EXPOSIÇÃO
“POR FAVOR LEIAM PARA QUE EU DESCANSE EM PAZ”
NO SESC COPACABANA
De Anna Costa e Silva e Nanda Félix
“Por Favor Leiam Para Que eu Descanse em Paz”, exposição que reflete sobre o uso de diagnósticos psiquiátricos como forma de controle de corpos femininos, criada e dirigida por Anna Costa e Silva e Nanda Félix, abre no SESC Copacabana em 21 de setembro, sábado.
O mote de inspiração dessa exposição é encantador e também um processo de cura para todas as mulheres. Foi um envelope com um laudo psiquiátrico dentro e com o título na capa de “Por favor leiam para que eu descanse em paz” – tal qual o título desse projeto – encontrado entre os pertences de MC, avó de Nanda, uma das idealizadoras dessa exposição, na ocasião da sua morte. MC foi internada com depressão pós parto na década de 1950, sendo privada do trabalho e do contato com os filhos. No envelope, existiam também 16 anos de correspondências com um padre, nas quais ela narrava seus desejos, anseios, medos e frustrações com o casamento, a maternidade e o lugar de submissão imposto às mulheres. Ao ler esse material, Nanda percebeu que o laudo poderia falar sobre ela mesma, ou qualquer mulher hoje; ele descrevia a condição feminina numa sociedade patriarcal.
Daí a vontade e inspiração para tornar pública de forma lúdica toda esta história vivida no privado por sua avó – e ainda por tantas outras mulheres atualmente – e o convite que contassem as suas histórias de hoje.
“A escrita da minha avó me seduziu e surpreendeu. É de uma coragem, de uma honestidade com seus sentimentos que eu não conhecia e nem imaginava. Agora, vejo o que sempre esteve lá, rodeado de segredos, de não ditos, de sussurros e de muita vergonha. Queria ter perguntado pra ela a sua visão de tudo isso que ela viveu, mas talvez ela não pudesse me responder, talvez fosse preciso essa tradução artística de tudo isso, essa expansão”, revela Nanda Félix.
A exposição leva às últimas consequências o pedido da avó da Nanda, “Leiam para que eu descanse em paz”, convidando, através de uma chamada aberta, mulheres que gostariam de ler o laudo e contar suas histórias de opressão e silenciamento. As artistas colocaram um anuncio em mídias sociais e foram às ruas com a seguinte provocação “Você já foi chamada de louca?”, ouvindo histórias das mulheres que se identificaram com a proposta.
Filmados em 2022, os vídeos registram um longo processo de escutas, envolvendo mais de 70 mulheres e chegando à participação de 30, oriundas de diferentes regiões do Rio de Janeiro. Essas filmagens foram um grande campo de troca, cumplicidade e construção, resultando na criação de uma narrativa histórica e artística feminina.
“Algo muito interessante desse processo foi que nos colocamos realmente num estado de escuta. Isso me interessa sobre chamadas abertas, são as participantes que escolhem o projeto, e não ao contrário. Não sabíamos quais histórias íamos ouvir, como exatamente a história de MC reverberava com as experiências das mulheres, hoje. E essas narrativas nos atravessaram profundamente.”, conta Anna.
A exposição
O espaço expositivo é ocupado por duas grandes projeções em vídeos e uma parede composta por uma série de imagens em formatos diversos, como cianotipias e fotografias, fragmentos textuais e objetos das mulheres participantes do filme que formam um organismo único mergulhando na história de MC e suas reverberações hoje.
O Primeiro vídeo (Por favor leiam para que eu descanse em paz) que ocupa uma das paredes maiores da galeria é o filme realizado em 2023 de mesmo título. Uma montagem que mescla construções do cinema documental com elementos experimentais, construindo uma paisagem imagética poética e sensorial. As histórias das mulheres entrevistadas são ouvidas, intercalando imagens delas mesmas em vídeo, fotografias em cianotipia, imagens do Hospital Nise da Silveira e uma constante presença de imagens de água, do mar e de rios, que proporciona um mergulho profundo nessas histórias não só a partir dos fatos narrados, mas levando em consideração o movimento da memória e do inconsciente.
O Segundo vídeo (Coro), é uma montagem de um coro criado com as mulheres. Neste coro elas experimentam uma leitura coletiva do laudo de M.C. e vão desconstruindo as palavras ali colocadas a partir do que sentem ao ler o mesmo. Aos poucos, a dureza do laudo vai dando lugar a palavras que estas mulheres ouviram ao longo de suas próprias histórias sobre si mesmas que limitam, enquadram e enclausuram suas existências. Estas palavras ditas por elas perdem o seu sentido inicial, já que não são mais um gesto de redução dessas mulheres e agora estão em suas próprias bocas. Destas palavras vai se criando uma música doce e potente, uma transformação da dureza na raiva necessária para transformar até a suavidade potente da liberdade.
Além dos dois vídeos acima descritos, há também uma parede com uma série de fotos em cianotipias com os rostos das mulheres participantes, documentos, trechos das cartas de MC, objetos físicos que as mulheres resolveram dividir com o público “para descansar em paz em vida”, e suas respectivas histórias. São rastros de memória que tomam conta da parede dando outra dimensão a estas antigas cicatrizes, tanto de MC, quanto das mulheres participantes.
Partindo de uma história pessoal, mas também universal, esta exposição, com equipe composta 100% por mulheres, vem quebrar acordos de silêncio perpetuados pelos mecanismos de poder e propor outras narrativas e revoluções. Traz à luz questões sociais e políticas para que estas possam ser vistas e revistas, que gerem debates e promovam, assim, novos olhares e possibilidades de futuro. A história de MC é a história de milhões de mulheres que continuam sendo submetidas a olhares masculinos limitantes sobre suas formas de existência no mundo.
SOBRE AS ARTISTAS
Anna Costa e Silva é graduada em cinema e mestra em artes visuais pela Scholl of Visual Arts, NY e trabalha a partir de situações de escuta e relação entre pessoas. Desde 2012 pesquisa o estado de encontro como força motriz para a criação de seus trabalhos. Seus projetos acontecem nas interseções entre artes visuais, cinema, performance e práticas relacionais e se materializam, em grandes instalações, filmes, experiências sonoras ou situações efêmeras.
Recebeu prêmios importantes como FOCO Bradesco ArtRio, Bolsa Funarte de Produção Artística, American Austrian Foundation Prize for Fine Arts e foi duas vezes indicada ao Prêmio PIPA e finalista do Marcantonio Vilaça. Em 2022, participou da 13ª Bienal do Mercosul e em 2023 ganhou a bolsa Franklin Furnace para realizar um trabalho inédito em Nova York. Em 2024, foi convidada para residência na Delfina Foundation, Londres, onde explorará as relações entre arte, tecnologia e saúde mental.
Anna fez várias exposições individuais entre elas “Tamagotchi_Balé” no Centro Cultural Helio Oiticica, “Assíntotas” na Caixa Cultural e “Éter” no Centro Cultural São Paulo, além de participar de exposições coletivas na Casa França Brasil, Paço Imperial, A Gentil Carioca, Oi Futuro, Casa Triângulo, BienalSur, Buenos Aires, Art In Odd Places, Grace Exhibition Space em NY, Ruby Cruel em Londres, e Contemporary Art Center na Lituânia, entre outras. Tem trabalhos em coleções públicas e privadas, entre elas o MAR – Museu de Arte do Rio e o Instituto Moreira Salles.
Fez residência no Pivô Pesquisa, nos estúdios da Ubisoft em Winnipeg, Canadá, e é professora de práticas artísticas de vida no Parque Lage e dirigiu a série “Olhar” sobre arte contemporânea para o Canal Arte1.
Nanda Félix é terapeuta psico-corporal em Análise Psico Orgânica, diretora e roteirista. Divide seu campo de atuação entre a clínica e as artes. Seus trabalhos artísticos partem de uma investigação da memória e da criação de imaginários. Nanda investiga narrativas que tratam dos aacontecimentos que rasgam o cotidiano e passam a morar no corpo de quem os vive, criando ali buracos e também refúgios.
É formada em artes cênicas e fez uma extensa carreira no teatro como atriz e diretora. Dirigiu os espetáculos “Ficções”, “Os Inocentes” e “Fragmentos”. Escreveu “Taquicardia”, espetáculo que estreou em 2023 no Rio de Janeiro. Lançou seu primeiro livro, o “Um País no Meio do Mar” pela 7 Letras. Seu filme “Rafameia”, de 2020 – em que assina o roteiro e divide a direção com Mariah Teixeira – estreou no Festival de Rotterdam e participou de festivais como Olhar de Cinema, Trinidad + Tobago Film Festival (prêmio de melhor curta-metragem de ficção), Festival Primeiro Plano (prêmio de melhor direção e roteiro) e Festival do Rio, entre outros.
FICHA TÉCNICA
Artistas/diretoras: Anna Costa e Silva e Nanda Félix
Curadoria: Talita Trizoli
Produção: Maíra Marques
Montadora dos filmes: Larissa Munck
Consultora e palestrante: Gabriela Serfaty
Elenco: Ana Cláudia Lomelino / Beatriz Batistela / Carolina / Cissa Borges / Clara Silva / Dani Kupek / Eduarda Samontezze / Fafá / Gabriela Serfaty / Helena Lahis / Kika Souza /Lorena Comparato / Lua Rodrigues / Márcia Valentim / Margot Ramalhete / Maria das
Dores Félix de Souza / Maria Lucas / Mayra Villela / Nina Terra / Preta / Suedi Fernandes/ Thatyane Calandrini / Valeria Carvalho
SERVIÇO
Exposição: “Por Favor Leiam Para Que eu Descanse em Paz”
Local: Galeria do Sesc Copacabana – 1° andar (Rua Domingos Ferreira, 160, Copacabana/RJ – 21-21 2548-1088 – https://www.sescrio.org.br)
Período da exposição: 21 de setembro, sábado, a 24 de novembro, sábado
Funcionamento: terça-feira a domingo, das 10h às 19h
Entrada: gratuita
Classificação: livre
Instagram: @sesccopacabana