Qual o limite do ser humano? Ou o que é ser humano possa ser a pergunta correta. Expressar a morte com a sensibilidade foi um dos diferenciais dentro de ‘O Nome da Morte’.
Definições de respeito, consciência social, pecado, moralidade entre outras, são totalmente desconstruídas dentro do enredo, baseado em fatos reais da história de Júlio Santana. “Servir bem, para servir sempre.”, essa é uma das frases que descrevem a naturalização e demonstram a banalização da vida. Muitas vezes esse conceito é demonstrado em frases durante conversas simples, e intercaladas com banalidades como: o que jantar, ou o que fazer o final de semana.
Para quem não conhece, Júlio Santana, um matador de aluguel que confessou ter assassinado 492 pessoas. Os crimes foram cometidos ao longo de mais de vinte anos de pistolagem e ele passou apenas uma única noite preso. A maior parte do tempo, Santana escondeu a vida de pistoleiro da mulher e do filho. O filme é livremente inspirado no livro homônimo do jornalista Klester Cavalcanti.
Mesmo com cenas muito pesadas e bem construídas de mortes, (em questão de arte, atuação e fotografia) Marco Pigossi nos contou em entrevista para o site que o clima nos bastidores, era ótimo.
“Um clima ótimo, uma delícia, gosto muito de viajar e adoro estar presente no local onde a história se passa, isso é muito importante traz para nós como ator o existir ali naquele lugar, a equipe era maravilhosa, estive com a Fabiula no meu primeiro longa, só aprendizado, a gente fez muitos trabalhos em conjunto de improvisação e construção dos personagens e o cinema tem isso, cinema é família, cinema é uma equipe fazendo tudo acontecer, não tem ninguém querendo ir embora para casa, não tem ninguém olhando pro relógio, fica todo mundo ali inteiro para fazer aquela história acontecer, isso como artista é algo que não tem preço.” Disse Marco Pigossi.
Tendo o início do filme, já em um momento mais tenso e depois voltando no tempo, para contar como tudo se iniciou, fica ainda mais visível a transformação de Marco Pigossi para esse papel de acordo com os momentos visíveis. A construção visual da família do interior, pode incomodar um pouco em relação ao visual de Júlio, porém, dessa forma, a relação visual deixa ainda mais explícita a diferença do personagem com o seu local de origem e com a própria família. Alguns erros de maquiagem se encontram presente e detalhes, como a moeda na época ser o cruzeiro e ele retrata como real, mas esses detalhes não tiram o brilho e emoção de quem assiste.
Com roteiro assinado por George Moura e Henrique Goldman, diretor do longa, a adaptação revela perfeitamente essa ambiguidade de um homem do interior, criado em uma família de religiosos, em que parece não se encaixar e a relação com o tio policial que vive na cidade e tem conceitos diferentes sobre morte, afinal quem mata é Deus, não o pistoleiro. A interação de André Mattos, que por sinal realmente me pareceu uma brilhante escolha para o papel, junto de Marco Pigossi realmente demonstra uma relação de amor e submissão em alguns momentos, mas principalmente a relação de um grande influenciador e criador.
Henrique Goldman comentou como foi retratar com tanta sensibilidade um filme que possui uma história tão pesada e sangrenta:
“O filme é uma resposta à seguinte pergunta ´Como se sente um homem inocente que acaba fazendo todas aquelas coisas?´ , quando uma criança comete um erro, ´coitada a criança não sabia que era errado…´ mas ao longo da vida vamos perdendo esta inocência, então como se sente um homem inocente que é levado pelas suas escolhas, não estou querendo eximir ele dos seus erros, porque acho assim que existe responsabilidade dos indivíduos e as outras responsabilidades são da sociedade e entre uma realidade e a outra existe uma terra de ninguém.”
A transformação da trilha musical quando Júlio se muda para a cidade com o tio, ajuda a mudar a atmosfera para o telespectador. Além disso, a utilização da visão e audição direta do personagem, faz com que a imersão seja ainda maior. Perguntamos ao ator Marco Pigossi, como foi a construção de um personagem tão pesado, que também demonstra essa transição em olhares e expressões corporais:
“Esse é o grande desafio do personagem. Certamente esse foi o meu maior desafio, no sentido de que como uma pessoa que mata quase 500 pessoas, pode ser um bom pai de família, um bom marido. Então eu entendi que, na verdade a construção que eu tinha que fazer do Júlio, na verdade, era desconstruir, eu tive que me desconstruir de todos os meus conceitos sociais, humanos e tudo que a gente aprende. Eu ouvi uma frase que é assim: ‘O ser humano é um produto do meio onde ele veve’, é igual um cachorro se ele é criado para atacar ele ataca, se ele é criado para não atacar, ele não ataca. A partir dessa frase que é extremamente simplista, um visão de mundo completamente simplista, que descreve exatamente o Júlio. Como esse cara que veio do meio do nada, que não teve acesso a absolutamente nada, educação, cultura, nada! Ele teve um pouco de acesso a afeto do tio, que leva ele para esse caminho né. Então como é que você se esvazia disso, dos conceitos morais para matar e depois chegar em casa e ter um carinho pelo seu filho e a sua mulher. Essa é a grande complexidade, e com o tempo, que ele foi se acostumando com àquilo a sensação que eu tenho é que não tinha ninguém atrás quando puxava aquele gatilho sabe, não tinha mais alma ali. Era um simples trabalho, ele se acostumou era como se ele fosse prender um parafuso ou pintar uma parede, uma coisa banal.”
Dentro de uma grande crítica social, inclusive sobre a polícia, o roteiro deixa que você tire suas conclusões e tenha sua própria opinião sobre os fatos ali contados, sem que lhe obrigue ou demonstre qualquer julgamento de porquês, ou como. Um belíssimo trabalho de sonoplastia, com o barulhos ensurdecedores e perfeito dos tiros, a direção de arte que trabalha com detalhes, como a pinga na mesa do jantar no interior e a referência nas cores trabalhadas em cada momento de tempo.
Também conversamos com a atriz Fabiula Nascimento que comentou sobre o processo de criação da sua personagem, Maria a mulher de Júlio:
“Primeiro tivemos leitura do texto, para pode falar sobre psique de todas as personagens. Depois partimos para o Tocantins, que foi onde filmamos, e lá tivemos um tempo de nos adaptar ao lugar, as pessoas e ao sotaque, não que fique registrado que é o Tocantins, mostra uma distância do eixo Rio/São Paulo. E lá tivemos tempo de construir coisas juntos, os trabalhos foram bem solitários e em grupo entre os atores, foi bem legal. A gente que gosta da profissão e gosta de trabalhar, a gente sempre está preocupado em compor, então independente de drama ou comédia, sempre dá trabalho”.
No elenco também temos Matheus Nachtergaele, que mesmo com uma pequena aparição mostra toda a sua genialidade em cena e constrói um personagem pequeno, mas realista e muito intenso. Assim como Tony Tornado que aparece em duas cenas.
Mostrando a construção de uma história que fala muito sobre oportunidades e influência O Nome da Morte, chega para exemplificar mais uma vez, que o cinema brasileiro pode sim ser bem feito, com histórias originais e fora da comédia. Fica aqui o nosso convite a todos os leitores, prestigiar o cinema brasileiro e conhecer um pouco mais dessa história que infelizmente retrata a vida e escolha de vários cidadãos.
Assista ao Trailer:
Review: MARIANE BARCELOS (@tiltcine)
Entrevistas: MARIANE BARCELOS e LUAN RIBEIRO (@cinemaecompanhia)
Siga-nos no Instagram @artecult / @TiltCine / @cinemaecompanhia