Teatro lotado, pessoas que assistiram ao espetáculo mais de três vezes e estavam presentes mais uma vez, e eu, que não sou besta, estava lá para dizer que valeu a pena conhecer esse monólogo que é uma delícia; afinal, falou de mim, sem que eu autorizasse, falou de todos nós.
Elisa Lucinda, com mais de vinte anos na estrada, pousou no Teatro Ziembinski, na Tijuca, para nossa sorte.
De forma interativa, propõe uma divertida reflexão sobre o cotidiano. Utilizando versos e conversas despojadas sobre a rotina, é uma espécie de espelho capaz de projetar mil possibilidades, provocando verdadeiras transformações em nossas relações sociais, profissionais e pessoais.
“A peça nasceu das inúmeras lições que a natureza nos ensina todo dia. A grande lição é a capacidade de estreia que faz tudo na natureza acontecer de forma espetacular, di-a-ri-a-men-te: o nascer do sol, o pôr do mesmo sol, o céu, a chuva, as estrelas, os ventos e as tardes. A natureza ensina a toda gente, mas, às vezes, alunos distraídos que somos, não vemos o lindo óbvio que ela nos oferece e as dicas que ela pode nos dar na condução do nosso cotidiano”, diz a atriz.
Deselitizando a poesia, Elisa fala o texto poético como quem conversa com o público, emocionando e divertindo com suas palavras, gente de todo o tipo, de dez a cem anos. Uma autoajuda inteligente, uma aula de cidadania através da educação emocional, pois cuidando melhor de nossa rotina, autores e protagonistas que somos dela, cuidaremos melhor de nós mesmos, dos que nos cercam e do mundo à nossa volta.
Elisa defende sua obra de forma magnífica e gostosa; nós, da plateia, somos engolidos pela verdade da vida, verdade observada por Lucinda enquanto ela vive, porque, como ela mesma diz, o dia é virgem, e é mesmo. Impossível discordar da licença poética da autora.
Essas verdades são de todos nós; tudo que ela traz ao palco, de alguma forma, já vivenciamos ou visitamos. E ela traz isso de forma artística, teatral, muito bem acolhido por nós, que rimos, analisamos e, de alguma maneira, trazemos de nossas memórias casos parecidos.
Ela defende a arte, a educação, a criança, o amor. Isso seria suficiente para estarmos lá. A plateia se deleita em suas falas, seus textos, as músicas escolhidas e poesias arrepiantes que traduzem a arte genuína dela.
Elisa Lucinda pode falar sobre a vida, porque ela vive, permeia diversos ambientes. Eu mesma já a vi em um lugar lindo que se chama “Buraco do Tatu”, casa de shows de forró em Itaúnas, um paraíso de dunas, praias de perder de vista, um vilarejo mágico em sua terra natal, Espírito Santo. Já a vi no espaço “Tá na Rua”, declamando seus versos, espaço esse do imenso artista Amir Haddad, no Sesc Copacabana, e vez ou outra ela entra lá em casa através da tela de TV. Então, ela pode falar sobre nós, porque se faz quase onipresente, isso é importante: falar todas as línguas e não de um grupo específico.
O espetáculo “Parem de Falar Mal da Rotina” é um acordar para nós, idealizadores de nossas próprias vidas. Somos nós que precisamos reger as situações e encontrar formas de levar os nossos dias. Os olhos de lince da atriz e ouvidos de elefante nos levam a perceber como a vida é bonita, como cantou Gonzaguinha.
São quase três horas de espetáculo, onde ela, sozinha, conversa sobre absolutamente tudo, mas com delicadeza. Fala dos negros, fala de assuntos atuais, fala sobre o ontem, sobre o povo de rua; ela não se faz de alienada, está contida em tudo que há vida. E, exatamente por isso, ela se faz potente, muito longe de ser uma pessoa classista, se envolve, como onda que vai e vem, e nos chacoalha.
Em seus cabelos, guarda dinheiro, cigarro, isqueiro e preservativo, falando sobre sua negritude. Acho que esse espetáculo será para sempre, porque ela conduz com comicidade na dose certa, muito equilibrada, e faz bem a nós, espectadores. Às vezes, implica com a plateia e diz: “mas sei que vocês não fazem isso”, e ouvimos risos.
Penso que a atriz já deve ter críticas demais dessa sua criação, mas, para mim, a obra é virgem, é nova, é aquilo mesmo que ela falou: é um novo dia, um novo olhar, e o espetáculo muda a cada apresentação. Ela é uma contadora de histórias apta para isso, e nós, que somos seus ouvintes e admiradores, não ficamos indiferentes.
Em uma das suas histórias, conta sobre suas joias e quem as desenhou, uma artista lá de Milão. Eu, acreditando em tudo, depois conto que não conhecia a tal cidade, e eu, besta, caí no conto da vigária, de tão bem contado. Mas, como ela mesma disse, ela não mente, ela cria.
Teria tanto para dizer, tanto a falar, mas prefiro parar por aqui, levar comigo as expressões faciais da atriz, sua coragem, sua determinação em defender o cotidiano de maneira real. Amei conhecer a obra, e penso que, como ela, a vida é uma só, é preciso sol e alegria.
Lucinda, a força da mulher que não se cala, não desvia da verdade, solta a voz e questiona. Questiona a vida, o ser humano, ela se apraz da vida com formosura, da minha vida, da nossa vida, das histórias alheias. Ela é perceptível, ela não condena, ela apenas conta suas histórias, ela se diverte e diverte a gente. O que mais precisamos?
Um dia o filho dela, ainda pequeno, disse o seguinte: “Mãe, eu gosto que você seja preta, porque à noite não tenho medo do escuro.”
Isso é o suficiente para eu me unir a ele e enxergar somente a estrela brilhosa que a mãe dele é.
Obrigada, Lucinda! Obrigada pelo livro que você me deu! Obrigada pela Cultura Brasileira que você traz ao seu espetáculo através dos versos e da musicalidade. Serei grata para sempre e defenderei sua obra. Direi que a guardiã dela é uma força da natureza, tal como o sol, que esquenta nossa alma.
O Ziembinski acertou precisamente nessa curadoria!
Ficha Técnica:
Parem de Falar Mal da Rotina
- Texto e Atuação: Elisa Lucinda
- Direção: Geovana Pires
- Direção de Produção: Rafael Lydio
- Cenografia: Gisele Licht
- Figurinos: Christina Cordeiro
- Iluminação: Djalma Amaral
- Operador de Luz: Marcelo Demarchi
- Operador de Som: Alessandro Aoyama – JAPA
- Camareiro/contrarregra: Eduardo Brandão
- Coordenador de Comunicação: Daniel Barboza
- Assessoria de Imprensa: Pombo Correio Assessoria de Imprensa
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