros, como um ritual de prostituição sagrada; outros como a origem da prostituição recreativa, por assim dizer. Não há conclusão definitiva. É um contexto em que, para alguns pesquisadores, como Keila F. Batista, a sexualidade da mulher acabou sendo controlada para que ela se mantivesse casta até o casamento, quando deveria ter filhos (tidos como) legítimos para herdar as posses do pai. Assim, conclui Keila, a liberdade sexual feminina sempre foi controlada pela família e pela igreja. Se a mulher “se soltasse”, é o que parece ter sido a tônica do pensamento de muitos, ontem e hoje, diga-se de passagem, poderia, nesta visão, ser a responsável por eventuais desvios dos desejos masculinos, induzindo o homem a pecar, além de gerar filhos ilegítimos (bastardos). A mulher não pode ter, para Keila, prazer e, se tiver, é apenas dentro do casamento. O sexo passou a ser tido, por muitos, como prática pecaminosa, embora em regiões como a Babilônia, a Suméria, a Fenícia, o Egito e em Canaã, no Crescente Fértil (região que abarca países hoje conhecidos como Palestina, Israel, Jordânia, Kwait, Chipe, Líbano, síria, Iraque, Irá, Turquia e Egito), o sexo, e mesmo a mulher, fossem coisas sagradas e ligadas às várias divindades, algo incompatível, por exemplo, com a ideia de um Deus macho, único e puro, como o denominou Keila. A mulher começou, no entender da autora e para outros estudiosos, a ser desvalorizada neste período, a partir da desvalorização das, antes valorizadas, sacerdotisas (equivalidas à meras prostitutas recreativas), e de sua substituição por sacerdotes, como no catolicismo, tanto quanto em numerosas outras religiões, notadamente as monoteístas.

 

A morte de Tamuz

A deusa Isthar desceu aos infernos em busca de seu amante, Tamuz, e teve que deixar, em cada uma das sete portas do Submundo, uma peça de roupa, chegando nua à frente da Rainha Erishkigal, (Deusa da morte e da renovação) que, ofendida, a fez prisioneira. Durante o cativeiro, a terra secou e tornou-se estéril, os animais morreram e o desejo entre homens e mulheres acabou. Receando ficar sem seus sacrifícios, os deuses intervieram junto às divindades do Reino Inferior e Isthar foi libertada, conseguindo, inclusive, retornar com seu amante. Entretanto, como a rainha do submundo gostava dele, o ressuscitou sob a condição de que ele ficaria metade do ano no inferno, com ela, lembrando muito a história do sequestro de Perséfone (Deus da agricultura e filha de Zeus e Deméter ou Ceres, daí a palavra “cereais’) por Hades (ou Plutão). E a mesma explicação das culturas mortas no inverno passou a fazer parte da mitologia Babilônica.

 

Mitologia Sumeriana

Os Sumerianos compuseram um povo que viveu 7 séculos antes de Cristo, ao sul da Mesopotâmia, onde hoje se localizam o Iraque e a Síria, e foram um dos pioneiros da escrita humana, chamada de “cuneiforme”, além de terem sido, igualmente, uma das primeiras civilizações conhecidas a desenvolver conhecimentos avançados de Matemática e Astronomia.

Assim como vários outros povos, como os gregos, os Sumérios acreditavam que o mundo surgiu de uma ruptura inicial entre o Deus do céu, chamado Na, e sua companheira, Ki. Quem se aproveitou da situação e provocou a ruptura foi o filho do casal, Enlil, que futuramente, destronaria o pai e se tornaria rei, tal como na história de Cronos e Zeus. Enlil seduziu e engravidou Ninlil, Deusa do ar, quando ela se banhava nua em um rio, o que, no entanto, desagradou outros deuses contemporâneos, que os baniram para o Submundo. Eles tiveram uma filha, Nanna, que escapou do inferno para onde havia sido encaminhada por uma maldição dos deuses originais (na Grécia chamariam de “Titãs”).

Detalhe do Selo Cilindrico de Ada com representação de Enki

Enki era o Deus da água que se apaixonou pela Deusa Nintu, com quem teve uma filha chamada Ninsar, que se tornou Deusa das vegetações. Enki engravidou a própria filha, que deu a luz a outra menina, Ninkurra, Deusa das montanhas que, por sua vez, também engravidou de Enki, seu avó, dando a luz a nova menina, Uttu, a qual também se tornou amante do bisavô. Nintu, furiosa com a situação, envenenou Enki e foi ele que, desta vez, engravidou, dando a luz a oito divindades diferentes, resultado dos oito tipos de plantas que lhe foram dadas pela companheira.

Havia, também, semideuses (como na Grécia Antiga), como Gilgamesh, rei da cidade de Uruk, famosa por suas enormes e imponentes muralhas, por ele supostamente construídas. Conta-se que o rei era belo e forte, porém, igualmente ganancioso e arrogante, além de ter, como Enki, um grande apetite sexual. A “Epopéia de Gilgamesh é uma das mais antigas histórias conhecidas, escrita em forma de poema, que se inicia com a exaltação do Rei e de suas virtudes. Entretanto, pela arrogância já mencionada, os habitantes de Uruk teriam rogado à deusa Aruru por alguém que desafiasse o Rei de Uruk e ela mandou Enkidu, que era um ser selvagem, sendo “civilizado” (seduzido) por uma cortesã sagrada, enviada por Gilgamesh, com este objetivo; Enkidu e Gilgamesh tornaram-se, assim, inesperadamente, amigos, depois de lutarem ferozmente entre si e de a luta haver terminado empatada; em outra versão, se tornaram, também, amantes.

A vida em Uruk teria se tornado tediosa para os dois e eles decidiram partir em busca de aventuras. Logo de cara enfrentaram o gigante Humbaba, que cospia fogo, e o mataram. Retornando ao palácio, Gilgamesh atraiu a atenção da Deusa Isthar, que por ele se apaixonou e pediu o Rei em casamento, prometendo-lhe presentes, poder e divinização. Gilgamesh se recusou, alegando que a deusa abandonava todos os seus amantes, após um tempo. Mesmo verdadeira, a situação, ofendida, a deusa se vingou, encaminhando um gigantesco touro para destruir o Rei, seu palácio e seu séquito. Entretanto, Gilgamesh e Enkidu também derrotaram o touro; para punir o rei, contudo, Isthar adoeceu Enkidu, que morreu. Amedrontado pela possibilidade de também morrer, Gilgamesh teria saído à procura de Utnapishtim, o único homem que havia sido poupado pelo dilúvio que ocorrera tempos antes, provocado pela ira dos deuses contra os pecados da humanidade (o Noé, sumeriano) e que se tornou imortal.

Ao achá-lo, Gilgamesh perguntou à Utnapishtim como ele conseguira atingir a imortalidade, mas este tentou mostrar ao Rei que tal objetivo seria, na verdade, inalcançável, salvo por graça divina. Compadecida de Gilgamesh, a esposa de Utnapishtim revelou, contudo, que haveria um jeito: uma planta que podia ser encontrada no fundo do mar a qual, ingerida, concederia o dom da imortalidade. Gilgamesh amarrou pedras em seus pés e mergulhou no mar, à procura da planta mágica; o Rei, achando a tal planta, não a comeu logo e decidiu levá-la para ingeri-la com os anciões de Uruk, mas adormeceu no meio do caminho e uma serpente, que sentiu o cheiro da iguaria, a teria comido, trocando de pele e rejuvenescendo. Outras aventuras são narradas e no final do poema, Gilgamesh morre.

Não há como negar a influência mútua que essas mitologia teve e recebeu de outras, como a católica e a grega, já narradas em partes anteriores deste longo artigo e mesmo em artigos passados, quando as religiões, especificamente, foram o foco da pesquisa. A humanidade, no fundo, é uma só, vivendo no mesmo pequeno planeta, com um equilíbrio ambiental muito delicado; se explodirmos bombas atômicas, dizem, o planeta não vai agüentar. Vai sim, o planeta aguentará, quem não aguentará será a vida que aqui existe e não apenas a humana; este planeta não é só nosso e, por nós e por toda vida nele existente, deveríamos cuidas melhor deste belo palco para todas essas mitologias que estamos a conhecer neste longo artigo. Senhoras e senhores, aguardem a próxima parada; nossa viagem está se aproximando do seu fim.

 

Carlos Fernando Galvão,
Geógrafo, Doutor em Ciências Sociais e Pós Doutor em Geografia Humana


cfgalvao@terra.com.br

@cfgalvao54

 

 

 

Bibliografia de consulta e sugerida para aprofundamento

  • SPACASSASSI, Geraldo. Mitos Mesopotâmicos – o início… os deuses.. legado cultural. Clube de Autores, 2024.
  • FERREIRA, M.V. Caminhos do Passado: História e Mitologia dos Sumérios. Amazon, e-book/kindle, 2023

 

Author

Carlos Fernando Gomes Galvão de Queirós é carioca, Bacharel e Licenciado em Geografia (UFF), Especialista em Gestão Escolar (UFJF), Mestre em Ciência da Informação (UFRJ/CNPq), Doutor em Ciências Sociais (UERJ) e Pós Doutor em Geografia Humana (UFF). Autor de mais de 160 artigos, entre textos científicos e jornalísticos, tendo escrito para periódicos como O Globo, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e Le Monde Diplomatique Brasil, também foi colaborador do Portal Acadêmico da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) entre 2015 e 2018. Atualmente, escreve com alguma regularidade no Portal ArteCult. É autor, igualmente, de 14 livros.

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