Quem não lê, aos 70 anos terá vivido só uma vida.
Os que leem, terão vivido cinco mil anos.
Ler é uma imortalidade de trás para a frente.
Umberto Eco (1932-2016),
filósofo e escritor italiano
Na primeira parte deste longo artigo, situamos o contexto histórico e algumas questões filosóficas, por assim dizer, sobre os quais as mitologias pelo mundo, de um modo geral, foram edificadas. Na segunda parte, a temática versou sobre a mitologia grega, talvez uma das mais famosas em todo mundo. Na terceira parte, mergulhamos em passagens mitológicas da nossa terrinha tupiniquim, com histórias dos povos originários e dos negros africanos que foram, indignamente, escravizados e trazidos para o Brasil. Na quarta parte, começamos, efetivamente, digamos deste modo, a passear pelas mitologias de vários povos, iniciando, este passeio, pela nossa América Latina, com históricas dos povos pré-colombianos e mesoamericanos. Nesta quinta parte, regressaremos para a Europa, com partes de histórias que, também, muito influenciaram a nossa cultura brasileira, até porque, mantiveram forte relação com a cultura da Grécia Antiga, no caso da mitologia romana, ou que nos fascinam sobremaneira, até os dias atuais, como a egípcia. Vamos passear?
Mitologia Romana
A mitologia da “Roma Antiga”, era baseada em rituais que se misturaram às culturas Etruscas e, em bem maior medida, Grega, após Roma ter dominado todo o Peloponeso, dando origem à Cultura Greco-Romana, que influenciou toda a cultura ocidental, como a nossa. Deste modo, alguns deuses ficaram comuns entre gregos e romanos. Peloponeso era a península montanhosa ao Sul da Grécia, unida ao continente pelo Istmo de Corinto, onde situava-se a cidade de Argos e foi palco de uma das mais famosas guerras da História, entre Atenas e Esparta, no século V a.C. Etruscos eram habitantes da Península Itálica e que passaram a compor, por esta razão, ao menos parte dos antepassados do que viriam a ser os romanos. Istmo, palavra de origem grega que significa “pescoço”, é uma porção de terra estreita cercada por água em dois lados e que conecta duas grandes extensões de terra; um istmo é, bem observado, uma espécie de “ponte geográfica natural” entre duas extensões de terra.
Eros (ou Cupido, Deus da paixão e do desejo erótico; atingia as pessoas com uma flecha; casado com Psiquê ou Amor; era um deus alado porque a crença era a de que, quem ama, “voa”); Plutão (ou Hades deus da riqueza e da morte; irmão de Júpiter ou Zeus); Discórdia (ou Eris, Deusa da maldição e das desgraças); Harmonia (filha de Vênus ou Afrodite e Ares ou Marte); Fauna (Deusa da fertilidade e da feminilidade); Fortuna (Deusa do destino e da sorte); Júpiter ou Jove (ou Zeus, deus maior e dos raios); Juno (ou Hera, esposa de Zeus); Marte (ou Ares, Deus da guerra e, junto com o pai, Júpiter, era tido como defensor do Estado Romano); Mercúrio (ou Hermes; Deus do comércio e da diplomacia, mas também dos viajantes, da poesia, da trapaça e dos ladrões; em algumas versões, guiava as almas para o submundo, como Caronte, na mitologia grega; era filho de Júpiter e Maia (filha do Titã Atlas, condenado por Zeus a sustentar o mundo nas costas e Pleione uma das estrelas Plêiades, posteriormente); segurava, representando um ser moral e equilibrado, um Caduceu – bastão de ouro, com duas serpentes enroscadas, uma de frente para a outra e debaixo de um par de asas); Netuno (ou Posseidon, Deus dos mares e dos cavalos; irmão de Júpiter); Saturno (ou Cronos, Deus do tempo e do espaço; pai de Júpiter); Vênus (ou Afrodite, Deusa do amor, do sexo e da fertilidade); Terra (ou Gaia, Deusa da terra e da fertilidade do solo; na mitologia grega, era esposa de Urano e mãe de Júpiter ou Zeus, de Netuno ou Posseidon e de Plutão ou Hades); Apolo (Deus do Sol e das profecias); Vulcano (ou Hefesto, Deus do fogo e da metalurgia, além de ser o hábil artífice/ferramenteiro dos deuses; era o único deus considerado feio, porque nasceu com o rosto desfigurado, tendo sido, por esta razão, abandonado pela mãe, que o jogou de um penhasco, mas foi resgatado por Themis); Baco (ou Dionísio, deus da agricultura, do vinho, da festa, da música e do prazer, daí a origem da palavra “bacanal”); era filho de Júpiter e da mortal Semele, que não podia olhar para Júpiter, mas foi enganada por Juno ou Hera, por ciúmes e, vendo-o, foi condenada à morte; Júpiter teria salvado o feto e o gestou, costurado à sua coxa, por 9 meses; seus seguidores mais fiéis eram os Sátiros, seres humanos, na aparência, mas com pernas e pés de cabra e insaciáveis, sexualmente falando); Diana (Deusa da caça) e Minerva (ou Atena, Deusa da sabedoria, das artes e, um tanto contraditoriamente, da guerra). Houve, claro, a título de esclarecimento, deuses apenas romanos, como Janus, o Deus de duas faces, que guardava os portões do céu.
Mito de criação de Roma
A história de Rômulo e Remo. A princesa Reia deu a luz aos gêmeos, concebidos com Marte (Deus da guerra). Ele temia que, em face de uma profecia, ao crescer, um dos meninos tomasse seu lugar e, sem saber qual dos dois seria, os deixou, ainda bebês, em uma cesta no rio Tibre, para morrerem. Contudo, encontrados por uma loba, foram por ela criados. Já crescidos, Rômulo matou seu irmão, Remo, e, sobre o Monte Palatino, lançou as fundações do que viria a ser a Roma Antiga.
Algumas caraterizações de divindades específicas
Júpiter ou Jove (ou Zeus), o Deus maior, o “dies pater” (deus pai; chefe; representante), governava o mundo, tinha no raio sua grande arma e na águia, sua identificação sagrada e também era tido como o protetor das leis, do Estado e das cidades. Era casado com Juno (ou Hera).
Netuno (ou Posseidon) carregava um tridente e montava um grande cavalo-marinho ou um golfinho para atravessar os mares, que governava. Era casado com Salacia e, tido como mau humorado, causava muitos terremotos e maremotos. Diz o mito que Netuno se apaixonou por Vênus (ou Afrodite), que no começo dos tempos era uma Ninfa das águas, mas ela teria recusado sua corte. Inconformado, Netuno mandou um golfinho ao encontro da Ninfa e ele, com sua verve, a convenceu a aceitar o pedido de casamento. Como recompensa, Netuno deu a imortalidade ao golfinho e um lugar privilegiado nos céus, conhecido como a “Constelação de Delphinus”.
Plutão (ou Hades) era, ao contrário da maioria esmagadora dos deuses, monogâmico e não teve, em sua mitologia, filhos. A crença era a de que, quem pronunciasse seu nome, morreria e iria para o Submundo.
Apolo era filho de Júpiter e de Diana e atuava meio que como um intermediário entre os deuses e os homens e, até por isso, recebeu do pai, o dom da profecia. Além disso, representava a juventude, a beleza e a sabedoria. Por isso tudo, seus seguidores dedicaram o Oráculo de Delfos, o mais famoso da Grécia Antiga, a ele. Oráculos, ao contrário do que muitos pensam, não eram, na mitologia grega, pessoas, mas sim locais sagrados, para onde acorriam todos os que buscavam sabedoria, respostas e profecias; já no catolicismo, era uma pessoa que traduziria a vontade de Deus.
Mitologia Egípcia
Os egípcios acreditavam que os deuses formaram o Universo a partir do caos primordial (narrativa geral dos povos). Há várias histórias como a do reino de Rá (o Deus Sol), a do mito de Osíris (Deus do solo e da fertilidade) e Ísis (Deusa da natureza e da magia e que era irmã e esposa de Osíris; ambos ensinaram aos homens, técnicas de cultivo da terra); a de Hórus (filho de Osíris e Ísis) contra o deus Seth (Deus do caos, da guerra e da seca, que era irmão de Osíris e de Néftis, Deusa da morte), que se apaixonou por Ísis e, para ficar com ela, matou Osíris, o qual ressuscitou e foi para o além. Para os egípcios, as lágrimas de Ísis, pela morte do esposo, eram as responsáveis pelas cheias periódicas do rio Nilo. Tal como os deuses nórdicos, os deuses egípcios também envelheciam e morriam.
Mito da criação
No princípio, nada existia além de Nu, uma alusão ao sagrado rio Nilo. Nu foi criado pelo Demiurgo, o criador do mundo inferior. Nu e o próprio Universo se confundiam; eram, ambos, um grande espelho d´água, que refletiria o nada, que representaria, por esta razão, a “não existência”. Despertando de seu sono, Nu começou a se mover e de suas profundezas emergiu uma ilha, o Egito e em seu centro, nasceu a Flor de Lótus, o primeiro momento de beleza do Universo. Dessa flor, ao desabrochar, começaram a emanar raios de luz e nasceu uma divindade, denominada Rá. A flor de lótus tornou-se, assim, um símbolo de esperança, salvação e renascimento e era usada como brasão do alto Egito. Segundo Platão, Demiurgo era o princípio inteligente ou a inteligência ordenadora do Universo; algo como um artesão divino ou um princípio organizador que tirou o Universo do Caos inicial e o ordenou; é Deus, em última instância.
Supõe-se que este mito nasceu pelo fato de que a flor de lótus cresce para fora d´água, abre suas pétalas de manhã e se fecha de noite. Posteriormente, a própria flor de lótus foi identificada com o deus Tum ou Nefertum ou Mênfis. Rá, então, vislumbrando a beleza do mundo, chorou de emoção e uma de suas lágrimas caiu no chão, penetrando na terra dura e seca, o que originou a humanidade, que brotou da terra fertilizada. Rá era, deste modo, a palavra para designar o Deus Sol e sua imagem, movendo-se no céu, era chamada de Khepri (como se fosse o escaravelho enrolando as bolas de esterco). Ainda maravilhado, Rá decidiu criar outras divindades, como Tefnut (Deusa das águas) e Shu (Deus do ar), que tempos depois, passaram a viver no firmamento; eram irmãos gêmeos que nasceram de um ato de masturbação divina, no local chamado Heliópolis, posto que Rá ainda não havia criado o ser feminino que tomaria como esposa. Ambos foram criados a partir de um sopro de Rá (de novo, a velha história do “sopro de Deus”). Depois, Rá criou Geb (Deus da Terra) que se casou com Nut (Deusa do céu, ora representada como uma mulher, ora como uma vaca, ser divino; ela era tida como a criadora do mundo físico e dos astros), mas os impediu de se unirem como um casal e copular, embora tenham permanecido próximos. Nut era mãe de Ísis, Néftis, Osíris e Seth.
Em outra parte da história, Nut pediu a seu pai, Rá, que a deixasse visitar Thot. Quando chegou em sua moradia, ele estava escrevendo em um pergaminho, terminando o calendário para que o tempo passasse a ser medido. Thot se tornou, assim, o deus da escrita, das bibliotecas e das línguas. O calendário egípcio dividia o ano em 3 períodos de 4 meses, cada um relacionado por uma constelação diferente, em um total de 360 dias. Nut desafiou Thot para um jogo e quem ganhasse, poderia pedir alguma coisa para o outro; Thot aceitou o desafio, Nut ganhou o jogo e seu pedido foi para que acrescentasse mais 5 dias ao calendário escrito e assim, o ano passou a contar com 365 dias.
Anúbis ou Anupo era o Deus guardião e protetor dos mortos, além dos funerais e das mumificações. Também era o mensageiro dos deuses, equivalendo, na mitologia grega, a Hades e a Hermes, simultaneamente. Anúbis era representado como tendo corpo de homem e cabeça de chacal e segurando, na mão direita, um cetro e na esquerda a chave que representava a vida e a morte. Além disso, Anúbis tem como símbolo o chicote que ele carrega junto ao seu corpo, para tanger as almas e castigar os maus espíritos.
Os Alicerces da religião egípcia
Os deuses na mitologia egípcia são conhecidos por terem, em teoria, uma vida como a nossa. Eles viviam, morriam, caçavam, se aventuravam, iam para batalhas, davam a luz, comiam, bebiam e festejavam, além de terem emoções humanas. E eram exatamente essas ações cotidianas que explicavam os fenômenos na terra. Os principais deuses, que orientavam a vida o Egito eram os a seguir.
Rá, Deus do Sol; era um dos principais da religião egípcia, sendo um dos responsáveis pela criação de toda a existência; os egípcios acreditavam que o faraó era a encarnação de Rá, na Terra; Amon, era o deus supremo do antigo Egito e fundiu-se em determinado momento com Rá, tornando-se Amon-Rá, o deus soberano, logo, Amon-Rá era o deus mais importante do Antigo Egito; Osíris era descendente direto de Rá e teria sido o primeiro faraó do Egito, morreu assassinado, tornando-se um deus muito importante e o juiz do mundo dos mortos, representando a vida eterna; Osíris era irmão de Set que o traiu e ordenou sua morte, cortado o corpo do irmão em 14 pedaços, espalhando-o por todo o Egito; Ísis, esposa de Osíris, saiu em busca dos pedaços de seu amado e encontrou 13 pedaços; o último, que era seu órgão reprodutor, estava estéril. Contudo Osíris, ressuscitado, e Ísis conseguiram se reproduzir através da magia, gerando Hórus. Este lutou contra Seth, seu tio traidor, e retomou definitivamente a esposa e a supremacia do Egito; Ísis era a deusa mensageira que ajudava os mortos a entrar no pós-vida; esposa de Osíris e mãe de Hórus, ela foi adorada por outras culturas além da egípcia; dizem que o Rio Nilo nasceu de suas lágrimas, quando chorou a morte do marido; Hórus era o famoso deus com cabeça de falcão, que tinha o Sol e a Lua como seus olhos; era, pois, o Deus dos Céus; ele possuía mais de 7 formas diferentes e era filho de Osíris e Ísis; Hathor, esposa de Hórus, era a Deusa guardiã das mulheres, em especial, das grávidas; também era conhecida como a protetora dos amantes e era representada pela vaca, por esta ser considerada um animal sagrado e gentil; Set era o Deus do Caos e da escuridão; matou seu irmão Osíris em disputa por Ísis e pelo Egito; Nephtys era a Deusa da natureza e foi esposa de Seth; em determinado momento ela “enfeitiçou” Osíris e teve um filho com ele, que chamou de Anúbis, que se tornou o Deus da Morte e é representado com a cabeça de um chacal; ele seria o responsável por criar a primeira múmia, a de seu pai e foi por conta de Anúbis que esta tradição funerária se criou.
Carlos Fernando Galvão,
Geógrafo, Doutor em Ciências Sociais e Pós Doutor em Geografia Humana
Bibliografia de consulta e sugerida para aprofundamento
- BLANC, Cláudio. O Grande livro da Mitologia Egípcia. Amazon, e-book/Kindle, 2021
- CAVALLARI, Alessandro. Mitologia Romana: uma jornada através de Deuses, Heróis, Mitos e Ruínas sobre o legado imortal da Roma Antiga e seus reflexos contemporâneos. Amazon, e-book/Kindle, 2023
- RODRIGUES, Nuno Simões. Mitos e Lenda da Roma Antiga. Belo Horizonte: Clássica Editora, 2013
- SHAW, Garry J. Os mitos egípcios: um guia aos antigos deuses e lendas. Rio de Janeiro: Vozes, 2023