Meu nome era Paty Lopes, agora podem me chamar de fã do Tuca

Foto: Divulgação.

Quer celebrar o teatro?

Basta ir ao Centro Cultural do Banco do Brasil e assistir  “Let’s Play That ou Vamos Brincar Daquilo”!

Não foi em vão que o artista acabou de ser indicado a melhor ator pelo importante Prêmio APCA (um prêmio brasileiro criado em 1956 pela Associação Paulista de Críticos Teatrais (atual Associação Paulista de Críticos de Arte). Cá entre nós, seria estranho se não fosse.

O que assisti me deixou sem fôlego e muito emocionada, confesso que chega ser difícil escrever sobre, minha memória afetiva foi presenteada com a obra que assisti.

Dom Pedro após a Independência, ficou sem saber se seria melhor para ele voltar para Portugal ou ficar no Brasil, nesse momento ele recebeu de Leopoldina uma carta lhe dizendo:”O pomo está maduro, portanto colhe-o”, e penso o mesmo em relação ao artista Tuca Andrada, ele pode colher os frutos de suas pesquisas, do seu trabalho intenso e revigorante.

 

Sinopse

Criado a partir da leitura de “Torquatália”, uma antologia de obras de Torquato Neto, conduzida por Paulo Roberto Pires, a vida e obra de Torquato Neto ganham uma nova dimensão ao migrarem do universo literário para o palco teatral. No espetáculo sem quarta parede e com duração de 80 minutos, Tuca Andrada apresenta as impressões e marcas que teve ao se envolver com o poeta e convoca o público a interagir; perguntando, fazendo críticas e tirando dúvidas, o que o torna sempre renovado a cada noite.

 

Crítica

O espetáculo se desenvolve numa arena ou semi arena onde o público está dentro da ação. Como se numa roda de amigos o ator começasse a contar a história de um artista inclassificável/não enquadrável, sobre qualquer aspecto, e o efeito produzido dessa obra nesse ator. Durante pouco mais de uma hora, o mundo e o tempo de Torquato Neto toma conta do ator e ele narra sua visão da história, com a ajuda apenas de um banco, sonoplastia, música, dança e com um chão coberto com poesias do Poeta.

Com apenas um banco, folhas de papel soltas ao chão e uma indumentária branca, o artista apresenta uma obra inesquecível.  O resto é arte, arte de altíssimo nível e que deixa a plateia perplexa com uma atuação magnífica.

Ele fez questão de ser minimalista ao que se diz palpável e priorizou a arte cênica através do corpo que ele traz ao palco. Podemos dizer que o teatro para uns é considerada uma religião, algo espiritual, que cura, que salva e atende as necessidades da alma, e parece que Tuca assentiu esse credo.

Um banco que se transforma em boi-bumba, meu Deus, que glória foi assistir uma obra como essa, eu não merecia tanto…

Tanta brasilidade, tanta cultura, tanta gana de um ator pleno em trazer sua obra sem leviandade. Tudo bem que no sábado de manhã (assisti ao espetáculo numa sexta-feira), eu me pus a chorar por um luto que veio a mim dois anos antes de nascer, chorei pelo jovem Torquato Neto, mas valeram as lágrimas, afinal eu não sabia que era ele o autor de músicas que tanto outrora cantei. Obrigada por isso Tuca!

Enquanto assistia o ator, confesso que fiquei em dúvida se meu sangue era vermelho ou verde, azul e amarelo, me senti mais brasileira que nunca, me tornei mais patriota, vi a arte do meu país me envolver enquanto esse artista fazia sua manifestação cultural surreal a minha frente. O brilho das estrelas pareciam estarem voltadas para ele, enquanto o artista falava do Torquato, sem como contestar comigo mesma, eu me deliciava “à merencória luz da lua”  do “meu Brasil brasileiro”.

Tive a sensação que Torqueto coexistia em Tuca, quem foi Torquato?

Torquato envolveu-se ativamente na cena soteropolitana, onde conheceu, além de Gil, Caetano VelosoGal Costa e Maria Bethânia. Em 1962, mudou-se para o Rio para estudar jornalismo, mas nunca chegou a se formar. Trabalhou para diversos veículos da imprensa carioca, com colunas sobre cultura.

Torquato atuava como um agente cultural e polemista defensor das manifestações artísticas de vanguarda, como a Tropicália, o cinema marginal e a poesia concreta.

Torquato também foi um importante letrista de canções icônicas do movimento tropicalista. No final da década de 1960, com o AI-5 e o exílio dos amigos e parceiros Gil e Caetano, viajou pela Europa e Estados Unidos. De volta ao Brasil, no início dos anos 1970, Torquato começou a se isolar, sentindo-se alienado pelo Regime militar. Passou por uma série de internações para tratar do alcoolismo e rompeu diversas amizades.

Impossível falar sobre este espetáculo sem apresentar o artista lembrado, e isso agora de certa forma me deixa orgulhosa de mim mesma. Coisas que o teatro nos traz, ele nos educa e nos faz mergulhar em outras histórias, e é exatamente por isso que EU AMO O TEATRO.

E o que tem Tuca Andrada com Torquato? TUDO! Tenho certeza que se o artista estivesse por aqui, falaria para Tuca: valeu meu chapa!

O ator apresenta uma obra onde a vida dele se mistura com a vida do Torquato, há harmonia em suas histórias, que  passam em tempos diferentes, mas com questões bem parecidas, nada complexo, e nem por isso uma obra rasa, longe disso, muito longe mesmo. Tuca fala para todos, e esse movimento para mim é muito importante, democratiza o conhecimento, é um ato nobre saber falar para todos, sem distinção! Salve Tuca Andrada!

Tuca, nordestino como Torquato e como ele, também veio para o Rio de Janeiro. Artistas aptos em tocar as nossas almas, foi o que percebi de ambos.

A diretora-executiva do espetáculo, Adriana Teles, falou sobre a obra, que nasceu antes da pandemia, que passou por vaquinhas, que lutou para hoje está no CCBB, e parece que tudo valeu a pena. Parece não, valeu, e valeu muito! Teatro lotado e muito burburinho por aí. Quando encontramos os colegas, a pergunta é a mesma: você já assistiu Tuca? Valha-me Deus, que maravilha isso estar acontecendo…

Também como não estaria? A direção musical de Caio Cezar Sitonio, um nordestino porreta,  nos traz um manjar dos deuses. Talvez o deus da música Apolo abrasileirou-se e tenha encarnado nesse profissional, o deus mitológico fez questão de trazer relíquias da música popular brasileira, um verdadeiro escândalo, sem contar a sonoplastia. Tudo perfeito demais!

“Louvo a paz pra haver na terra
Louvo o amor que espanta a guerra
Louvo a amizade do amigo
Que comigo há de morrer”

Isso basta, para terem ideia do nível musical dessa obra.

A iluminação é viva e dinâmica, o figurino, uma indumentária branca, que se faz indiferente aos olhos, mas para o coração, traz a paz que precisamos para dar continuidade a vida. As vezes me levava a um uniforme de capoeira, não sei ao certo, mas deu certo, porque é certo que isso bastou!

E o que esse espetáculo tem que chamou tanto a minha atenção e que me fascinou assim?

Cógito

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.

O que preciso falar diante de uma costura textual como essa? E exatamente por isso fascinei-me! Porque há um conteúdo sem fim nessa história. Conteúdo que leva a expressão da vida e da morte, com o mesmo peso.

E quem me trouxe essa linguagem teatral expressiva, suou durante todos os minutos assistidos, esse mesmo artista dança, canta e fala, traz todas as expressões faciais e corporais com exito, com uma paixão imensa, sem arranhaduras.

Tuca e Torquato, tem algumas coisas em comum, entre elas, a arte e a política, mas ao contrário das demais obras que tenho assistido, o artista cuidou  para que não se tornasse tudo tão repetitivo naquele altar cênico (altar mesmo, porque o que assisti contém encantamento, só pode ser um sacrifício oferecido aos deuses), o artista soube trazer esses mesmos temas sem ser chato, sem gritos, ele soube falar sobre a história do Brasil, enfatizando o que deve ser enfatizado, com sapiência, nada impulsivo, embora muito sentido.

Quem acompanhou o artista durante a pandemia, lembra bem da postura do ator e autor dessa obra quanto o negacionismo e a luta a favor da cultura do nosso país naquele momento caótico, porque  tentaram destruí-la. Ele foi incisivo na luta, mas isso não deixou que seu trabalho perdesse a poesia demasiada que tem, ele soube dosar tudo, muito equilíbrio no feito do artista. Não perdeu tempo em mencionar política podre, comprometendo o foco do espetáculo, o jovem TORQUATO.

As referências musicais são divinais, nomes como de Caetano, Gal, Ismael Silva, e se não me engano Noel, estão no texto e nos arranjos. Disseram em uma entrevista que a obra é “o biscoito fino” do Tuca, teria outra forma de nomear?

E se falamos de um nordeste, que se aproxime uma ciranda, e que aconteceu com a plateia, isso foi mais que assertivo, um verdadeiro banho de cultura brasileira.

O que dizer desse espetáculo?

Posso dizer que Tuca Andrada é um gênio por valorizar a nossa cultura da forma que o fez e ninguém poderia ser tão belo quanto ele ao falar de Torquato, um jovem que se perdeu diante da tristeza, entre elas uma ditadura que o  sufocou, o levou de nós. Que estupidez é mania do homem em querer mandar, que loucura mais feia é tirar vidas, diretamente ou indiretamente. Tuca não pecou, apenas se deitou em uma mar de afinidades com outro alguém.

Uma história do passado que veio em forma de teatro, no palco, onde o artista se despiu dele mesmo, entregou a alma, entregou o coração a todos nós que o assistimos. Ele que nos faz mergulhar nesse país belo, cheio de cultura e que transcende imensamente ao tempo.

A verdade é que com Tuca Andrada e Torquato Neto, nos faz levitar depois de tanta beleza cênica, digo mais, com seu parangole (os parangolés são capas, faixas e bandeiras construídas com tecidos e plásticos, às vezes com frases políticas ou poéticas. Ao vestir, correr ou dançar com um Parangolé, a pessoa deixa de ser um espectador para se tornar parte da obra de arte), entramos em outra dimensão, reconhecendo e festejando o nosso tamanho artístico.

Ouvir canções do nivel das que ouvi, ver um corpo radiante, que se movimenta com intensidade porque é de dentro para fora, nos permite deixar de fora a palavra reprimir emoções. Há paixão envolvida até o ultimo fio de cabelo, tem pesquisa, tem leitura, tem atuação, tem direção de movimento perfeita de Maria Paula Costa Rêgo, há  nordeste, há Tropicália (um dos maiores movimentos artisticos culturais do país), há um Brail inteiro no teatro do CCBB, há um altar que celebra esse país de palmeiras onde canta os sabias, há festividade por estarmos vivos, há tudo que a arte promove de bom para nós, sem ponderação para os bons sentimentos, claro.

Sim, Tuca é arte, das melhores que assiti, ele também é a arte da vida,  sobreviveu a tudo e a todos, ele sabe bem de quem falo, sua luta pela cultura, e foi a própria arte que o coloca em um lugar de exaltação, porque nem ele mesmo imaginava chegar tão longe, estou muito certa disso.

Não podemos esquecer que há outro sentimento nesse movimento todo, o AMOR, o amor pelo outro, pelo outro que Tuca não conheceu e não abraçou. Entendo assim porque nada poderia ser tão tocante como essa obra é sem amor!

Que siga Torquarto e nossa genuína arte pelo mundo, mostrando quem realemente somos, nossa festividade em sermos brasileros e orgulho de tamanha brasilidade que  “Let’s Play That ou Vamos Brincar Daquilo” carrega!

 

Ficha Técnica:

Criação e Atuação: Tuca Andrada, a partir da obra e vida de Torquato Neto
Direção, Cenário e Figurino: Tuca Andrada e Maria Paula Costa Rêgo
Direção Musical: Caio Cezar Sitonio
Músicos: Caio Cezar Sitonio e Pierre Leite
Direção de Movimento: Maria Paula Costa Rêgo
Iluminação: Caetano Vilela
Assistência e Programação de Luz: Nicolas Caratori
Operação de Luz: Wladimir Alves Fernandes
Operação de Som: Raquel Brandi
Parangolé: Izabel Carvalho
Intérprete de Libras: Diana Dantas e Lorena Sousa
Assessoria Contábil: Confiare
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
Fotografia: Matheus José Maria, Ronald Nascimento e Ashlley Melo
Criação de Vinhetas: Daniel Barros
Projeto Gráfico: Humberto Costa
Produção Executiva: Tuca Andrada e Adriana Teles
Realização: Iluminata Produções Artísticas

 

SERVIÇO

Let’s Play That ou Vamos Brincar Daquilo

Let’s Play That ou Vamos Brincar Daquilo

 

Paty Lopes (@arteriaingressos). Foto: Divulgação.

 

Facebook: @PortalAtuando

 

 

 

 

 

Author

Dramaturga, com textos contemplados em editais do governo do estado do Rio de Janeiro, Teatro Prudential e literatura no Sesi Firjan/RJ. Autora do texto Maria Bonita e a Peleja com o Sol apresentado na Funarj e Luz e Fogo, no edital da prefeitura para o projeto Paixão de Ler. Contemplada no edital de literatura Sesi Fiesp/Avenida Paulista, onde conta a História de Maria Felipa par Crianças em 2024. Curadora e idealizadora da Exposição Radio Negro em 2022 no MIS - Museu de Imagem e Som, duas passagens pelo Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com montagem teatral e de dança. Contemplada com o projeto "A Menina Dança" para o público infantil para o SESC e Funarte (Retomada Cultural/2024). Formadora de plateia e incentivadora cultural da cidade.

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