Comprei um bendito caderninho para escrever. Desses sem pauta, papel levemente amarelo, meio que convocando à escrita. Há anos olho para alguns, via-os principalmente nos bolsos dos amigos poetas, com canetas específicas, prontas à escrita. Sempre os namorava, sim, os cadernos e os poetas. Dessa vez, resolvi me render a um deles. Um pequeno.
Aqui se abre uma infinidade de possibilidades. Aprendi algo com minha filha, admirava sua técnica para lettering, que ganhou força com a internet e se torno alvo de meu desejo. No entanto, todo o talento que um dia eu tive para o desenho parece ter se perdido com os séculos de trabalho e labuta da sala de aula. Não sei fazer o tal letterting, mas o caderninho de páginas amarelas meio que me exige algum domínio ao desenho. Fico acariciando as páginas. Sua textura é agradável, gostosa. Há uma sinergia maravilhosa nela. Ponto. Sem talento, sem desenho.
Pulo para um novo parágrafo, ansioso para que possa preencher a página com algum furor estético e linear. Escrevo com uma caneta de tinta preta, que combina com a capa. Os dois se comunicam. Vejo alguma sinergia, algum poder de alma. Porém, é apenas um desejo de compor palavras, que parecia adormecido.
Há algum tempo tenho refletido sobre minha vida. O limite entre desejo e realidade tem ganhado abismos constelares. Acostumei-me com o dever do físico teórico, que fica no campo da ciência e da imaginação e somente quando morto é que sua teoria se prova real e plausível. Eu tenho ficado no sonho. Há muito tempo. Hoje tenho esse caderninho como reflexo desse altar particular de sonhos e possibilidades. Há anos me concentro na escrita, sem realmente escrever. Para quê?
Nesse momento, vou ficar na metalinguagem do caderninho, que me acolhe e me deixa refletir. Melhor assim.
MÁRCIO CALIXTO
Professor e Escritor
Coluna de Márcio Calixto