Hereditária, espetáculo idealizado pela artista Moira Braga, parte da descoberta aos 7 anos de idade de uma condição genética rara — Stargardt — que causaria a perda de sua visão, para investigar os múltiplos sentidos da hereditariedade, do genético ao social. O espetáculo fará uma temporada no Teatro Firjan SESI Centro, às segundas e terças, dos dias 16 de setembro a 22 de outubro, sempre às 19h.
Há quase duas décadas atuando como autora, bailarina e atriz em espetáculos de dança, teatro e no audiovisual, esta é a primeira vez que Moira traz ao palco sua biografia, e tematiza a doença de Stargardt.
“A ideia é dar uma resposta larga sobre de onde vem a doença”, explica Moira, “e abrir a reflexão para um leque mais amplo, investigando o que são nossas heranças e nossa hereditariedade, tudo que chega pra nós através da ancestralidade, tudo que fica pelo caminho, assim como as heranças que escolhemos ter”.
A dramaturgia, composta pela atriz junto com o diretor do espetáculo Pedro Sá Moraes, entrelaça eventos da vida pessoal e dos antepassados de Moira a referências históricas e mitológicas — como o mito grego das Moiras: três irmãs funestas que tecem o destino de todos os seres. Entre o biográfico, o poético e o político, Hereditária reflete sobre o quanto de nossas vidas é predeterminado e o quanto temos o poder de escolher.
Mais do que acessibilidade, acesso
Para além de uma contrapartida social, a montagem de “Hereditária” tem a ampliação do acesso na raiz de sua concepção — o que é marca registrada dos trabalhos de Moira. No palco, a idealizadora contracena com duas outras atrizes, Luize Mendes Dias, também intérprete de libras, e Isadora Medella, também multi-instrumentista. Libras e audiodescrição estão entrelaçadas de forma orgânica desde a dramaturgia até as movimentações de cena, expandindo as fronteiras do que costuma se compreender por “acessibilidade”.
“Esse é naturalmente meu ponto de partida”, diz Moira, “quero que o meu trabalho acesse o maior número de pessoas e, por isso, fomos concebendo mecanismos estéticos e dramatúrgicos que proporcionem a expansão desse acesso”.
Um musical diferente
A narrativa, atravessada por canções originais compostas por Sá Moraes, possui uma abordagem estética diferente do que costuma se entender por “Teatro Musical”. A direção musical, assinada por Pedro junto com Isadora Medella, explora as vozes, os corpos e até os objetos cênicos como instrumentos musicais. Nesta forma de fazer teatro, que recebe o nome de Teatrocanção
“A musicalidade é o norte que ajuda a encontrar o tom da atuação, a pulsação de cada cena, mesmo quando não há nenhuma nota musical sendo tocada”, diz o diretor, indicado ao prêmio Shell em 2023 pela direção musical e canções originais do espetáculo “Em busca de Judith”.
O cenário é uma instalação visual e sonora do músico e artista plástico Ricardo Siri. É composto por objetos que, ao serem manipulados (pisados, percutidos, tocados, transportados) produzem os ambientes e sonoridades da peça. Para que pessoas cegas e de baixa visão tenham acesso a este cenário, serão convidadas a entrar no teatro alguns minutos antes da abertura de portas e explorar os objetos cênicos de forma táctil.
Ao contrário dos musicais tradicionais, com números de dança virtuosísticos, a direção de movimento de Hereditária, assinada pelo performer, ator e professor da UFBA, Edu O. parte da diversidade de potências de cada corpo para compor gestos e movimentos cênicos. Edu, primeiro professor de dança cadeirante de uma universidade pública brasileira, é uma referência no debate sobre a deficiência nas artes, e traz sua reflexão a respeito do capacitismo, ou “bipedismo compulsório” para a criação de Hereditária.
Impacto social
O capacitismo é um conjunto de ações e perspectivas excludentes, que refletem de forma cotidiana uma realidade social bastante grave. Um levantamento do Ministério da Saúde revela que o Brasil possui, atualmente, 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, representando 23,9% da população. Destas, quase 70% não concluíram o ensino fundamental e apenas 1% estão no mercado de trabalho.
“Esta exclusão é uma espécie de herança: de desigualdades ancestrais, de preconceitos enraizados e solidificados em oportunidades que se abrem para alguns e fecham para outros. O projeto Hereditária nasce de um desejo de explorar, de forma criativa, poética, mas também política e lúcida, as diferentes dimensões das heranças que atravessam a vida do indivíduo com deficiência, e da sociedade como um todo”, explica a idealizadora do espetáculo.
Moira comenta ainda que existem boas políticas públicas para pessoas com deficiência, como o percentual mínimo de PCDs em produções artísticas, mas ela alerta sobre a falta de informação da população em geral:
“O que precisamos agora é a ampliação do acesso à informação. Me choca a falta de conhecimento sobre o que estamos fazendo, o que é uma audiodescrição, como faz, porque é necessária. A gente precisa falar muito sobre isso. Precisamos que os patrocinadores se interessem, que o público queira conhecer”, afirma.
Fafá e o reconhecimento nacional
O trabalho de Moira Braga ganhou alcance nacional em 2022, quando participou da novela Todas as Flores, da TV Globo, como a personagem Fafá.
“Comecei como preparadora de elenco, trabalhei com todos e acabei entrando para o elenco também”, diz.
Em 2024 foi convidada novamente, para trabalhar na preparação de elenco da novela Renascer.
“A novela Todas as Flores tinha a temática da deficiência, a mocinha da novela, interpretada pela Sophie Charlotte era deficiente visual, mas Renascer não tinha nada a ver com o tema da deficiência, então me chamaram de volta pelo meu trabalho e não pela temática”, pondera.
“Isso é muito importante pra gente, pessoas com deficiência, sermos chamadas não só para falar da deficiência. A gente quer trabalhar, fazer o que sabemos fazer”, finaliza a artista.
Buscando ampliar o acesso a este conhecimento e estas reflexões, o projeto Hereditária também prevê a realização de uma oficina para artistas e estudantes de artes cênicas e dança, com o foco na promoção de novas abordagens artísticas à acessibilidade.
FICHA TÉCNICA
- Idealização- Moira Braga
- Dramaturgia – Moira Braga e Pedro Sá Moraes
- Direção – Pedro Sá Moraes
- Elenco – Isadora Medella, Luize Mendes Dias, Moira Braga
- Canções originais – Pedro Sá Moraes
- Direção musical – Pedro Sá Moraes e Isadora Medella
- Direção de movimento – Edu O.
- Cenografia- Ricardo Siri
- Figurino – Vania Ms. Vee
- Iluminação – Ana Luzia De Simoni
- Identidade visual – Vinícius Santilli | Grambolart
- Fotos – Junior Zagotto e Pedro Sá Moraes
- Registro Audiovisual | Edição –
- Maquiagem- Lucia Carrara
- Assessoria de Imprensa- Alessandra Costa
- Consultoria em Libras – Jadson Abraão
- Consultoria em audiodescrição –
- Contabilidade – Davi Andrade
- Assistência de produção – Guilherme Soares
- Direção de Produção – Jordana Korich
- Realização – Grande Mãe Produções, Movimento Falado Ltda., Zingareio Produções Artísticas
SERVIÇO
Hereditária
Classificação Livre
Duração 60min
Todas as apresentações contam com acessibilidade atitudinal ou comunicacional para pessoas com deficiência
- Temporada Teatro Firjan Sesi Centro
- De 16 de Setembro a 22 de Outubro – Segundas e terças-feiras, às 19 horas
- Av. Graça Aranha, 1 – Centro, Rio de Janeiro
- Ingressos: R$40 (inteira) e R$20 (meia) através da plataforma Sympla ou na bilheteria do teatro.