Onde estão meus 20 anos? – parte II

Quadro “Os Operários” de Tarsila do Amaral

Onde estão os meus 20 anos? – parte II

Tudo é questão de ver

     Que a vida é maior que o fato;

             Que a força é maior que o ato

                      E que a semente repousa no fruto,

                              Como o sentido, no tato.

                                     Tudo contém o ser,

                                            Assim como o ser contém tudo;

                                                  Continente e conteúdo,

                                                       Fundidos num só mistério

                                                            Que de repente é sério,

                                                                    De repente é caricato.

 

Autor desconhecido, mas atribuído a um ditado popular da China confuciana

 

Quem aqui nunca se fez uma pergunta do tipo da que intitula este artigo? Quem aqui não tem nostalgia de algum período da própria vida, ainda que esteja feliz com o desenrolar de sua existência? Você, querida leitora, prezado leitor, já deve ter pensado em coisas que fez e faria diferente, se fosse hoje, ou em coisas que deixou de fazer e que, hoje, não teria deixado passar, não é? E também deve coisas importantes que você fez lá trás e que ainda não foram concluídas, certo? Algumas delas você abandonou, outras ainda insiste, ou por gostar muito delas ou por considerar essa(s) coisa(s) importante(s) ou, quem sabe, pelas duas coisas… Abandonar algumas dessas coisas seria como esquecer um sonho e como é nos nossos sonhos que nos tornamos quem gostaríamos de ser, mas por motivos vários, não somos, como é nos nossos sonhos que fazemos aquilo que consideramos ideal, já que dificilmente conseguimos isso na vida real, abandonar um sonho é, de algum modo e em alguma medida, extirpar parte de si mesmo.

Nesta linha, além de ter dividido com você, querida leitora, prezado leitor, os questionamentos sobre a juventude, que compuseram a primeira parte deste artigo, nesta segunda parte, partilharei um desses sonhos da juventude, iniciado por volta dos meus 23 anos e que consegui, de algum modo, em alguma medida, embora menos do que gostaria e do que era necessário, até por volta dos 33 anos. Por essas questões, muitas vezes, estranhas, da vida que levamos, todos nós, é-nos imposto o abando de parte de nossos sonhos, em nome da luta pela sobrevivência ou que abandonamos, por mudar os objetivos de vida ou por sermos… bem… jovens! Na verdade, são projetos de vida cujo abandono impomos a nós mesmos, a partir das escolhas que fazemos, mescladas a contextos que nos são impostos, posto que há coisas que não conseguimos prever ou administrar, mas que nos acontece. Enfim…

Ainda acredito neste sonho; ainda acredito que a proposta que passarei a expor, novamente, a partir daqui, é boa, justa e operacional. Quem sabe um dia? Por hora, vamos confabular meu sonho dos 20 e poucos anos?

 

                                                               Manifesto por uma nova Utopia Política para o Brasil                                                                                 Vamos democratizar a democracia brasileira?

O poema acima, chinês ou não, é de uma sutileza e candura a toda prova. Do mesmo modo como não podemos deixar aos canalhas o monopólio da alegria, também não podemos deixar a eles o monopólio da beleza. O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), afirmou que “belo” é aquilo que dá prazer às pessoas. A beleza, contudo, não é uma qualidade intrínseca do objeto, mas uma percepção sensorial e, por que não?, cognitiva, do ser humano. Belo é viver em paz e harmonia, com amor e com alegria, com poesia e com maestria. Belo é viver.  Entretanto, como é mais do que percebido, no dia a dia, do Rio de Janeiro, do Brasil e do mundo; como é sabido, conscientemente, em boa medida e em muitos setores, não estamos caminhando por trilhas agradáveis. Até quando seguiremos ideias e políticas públicas de mau agouro?

A vida, como um todo, é maior e mais complexa dos que as vidas de todos e de cada um de nós e das ações comezinhas que realizamos no cotidiano. A força, da união afetiva, dedicada e competente, é maior e mais complexa do que meros atos isolados. É isso o que lança as sementes que dão sentido à vida humana, individual e coletivamente. Como escreveu Vinícius de Moraes (1913-1980), o operário faz a coisa e a coisa faz o operário, daí porque o poema nos mostra que tudo contém o ser, assim com o ser contém tudo: estamos em cada pedacinho do mundo, porque, embora ele exista por si só, independente de nós e se nos aniquilarmos, ele continuará  existir, é bom lembrar, ele, mundo só existe, frisando, para nós, seres humanos, porque nós o percebemos e com ele interagimos. Mais do que viver no mundo, somos o (nosso) próprio mundo, às vezes, sério, às vezes, caricato.

O jornalista e político francês George Clemanceau (1841-1929) disse o seguinte:

Quando o povo realmente acorda, as expectativas fraudadas são mais incendiárias do que as necessidades nunca atendidas”.

Em termos práticos, essa máxima política significa que o despertar das pessoas, quando essas percebem que foram enganadas, é terrível: a ira explode e a revolta se agiganta. Não raro, perde-se o controle da situação por um tempo – e às vezes, isso é necessário.

O nível de desfaçatez, de cinismo, de egoísmo, de corrupção, de medidas antidemocráticas, travestidas de progressistas, já passou dos limites do tolerável. Quem não gosta de política é governado por quem gosta; quem não se posiciona, é por terceiros, posicionado (e na maior parte das vezes, em posições que só beneficiam os donos do poder e não seus vassalos); quem não age, só pode se angustiar em seu “mundinho” (e nem todos conseguem isso) não pode reclamar das agruras do dia a dia que está piorando.

A situação brasileira está voltando a ser, para alguns, talvez, de aparente calmaria política, mas por baixo do lençol d´água partidário e político em geral, está havendo borbulhas originadas de um processo de fervura social que a todos está atingindo. A dramática situação do Estado do Rio de Janeiro e de sua capital, é apenas um exemplo do que podemos estar construindo para o país como um todo. Certamente, não é com “reformas” castradoras de nossos direitos, que sairemos desse atoleiro histórico em que (ainda) vivemos. A solução está em nossas mãos e não nas mãos de meia dúzia de representantes que não nos representam. Não há, em verdade, messias – embora haja falsos messias, aos montes!

Após constatarmos, a partir do pensamento de George Clemanceau, que é revolucionário, embora o político conservador nunca tivesse pretendido sê-lo, ou seja, que não podemos mais ficar de braços cruzados, deixando que corruptos e reacionários nos enganem mais, vamos refletir, brevemente, sobre outra frase, do filósofo Jean-Paul Sartre (1905-1980):

Menos importa o que fizeram ao Homem, mais importa o que ele faz do que fizeram dele ou para ele”.

Sartre era um Existencialista, e filosofias como essa, ao contrário das Essencialistas, propõem que a essência do ser humano é precedida por sua existência. Ou seja, é o fato de existir aí, no mundo, que nos faz viver e neste momento, aí sim, vamos construindo e reconstruindo nossa essência mutante, no tempo e no espaço, seja individual, seja coletivamente. A consciência humana existe para si e, além de perceber o mundo, pode se perceber, a si mesma, como um objeto. Essa distância faz de nossa consciência uma entidade algo posicional: só existe consciência de alguma coisa. Somos, nós outros, tudo o que desejamos ser, senão na materialidade do mundo, ao menos na subjetividade de nossa alma. O posicionamento consciente perante o mundo e diante dos atos e dos fatos humanos é o que nos faz ser o que somos e que nos dá subsídios para fazer aquilo que fazemos.

Estamos com nossos direitos sociais em risco por conta da ação ideológica falsa e interesseira de uns e outros que fazem sua voz ficar mais alta e suas ações políticas ficar mais eficientes do que a maioria (que muito foi reduzida a cacos ou a um processo de desânimo e desnorteio paralisante) dos brasileiros; do que a maioria da massa da população. E massa é bem apropriado aqui, porque o povo, ao ser classificado como massa, indica que, nessa condição, pode ser (re)modelado, o que, efetivamente, inquestionavelmente, acontece.

Entretanto, essa manipulação é menos importante do que o fato de que, como povo, temos, historicamente, nos deixado manipular. Mais importante é o que ainda não fizemos por nós mesmos. Em outras palavras, mais importante é que ainda podemos nos insurgir contra os desmandos e contra as falcatruas às quais temos sido submetidos. Com carinho, com solidariedade, com generosidade, com dedicação e com competência, temos plenas condições de virar esse jogo em que muitos pagam, literalmente, e poucos ganham quase tudo.

Fazendo nossa a ideia, acima exposta, de Sartre, é necessário que mudemos nossa atitude perante as bizarrices e as alienações que, politicamente, os donos do poder tentam nos impor, a nós, população. Para que obtenhamos esse intento, por intermédio de propostas que existem por aí, como a proposta chamada de Plano de Gestão Cidadã (PGC). São necessárias três premissas: 1 – vontade política, existente ou a construir (pelo poder público e pela população); 2 – afetividade e respeito pelo outro e 3 – uma metodologia de trabalho político que seja participativo (e não autocrática). Vamos analisar, brevemente, cada uma das premissas.

Não estou aqui pregando um voluntarismo ingênuo, como se apenas a vontade política resolvesse todas as mazelas sociais. Esse tipo de inferência é perniciosa porque pode nos levar a agir de modo leniente no tocante a busca de uma metodologia de trabalho eficiente, tão pernicioso quanto não nos empenharmos em elaborar propostas concretas, acreditando que apenas uma suposta “conscientização social” nos fará avançar. Vontade política é o desejo arraigado nas pessoas de, ao olhar para o contexto social, ver as injustiças que temos produzido e fazer da revolta perante essa situação a motivação necessária para sair da inércia e pensar, além de, sobretudo, fazer alguma coisa para que a superação desse estado calamitoso chegue logo. A razão é boa conselheira, mas não obrigatoriamente, boa motivadora. Motivemo-nos, pois! Não desanimemos!

O médico e psicólogo francês Henri Wallon (1879-1962), em seus estudos, navegou pelas áreas da educação e, nesse sentido, teorizou sobre o conceito de “afetividade”. Para Walon, a mãe ou o pai, ao abrir os braços para equilibrar o bebê em seus primeiros passos, realizam um gesto afetivo e isso gera na criança, o sentimento benéfico do acolhimento. Assim, o filho se sente incentivado a andar, porque se sente apoiado. Independente se, com Walon, a inteligência (razão) é tão importante quanto essa capacidade de acolhimento afetivo, o fato é que o desenvolvimento humano, tanto o individual, como nos casos estudados pelo francês, quanto no plano coletivo, a razão aconselha, mas quem motiva é o acolhimento afetuoso do outro, que nos impele à frente. Entre o afetivo e o cognitivo, o que acontece em um plano, atinge o outro beneficamente. Para Walon, ou o para o psicólogo russo Lev Semenovitch Vigotsky (1896-1934), o desenvolvimento humano depende do ambiente coletivo. Nesse sentido, é imperioso que achemos propostas concretas, que atuem tanto no plano cognitivo (planejamento e organização), quanto no plano do acolhimento afetuoso com o outro (respeito e carinho).

Podemos conseguir a motivação basilar para construir a vontade política, podemos atuar com afeto e respeito ao outro, para que tenhamos uma sociedade equilibrada e que busque justiça social para todos. Sim, muito difícil, mas temos que acreditar que a tarefa é possível, se não é melhor, junto com o historiador João Capistrano Honório de Abreu (1853-1927), locupletarmo-nos todos. Não obstante, de pouca valia será isso tudo se não conseguirmos pensar e elaborar, além de por em prática, ações concretas que materializem as medidas necessárias para que as transformações sociais das quais precisamos sejam implantadas de modo estrutural e não do jeito paliativo que temos feito. Quer dizer, além da proposta concreta em si, temos que construir uma metodologia de trabalho e de ação que realize a proposta em questão. A estratégia (palavra que vem do grego e que significa “plano, meta, metodologia”) necessita de táticas (os instrumentos para a efetivação de uma ação) corretas e eficazes.

O Plano de Gestão Cidadã (PGC) que proponho (o grupo que fazia parte propunha), desde 2000, parte dessas três premissas há pouco descritas, para atingir o objetivo de instituir, de modo real e efetivo, a participação popular na vida política das cidades, dos estados e do país. A partir desses três pressupostos, vamos propor, igualmente, os três pilares sobre os quais podemos (re)construir a cidadania política brasileira: 1 – participação popular; 2 – autoplanejamento/autogestão e 3 – qualidade social de vida. Vamos analisar uma por uma as metas aqui estabelecidas.

Não basta votarmos de quatro em quatro anos; não basta que o executivo governe e preste os imperativos serviços públicos, ainda por cima do modo precário conforme tem feito; não basta que as casas legislativas façam leis e supostamente fiscalizem o executivo; não basta que o judiciário julgue as demandas sociais, as individuais e as coletivas, quando julga, para afirmarmos que vivemos em uma democracia; não basta que fiquemos apenas a protestar nas redes sociais ou tão somente participarmos das passeatas nas orlas marítimas para aplacarmos nossa consciência cívica, achando que isso basta. Temos que cobrar que isso tudo aconteça, de modo oposto ao que tem acontecido.

Porém, é também absolutamente necessário que saímos de nossas “bolhas de proteção e diversão alienante” para que a política seja exercida conforme nossa Constituição, que diz que o poder é “do povo, pelo povo e para o povo”. Isso não acontece. E a culpa não é apenas dos oportunistas que estão no poder político e econômico: eles estão lá porque nós, povo, os pusemos lá e deixamos que façam o que querem. A responsabilidade pela melhoria de nossas crises é nossa! Assumamos isso! Nessa perspectiva, há que desenvolvermos o conceito e a prática, real e efetiva, de participação popular na política. Não amanhã, mas para ontem; não virtualmente, embora devamos fazer uso das ferramentas virtuais, mas concretamente.

Não é mais possível que deixemos aos supostos “técnicos”, “consultores” ou agentes representativos outros, o monopólio de planejar e de gerir o Brasil. Nós temos que fazer isso junto com esse pessoal. Diz o ditado popular que é o olho do dono que engorda o gado e o que temos feito é deixar que o capataz da fazenda cuide sozinho da administração dos negócios. E atualizando o ditado, é a boca torta do dono que aliena o gado. Autoplanejamento e autogestão política são, nesta ótica, os instrumentos por excelência para que o dono, ou seja, o povo, e não os políticos e os empresários, mídia incluída, cuidem sozinhos do Brasil.

Só com participação popular, com autoplanejamento e com autogestão será possível atingir a qualidade social de vida que tanto queremos e merecemos. O caminho que temos seguido, de uma democracia liberal de mercado, meramente representativa, se mostrou nitidamente insatisfatória, parcial, excludente e bem pouco democrática.

Tudo considerado até aqui, não há como permanecermos inertes, estupefatos, sorumbáticos, macambúzios e alienados perante tudo o que temos visto acontecer. Não podemos deixar aos cretinos, reacionários e corruptos, de todos os tipos, cores, credos, classes e ideologias, o monopólio da alegria e da política. Ambas têm que ser realizadas com prazer e de modo coletivo, tendo por base uma mudança estrutural na cultura social das pessoas e um novo, democrático e efetivo sistema de ensino, da pré-escola à universidade, incluindo as escolas de formação militar, o qual, sem desprezar a competência técnica dessa formação, não deve prescindir, de modo algum, da constituição humanista, em conjunto com a família, porque a escola, sozinha, não tem como dar conta dessa tarefa. Uma parte da educação para a cidadania é a educação política e é nessa área que a proposta que passarei a apresentar a vocês se encaixa.

Analisemos, então, o Plano de Gestão Cidadã (PGC).

O PGC tem o fito de oferecer à cidadania um canal para a livre manifestação e troca de informações para que a figura dos Projetos Populares (PP) possa emergir com forma e com eficácia. Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), nosso grande escritor, dizia que, quem troca pães, volta pra casa com um pão; quem troca ideias, volta pra casa com duas ideias.

O PGC, uma vez implantado, será conduzido pela Comissão Permanente de Assessoramento (CPA), órgão privado e preferencialmente composto apenas por cidadãos, e esta Comissão deve ser, tanto quanto possível, livre de ingerências políticas partidárias diretas (aparelhamento) ou dos meios de produção econômica e financeira (não prescinde, é claro, de financiamento, mas não pode ficar dependente do financiador).

O PGC é uma ação política presencial (reuniões por bairros a cada 4 ou 6 meses), mas que pode e deve ser complementado pelo uso das redes sociais. Cada bairro irá compor o seu Plano de Ação Popular (PAP). Ao final desse processo, a CPA tem que entregar para a cidadania, prioritariamente, e também, num segundo momento, para as autoridades, um Programa Popular de Governo (PPG). Esta Comissão não deve competir com as várias associações de moradores ou similares, mas sim ser-lhes complementar.

O Plano de Gestão Cidadã (PGC) tem, assim, os seguintes objetivos: discutir, politicamente, os problemas dos bairros, das cidades, dos estados e do país, claro, mas a ideia é discutir, prioritariamente, os problemas dos bairros e das cidades; fomentar as discussões sobre a elaboração de projetos populares a serem implantados; planejar o futuro político das cidades (dos Estados e do país) e gerir, coletivamente, nossas cidades, que prefiro chamar de Unidades Existenciais.

O PGC, ao final do processo, tem o objetivo de formar um, real e efetivo, Programa Popular de Governo (PPG), conforme abaixo.

A metodologia com a qual proponho maior participação popular na política, em seu passo a passo, é, resumidamente, a que passarei a expor. Entretanto, desde já, vale a ressalva de que, embora já tenha sido realizado um projeto-piloto, no Rio de Janeiro (em 2000/2001) e em Ponta Grossa (Paraná; em 2002/2003), há aproximadamente 15 anos, novo projeto-piloto tem que ser feito, até para aperfeiçoar a proposta. Para tanto, conto com você, que está lendo este Manifesto. Então, vamos ao operacional do Plano de Gestão Cidadã (PGC).

1 – Assessoria Comunitária (AC) – fase de auxílio aos cidadãos, no que toca ao conhecimento teórico de assuntos vários, onde são realizados os Planos de Ação Popular (PAP), base local para a formação do amplo Programa Popular de Governo (PPG).

2 – Encontros Políticos Locais (EPL) – reuniões políticas em cada bairro ou zona administrativa ou equivalente, da cidade, momento em que os cidadãos discutirão seus problemas e buscarão suas soluções para eles; dessas reuniões deverão sair voluntários com o objetivo de realizar pesquisas quantitativas, as quais atuarão como complemento dos EPL.

3 – Pesquisas Qualitativas por Amostragem (PQA) – serão realizadas concomitantemente aos EPL, onde perguntas atinentes serão feitas aos cidadãos que não estiverem participando dos EPL.

4 – Rede Popular de Pesquisa (RPP) – após os EPL/PQA, a ideia é que sejam realizadas consultas permanentes à vontade popular, a fim de que ela não se perca e para que ela não deixe de ser considerada e possa se manifestar, mesmo no período entre reuniões presenciais.

5 – Programa Popular de Governo (PPG) – uma vez realizados os debates e os diagnósticos, dos bairros e da cidade como um todo, por parte dos cidadãos que tiverem participado do processo, caberá à CPA unir em um único documento os Planos de Ação Populares (PAP) para formar o PPG.

6 – Ato Público de Lideranças (APL) – idealmente realizado na Câmara dos Vereadores, mas que pode ser feito em qualquer local público, o APL será um ato para entregar à sociedade como um todo e às autoridades competentes, em particular, o PPG.

7 – Apresentação do PPG à população em geral – periodicamente, após o PPG montado, ele será apresentado a todo cidadão que deseje conhecê-lo, seja por disponibilização pública on line, seja presencialmente, em Conselhos Político-Populares (CPP). O ideal é que ambas as estratégias estejam presentes.

8 – Realização dos Projetos Populares (PP), expostos no Plano de Gestão Cidadã (PGC) – fase eminentemente prática, onde os PP serão materializados, por financiamento público, com verbas públicas destinadas a partir da implantação do Orçamento Participativo, que é lei (embora muitos nem saibam) em vários lugares, como o Rio de Janeiro, ou privado, por financiamento em que os financiadores poderão obter eventuais descontos fiscais e/ou receberão um Selo Social da Cidadania (SSC), seja como for.

Vários produtos políticos, por assim dizer, podem emergir como resultado desse processo, alguns ainda nem pensados ou existentes. E que bom que seja assim, afinal, quem percorre sempre os mesmos caminhos só poderá chegar aos mesmos lugares. E convenhamos: os lugares sociais, definindo-os desse modo, aos quais temos chegado, não têm sido agradáveis, não é? Então, meus queridos, andemos para frente, porque quem anda para trás é caranguejo, quem fica parado é poste e quem fica rodando em círculos é cachorro louco, que fica correndo atrás do próprio rabo!

Na Era da Democracia Liberal de Mercado, quando exacerbada por pseudoliberais os partidos políticos e as estruturas apenas institucionais de poder mandam de modo que, não raro, mas ainda que um tanto veladamente, tangencia um absolutismo (nem sempre) recatado, porque não se assume como tal, deve ser discutida, descortinada e repactuada. O sistema representativo se tornou demasiadamente descolado dos interesses do povo em geral, para prestar reverência ao povo… dono de partidos, bancos e grandes empresas. Esse sistema não sustenta mais a tal “democracia” como querem nos fazer crer.

Muitos atribuem a crise da esquerda às promessas não cumpridas pela social-democracia, já que, para alguns, a direita entregaria o que promete (austeridade, incremento comercial etc., que, bem ou mal, restauram a atividade econômica, ao menos no curto prazo, embora mantenha a concentração de renda, dentre outras consequências socialmente deletérias). Outra crítica feita às esquerdas seria a de não oferecer alternativas reais e viáveis para as crises sociais, pondo-se, tão somente, como melhores gerentes da, supostamente, única alternativa restante após os embates do século XX, lembrando, a economia liberal de mercado. Mas essas são críticas, no mínimo, parciais.

Quem pensa diferente desse cânone dogmático é taxado de jurássico ou de populista ou (nas Américas) ou de comunista totalitário etc. Quando muito, de utópicos. Mas pensar caminhos alternativos é não apenas viável, é necessário. Afinal, quem percorre os mesmos trajetos tende a chegar aos mesmos lugares. E o lugar para onde o mundo está sendo conduzido não me parece, no geral e infelizmente, insustentável ambientalmente e pouco justo e agradável.

Este é o convite que lhe faço aqui, querida leitora, prezado leitor, por intermédio deste Manifesto: vamos “pensar fora da caixinha” e buscar, juntos, alternativas para uma vida melhor. Vamos incentivar e efetivar uma real participação popular na vida política brasileira. Vamos construir, juntos, um Plano de Gestão Cidadã (PGC).

Participação popular na política não é propriamente uma novidade, tampouco uma ideia lunática e que não é executada em lugar algum do planeta. Gérard Lemarquis, jornalista do Le Monde Diplomatique Brasil (artigo “Punk, Anarquista e Prefeito”, publicado em 03/11/2016), falou o seguinte sobre a gestão do prefeito Jón Gnarr, de Reykjavík, capital da Islândia:

Gnarr quis dar voz à população. Mas indo além do chauvinismo de bairro. Dois programas tinham criado fóruns para um ‘bairro melhor’ e uma ‘Reykjaìk melhor’. Longe de se sentir em curto-circuito, a municipalidade os encorajou. Assim, cada morador pode lançar uma iniciativa nessas plataformas. Uma discussão apareceu então: a favor ou contra os oradores participaram em seu próprio nome. O projeto que tivesse o maior apoio obteria um financiamento imediato. Todas as posições tinham de ser explicadas e justificadas, o que excluía e justificadas, o que excluía os movimentos de moda, os rancores e as ações exageradas.

Participação popular na política é não apenas desejável, como possível. Não realiza-la é deixar-mo-nos manter no estado de letargia e de regressão social que temos observado em vários países, como no Brasil.

Muitos ditadores, de fato ou desiludidos por não poderem sê-lo na realidade, veem a proliferação de ideologias ou mesmo visões de mundo diferentes da oficial e hegemônica, ainda que no mesmo campo ideológico, como obstáculos ao poder central, que deveria, por suposto, falar por todos e como expressões de agitação social e, nesta condição, devem ser reprimidas. Alguma semelhança com países da América do Sul onde se fala o Português?

O caminho único seria, por óbvio, o único possível e qualquer um fora dele seria, por este raciocínio, na melhor das hipóteses, utópico. Uma posição política livremente assumida, afinal, é muito perigosa para o poder estabelecido, certo? Uma ideologia é uma visão de mundo, não é um elemento castrador. Uma ideologia não é um repertório de conteúdos pré-fabricados; uma ideologia é, segundo o filósofo argentino Eliseo Verón (1935-2014), uma gramática de engendramento de sentidos sociais. Criemos, pois, novos sentidos, com aromas suaves e diversos, para que sigamos tranquilos, por novos caminhos e cheguemos, assim, a lugares vários, porém agradáveis e justos (porque existe mais de um bom lugar). Senão a jornada não vale a pena.

O maior problema para a participação popular talvez seja o fato de que a maioria das pessoas parece não ter o interesse nesse tema e muito menos, a motivação para realizar ações que transformem não apenas suas vidas, mas a vida da coletividade, para muito além do discurso apaziguador de consciências. O filósofo chileno-brasileiro Vladimir Safatle atribui esse fenômeno à consciência de que quase todos temos, de que seríamos irrelevantes, na esfera decisiva e no campo da ação concreta. As pessoas se desinteressariam, nesta perspectiva, porque, no fundo, achariam que sua opinião seria irrelevante, que as coisas acontecem independente da sua vontade e que o que podem fazer é muito pouco. Não é assim. Isso é o que nos tentam fazer crer que acontece. O que as pessoas parecem não perceber é que o pouco que podem fazer é muito mais do que nada.

Questões políticas são, no mais das vezes, em boa parte, técnicas e isso, além de dificultar a real compreensão de seus alcances dá, em quem as acompanha, certo enfado. É fato. A preguiça de pensar e de propor se agiganta e é esta inércia que temos que vencer, os que percebemos como ela tem sido perniciosa para a vida de todos nós.

No meio de uma crise econômica e financeira e com tanto por fazer, o Ministério das Cidades já teve, mais de uma vez, que devolver ao Banco Mundial, milhões de dólares. Dinheiro que nos foi emprestado a fundo perdido, ou seja, que nem precisa ser pago, para o desenvolvimento de políticas sociais, mas que não puderam ser postos em realização. E por quê? Por que os gestores municipais no Brasil, e sua população, não têm projetos fundamentados para serem executados! Isso é inconcebível e inadmissível! Vamos continuar a permitir isso ou vamos construir, juntos, um desses projetos, para ajudar a democratizar a democracia brasileira? Fico com esta opção e o convido para a empreitada.

Além de ser um enorme desperdício de recursos, essa devolução de verba, especialmente pelos motivos apontados, é algo extremamente cruel com a população, que seria a beneficiária se não houvesse tanta incompetência administrativa, tanta inapetência política, tanto roubalheira de dinheiro público, pelos agentes públicos e privados (não se esqueça disso!), representantes do grande mercado capitalista brasileiro e se não houvesse tanta omissão nossa, como povo.

Este Manifesto por uma nova Utopia Política para o Brasil está baseado na minha cabeça e no meu coração porque, como dizia Mahatma (grande alma) Gandhi, o conhecimento só serve ser tornar melhor a vida do Homem, mas de pouco adianta a cabeça estar cheia se o coração estiver vazio. Juntando as duas coisas, além deste texto, sugiro a quem se interessar pelo tema e quiser aprofundá-lo, teoricamente, a ler livros sobre o tema, como o livro que escrevi com um amigo (meu irmão), referenciado ao final desta segunda parte do artigo. Peço, a quem desejar não apenas protestar nas redes sociais ou participar de uma passeata anual, tão somente, mas também fazer alguma coisa concreta para superarmos nossas crises sociais, a se juntar à causa que prega maior participação popular na vida política do Brasil.

Este é um Manifesto por uma Utopia, mas não a utopia como comumente se entende, ou seja, como algo que é inatingível: para além de “não lugar”, Utopia também pode querer dizer “meu lugar”, “melhor lugar”. E este lugar pode estar logo ali, desde que saibamos olhar; um lugar de carinho, de solidariedade e de generosidade, mas também de dedicação e de competência. O escrito e jornalista uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015) disse, uma vez, que Utopia é um horizonte para onde devemos nos encaminhar. Contudo, quando andamos dois passos em relação a ele, este horizonte dá dois passos para trás; quando damos mais dez passos em sua direção, esse horizonte recua os mesmos dez passos. Então, pra que serve uma Utopia, cabe a pergunta? A resposta é do próprio Galeano: serve para andar pra frente! Vamos juntos, buscar novos caminhos?

Chega de tanto cinismo, desamor, egoísmo, desfaçatez, hipocrisia, desonestidade, alienação, covardia, incompetência e inação! Participação popular na política, real e efetiva, já!

Observação:

A proposta do Plano de Gestão Cidadã (PGC), que baseou o projeto-piloto já realizado e que gostaria que baseasse um novo projeto-piloto, foi extraída do livro abaixo referenciado (capítulo 4), que traz, ainda, uma discussão mais aprofundada sobre Democracia (capítulo 1), sobre o Estado, enquanto poder público (capítulo 2) e sobre as cidades como nossas Unidades Existenciais (capítulo 3).

GALVÃO, Carlos Fernando & MEFFE, Corinto. Democracia – do conceito à prática, da representação à participação. Coleção “Saber de Tudo”. São Paulo: Editora Claridade, 2010

 

Carlos Fernando Galvão, Geógrafo, Doutor em Ciências Sociais e Pós Doutor em Geografia Humana, cfgalvao@terra.com.br

 

 

 

 

 

 

Author

Carlos Fernando Galvão é carioca, Bacharel e Licenciado em Geografia (UFF), Especialista em Gestão Escolar (UFJF), Mestre em Ciência da Informação (UFRJ/CNPq), Doutor em Ciências Sociais (UERJ) e Pós Doutor em Geografia Humana (UFF). Autor de mais de 160 artigos, entre textos científicos e jornalísticos, tendo escrito para periódicos como O Globo, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e Le Monde Diplomatique Brasil, também foi colaborador do Portal Acadêmico da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) entre 2015 e 2018. Atualmente, escreve com alguma regularidade no Portal ArteCult. É autor, igualmente, de 14 livros.

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