Roma é um filme raro.
Longe, muito longe do chamado “cinema-pipoca”. Estamos falando de um cinema sofisticado, muito bem planejado e executado. De uma obra de arte com uma simbologia própria e recheada de referências muito sutis aos trabalhos anteriores do próprio diretor, o mexicano Alfonso Cuarón, responsável por outros filmes sensacionais como Gravidade, O Labirinto de Fauno, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkhaban, entre outros.
Seu ritmo inicial é lento, mas depois você percebe que este timming é proposital, ou seja, para você acompanhar exatamente o tempo das coisas que se desenrolam na tela. E existem cenas geniais. Outras enigmáticas, acho até abertas mesmo às interpretações subjetivas.
Roma é único, poderoso e deverá ser para qualquer mexicano que se preze um motivo de orgulho, devido a algumas cenas históricas do país e também por este trabalho mágico e visceral deste diretor mexicano.
O filme tem um realismo tão avassalador que, ao saber depois como foi o processo de filmagem (muitas vezes para aumentar este realismo, por exemplo, o elenco simplesmente não sabia o que iria acontecer no dia das filmagens e, além disto, a atriz principal, Yalitza Aparicio, que não possuia nenhuma experiência anterior de atuação!), você se espanta mesmo com o tamanho do desafio do projeto e como Cuarón conseguir efetivá-lo. Depois fiquei sabendo que a propria Marina Tavira, a atriz mexicana que faz Sofia (a patroa, mãe das crianças), ficou atordoada no processo, só mesmo se acostumando no decorrer das filmagens, feitas também na ordem cronológica da trama.
ROMA é principalmente uma homenagem linda a uma empregada da infância do diretor, Liboria Rodriguez, a “Libo” que no filme chama Cleo.
Ele consegue nos transportar para o seu passado e, consequentemente, acompanha o drama de sua família, abandonada pelo pai, e do próprio México naqueles anos difíceis de repressão.
E é de uma sensibilidade tocante esta homenagem, você entende o envolvimento emocional crescente da família com Cleo, que fica grávida e também é abandonada e passa a ser desprezada pelo namorado. o filme então mostra a força destas duas mulheres, de mundos completamente distintos, mas com dramas pessoais tão parecidos. Uma com 4 filhos e outra com um à caminho, mas sem nenhuma ajuda de seus homens.
Roma possui identidade própria, um charme pessoal e sua própria simbologia. Aliás, seus aviões (para mim o maior símbolo da viagem ao passado do diretor), suas cenas de filmes antigos, a praia e seus pequenos astronautas que aparecem sutilmente no decorrer da trama possuem também um significados especiais para mim e me remetem á minha própria infância.
A edição de som é outro show à parte. Tive oportunidade de ver no cinema, numa sala onde o sistema é de primeira. E existem detalhes maravilhosos que foram muito bem trabalhados na edição do som, para mostrar o crescente do perigo em cada ato. O tremor, o incêndio no bosque, o barulho da multidão do protesto, o barulho das ondas… Quem assistir vai poder notar.
Seu clímax, a cena da praia, pode ser uma das mais marcantes que já vi no cinema. Ah sim, e a cena do parto também, ouvi vários “snifs” de várias pessoas emocionadas à minha volta no cinema. rs
Mas repito, seu ritmo vai incomodar quem está acostumado com aquele cinema pipoca ou o cinema padrão Hollywoodiano.
Confira o trailer :
Coloquemos então ROMA da seguinte forma: para nós cinéfilos, o cinema é uma “cachaça”. Nós “bebemos” de tudo e às vezes nos esbaldamos mesmo. Em outros momentos passamos mal infelizmente com a baixa qualidade da “bebida”. Bem, Roma então seria um ROMANÉE-CONTI, um dos vinhos mais raros e caros do mundo. Ou seja, nem todos saberão vão saber apreciá-lo ou até mesmo, simplesmente, não irão gostar.
Mas uma coisa é muito certa para mim. Ele deverá ser um dos MAIORES concorrentes da categoria “Melhor Filme Estrangeiro” na corrida pelo Oscar 2019. Um filme da NETFLIX que já está ganhando inúmeros prêmios pelo mundo, já tem um Leão de Ouro na conta e com um assombroso índice de aprovação de 96% do famoso site Rotten Tomatoes.