O que a literatura faz é o mesmo que acender um fósforo no campo no meio da noite. Um fósforo não ilumina nada, mas permite ver quanta escuridão existe ao redor. William Faulkner (1867-1962), escritor norte americano
Na primeira parte deste longo artigo, situamos o contexto histórico e algumas questões filosóficas, por assim dizer, sobre os quais as mitologias pelo mundo, de um modo geral, foram edificadas. Na segunda parte, a temática versou sobre a mitologia grega, talvez uma das mais famosas em todo mundo. Na terceira parte, mergulhamos em passagens mitológicas da nossa terrinha tupiniquim, com histórias dos povos originários e dos negros africanos que foram, indignamente, escravizados e trazidos para o Brasil. Na quarta parte, começamos, efetivamente, digamos deste modo, a passear pelas mitologias de vários povos, iniciando, este passeio, pela nossa América Latina, com históricas dos povos pré-colombianos e mesoamericanos. Na quinta parte, regressaremos para a Europa, com partes de histórias que, também, muito influenciaram a nossa cultura brasileira, até porque, mantiveram forte relação com a cultura da Grécia Antiga, no caso da mitologia romana, ou que nos fascinam sobremaneira, até os dias atuais, como a egípcia. Na sexta parte, falaremos, brevemente, sobre dois povos um tanto menos conhecidos dos que os gregos, os romanos e os egípcios, mas que com eles mantiveram profundas relações culturais e, especialmente, conflituosas, os frígios e o hititas. Estes últimos, com destaque especial para as várias guerras travadas com os egípcios. A despeito do espírito guerreiro, suas mitologias também são capazes de nos encantar. Continuemos, pois, nossa viagem encantada pelo mundo antigo e suas belas histórias. Na parte sétima, passeamos um pouco pelas culturas árabe e persa, diferentes, porém, um tanto conectadas entre si, bem como, por mais incrível que possa parecer para alguns, com a cultura judaica, isso, para além da localização geográfica e histórica. Nesta oitava parte, em nossa viagem, iremos mais para o norte do globo terrestre, mais precisamente, para as terras bárbaras (germanos, eslavos, tártaro-mongóis, vikings etc.) do deus Thor e de tantos outros queridos personagens mitológicos. Peguemos o avião para o norte.
Mitologia Nórdica ou Germânica ou Viking
Típica dos países nórdicos ou escandinavos (Suécia, Noruega, Finlândia, Dinamarca e Islândia, basicamente, embora englobe, também, uns tantos povos da Bretanha, hoje, França, e da Alemanha). Nesta mitologia, havia 9 mundos.
1 – Asgard – era o reino dos deuses, separado do mundo terrestre por imensos muros, embora invisíveis aos olhos humanos; Heimdall era o guardião da Bifrost, uma ponte que ligava dois mundos (Asgard e Midgard); o deus maior era Odin ou Wotan (Deus da sabedoria, da guerra, da vida e da morte), tendo por esposa, Frigga (Deusa da fertilidade e que, embora conhecesse o segredo dos Homens, não os revelava). Deuses e semideuses habitavam Asgard, como as Valquírias, filhas de Odin e Frigga, que tinham a missão de ir aos campos de batalha, após as guerras, e recolher os mortos – os que morreram com honra, para serem encaminhados ao Valhalla. Diz a mitologia que, para obter a sabedoria ampla que tinha, Odin ofereceu um dos olhos à Minir, guardião do mundo antigo, que flechou Odin e o deixou pendurado na árvore Yggdrasil (semelhante à “árvore do saber” do Éden judaico-católico) sendo Odin, deste modo, iniciado nas Runas (fonte e expressão do saber); Odin montava um cavalo de 8 patas para suas batalhas, animal que chamava Sleipnir.
2 – Midgaard era a Terra, o reino dos Homens, cuja principal guardiã era a deusa Jord.
3 – Muspelheim era o reino do fogo, onde viviam gigantes, cujo líder chamava-se Surtr.
4 – Jotunheim era o reino dos gigantes, os Jotuns, cujo líder era Thrym, de onde veio Loki (filho adotivo de Odin e Frigga).
5 – Svartalfarheim era o reino dos deuses subterrâneos, os Svartalfar, cujo líder era Hoder (era um deus cego, irmão de Balder, Deus da justiça, ambos filhos de Odin e Frigga).
6 – Helheim ou Niflheim era o reino do Submundo (similar ao Inferno católico ou o Tártaro grego), cuja líder era Hel, filha de Loki, e que foi amaldiçoada por Odin, a viver no inferno, que ficaria às margens do rio Nastronol (o equivalente ao rio Aqueronte, da mitologia grega).
7 – Vanaheim era o mundo de repouso dos deuses, cujo líder era Njord, Deus dos navegantes (como Agenor, na mitologia grega, um semideus, filho de Posseidon, que virou Rei de Tiro), que governava os Vanir.
8 – Alfheim era o reino dos Elfos, seres mágicos, de aparência quase humana e grande sabedoria e beleza.
9 – Nidavellir era o reino dos anões, localizado nos subterrâneos de Midgard, cujo líder era Vidar, Deus da vingança (filho de Odin e Frigga).
O equivalente ao paraíso católico seria o Valhalla, também conhecido como “Salão dos Mortos”; era o local onde deuses, os semi-deuses e os homens eram recebidos, após terem morrido de modo honrado nas batalhas. Neste local, deuses e homens valorosos passariam o resto da existência, até a chegada do Ragnarök.
Ragnarök seria o correspondente ao Armagedom católico, a disputa final entre o bem e o mal, quando, para os crentes, o mundo terminará. Ao contrário de outras mitologias, os deuses nórdicos não são imortais, embora vivam muito tempo; eles também morrerão no Ragnorök e darão origem a novos deuses e novas raças de seres vivos.
A Yggdrasil era uma árvore mítica, considerada a “árvore da vida” (também presente, em versões simlares, em mitologias diversas, como a católica, a tupiniquim…)_e que dava sustentação aos nove mundos mitológicos; ela seria o eixo do universo e suas raízes ligavam os 9 mundos.
Thor (Deus do trovão e o mais popular até hoje, cultuado em outros locais do mundo, como o faz o povo bretão e celta (chamando-o de Taranis); era filho de Odin e Jord e usava o Mjölnir, o martelo, que nunca errava o alvo, quando atirado por Thor; era casado com Sfi, que era Deusa da fertilidade e das colheitas e com ela teve 2 ou 3 filhos, a depender da versão.
Loki, filho adotivo de Odin e Frigga, era, assim, irmão adotivo de Thor, era o Deus da trapaça, da travessura e do fogo, também está ligado à magia e podia assumir a forma que quisesse.
Outros deuses importantes da mitologia nórdica são: Freyr (Deus da abundância), Freya (Deusa do amor e da luxúria e irmã de Freyr), Tyr (Deus do combate e filho de Odin), Bragi (Deus mensageiro, da poesia e da sabedoria e também filho de Odin), dentre outros.
Mitologia Celta
Os Celtas viveram da Ásia Menor, na Europa Ocidental e na Grã-Bretanha e a mitologia deste povo, que nos chegou por intermédio de monges cristãos que se converteram à religião Celta, é comumente dividida em três grandes grupos: mitologia irlandesa; mitologia galesa e mitologia galo-romana (da Gália, atual França). O auge da cultura Céltica foi durante a Idade do Ferro (aproximadamente entre 1.500 e 500 antes de Cristo) quando, contudo, talvez um tanto contraditoriamente, ao contrário das grandes civilizações da antiguidade, que eram razoavelmente coesas e territorialmente unidas viviam em pequenas e médias aldeias. A cultura céltica, por conta da expansão da Roma Antiga, a esta se mesclou. Uma curiosidade sobre os Celtas é que, embora houvessem construído alguns templos, também, adoravam seus deuses ao ar livre, posta sua crença nas forças da natureza e sua adoração pelas árvores e plantas. O panteão Celta apresenta vários deuses, mas segundo a maior parte dos estudiosos, até onde pude pesquisar, 12 são os principais.
Antes, contudo, de os vermos, rapidamente, apenas a título de informação, a Ásia Menor ou Península da Anatólia, área hoje pertencente à Armênia ou Curdistão e à Turquia, era (e é) uma grande península à Noroeste do Oriente Médio entre a Ásia e a Europa, limitada, ao Norte, pelo Mar Negro; ao Sul, pelo Mar Mediterrâneo; à Oeste, o Mar Egeu e à Leste, pelo Irã, pela Armênia e pela Geórgia. A área apresenta relevo acidentado, com algumas cordilheiras e muitos vales férteis e bacias hidrográficas. É a região onde, também, de modo contíguo, pode ser observada a área conhecida por Cáucaso, localizada no extremo oriental da Europa e no extremo ocidental da Ásia, unindo ambos os continentes, abrangendo, igualmente, o Mar Cáspio. Península, que significa “quase ilha”, é uma porção de terra ligada a massa territorial maior, um continente, por um filete de terra chamado “Istmo”.
Sucellus, Deus da agricultura e da bebida alcoólica; representado por um homem velho, porém muito forte, e com barba; às vezes aparece com uma coroa de flores na cabeça e com um cão de caça ao lado e um martelo ou um bastão em uma das mãos, além de uma caneca de bebida, na outra. As mudanças de estações aconteciam sob seu comando, ao tocar o martelo ou o bastão, no chão.
Taranis ou Toranos, deus do trovão; é um Deus guerreiro e teria uma carruagem tão poderosa que, quando se deslocava, causava o barulhão que ouvimos nos trovões e os raios seriam originários das rodas desta carruagem. É uma representação ambígua, porque ao mesmo tempo que representa a tempestade, que pode trazer coisas ruins, como a morte, também representa a vida, porque traz a água da chuva, fertilizando a terra. Por esta questão do trovão e do raio, é associado ao deus Thor, da mitologia Nórdica, e a Zeus, da mitologia grega.
Cernunnos, Deus dos animais (seus preferidos seriam a cobra, o lobo e o veado) e das colheitas; seus poderes, assim, são ligados à natureza; dos mais antigos deuses; representado com chifres para simbolizar suas habilidades, como a destreza e a sabedoria; é retratado em cima de um caldeirão e ele tem o poder de se transformar no que desejar.
Dea Matrona ou Dama, Deusa Mãe, protetora da maternidade e da fertilidade; é retratada por três mulheres, diferentes; também é, às vezes, representada como um peixe amamentando um bebê ou com um cesto de frutas.
Belenus ou Bel, Deus Sol, da luz, do fogo, da saúde, da cura e também da agricultura; seus símbolos são um cavalo e uma roda; é representado com um disco solar ao redor da cabeça, como em iluminuras católicas e muçulmanas.
Epona, Deusa da Terra e protetora dos animais; o nome significa “grande égua”; era a Deusa da fertilidade, do ferro e do vigor; representada, normalmente, com um cavalo branco, montando-o ou domando-o (às vezes, aparece com dois cavalos); também era cultuada na mitologia Romana (ver a quinta parte deste longo artigo sobre mitologias pelo mundo).
Dagda, Deus da magia e da abundância; era um gigante e tido como um deus bom; era, também, símbolo da fertilidade, do amor, da música e da sabedoria; ele tinha um caldeirão em que podia fazer o quisesse para comer e que podia alimentar quem e quantos quisesse, pelo tempo que desejasse; também e, por esta razão, era, igualmente, o Deus da abundância e da generosidade. É representado com uma clava ou com um bastão de duas pontas com que podia ressuscitar pessoas, se quisesse, com uma das pontas ou com que matava pessoas que merecessem, com a outra ponta. Outro símbolo com o qual é associado é a harpa, usada para levar paz e harmonia, através da música e da poesia (tal como o Apolo grego).
Lugh, Deus dos ferreiros e dos ofícios em geral; era um deus artesão, como Hefesto, na mitologia grega; o nome significa “luz” ou “o brilhante” ou “o que brilha”; também seria um deus guerreiro, igualmente ligado ao fogo.
Morrigan, Deusa rainha e Deusa do amor, mas também da morte e da guerra; ela era capaz de se transformar em qualquer animal e, quando assumia a forma de um corvo, era porque a morte se aproximava de quem a via; o corvo, para os Celtas, tanto quanto para vários outros povos, marcava a passagem da vida.
Brigit, Deusa da fertilidade, do lar, da saúde, da cura, da arte e do fogo; era filha de Dagda; muito relacionada aos animais das fazendas.
Finn Maccool, era um Deus gigante e guerreiro que teria salvado a Irlanda de um monstro chamado Goblin; também era caçador, além de ser um profeta, como Apolo, na mitologia grega.
Manannán Mac Lir, Deus dos oceanos e das águas, em geral, além de ser, igualmente, o Deus dos mortos e do Submundo (em todas as mitologias existe essa figura); seu nome significa “filho do mar”; tinha poderes mágicos e navegava os oceanos com um barco mágico, puxado pelo cavalo Aonharr (“espuma de água”) e sempre em alta velocidade; ele podia aparecer e desaparecer por magia e seu símbolo era um instrumento chamado “Tríscele”, uma espécie de garfo em espiral, tal como Netuno, na mitologia grega.
Mitologias não se constituem, de modo algum, em algum tipo de explicação científica e comprovada de nossa história, mas são poderosos arquétipos, para quem neles acredita, ou metáforas existenciais, para outros mais, que ajudaram a forjar civilizações e que, já de há muito, ajudam a manter vivas nossas memórias coletivas e mesmo as subjetivas e de grupamentos sociais particulares. Mitologias, tal como disse o escritor William Faulkner, da frase em epígrafe, nos ajuda a iluminar caminhos de modo a-temporal (passados, presentes e futuros).
A nova escala desta nossa viagem será em direção às civilizações orientais. Próxima parada: China!
Carlos Fernando Galvão,
Geógrafo, Doutor em Ciências Sociais e Pós Doutor em Geografia Humana
Bibliografia de consulta e sugerida para aprofundamento
- GAIMAN, Neil. Mitologia Nórdica. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2012