Mitologias pelo mundo, além da grega: a história de todos nós – parte VII: Conheça as mitologias árabe e persa

 

                                                                                                                              “A pior forma de covardia é testar seu poder na fraqueza do outro.”
Abu Alcácime ibne Abedalá ibne Abedal Motalibe ibne Haxime,
mais conhecido como Maomé (561-632), líder político, religioso e profeta do Islã

 

Na primeira parte deste longo artigo, situamos o contexto histórico e algumas questões filosóficas, por assim dizer, sobre os quais as mitologias pelo mundo, de um modo geral, foram edificadas. Na segunda parte, a temática versou sobre a mitologia grega, talvez uma das mais famosas em todo mundo. Na terceira parte, mergulhamos em passagens mitológicas da nossa terrinha tupiniquim, com histórias dos povos originários e dos negros africanos que foram, indignamente, escravizados e trazidos para o Brasil. Na quarta parte, começamos, efetivamente, digamos deste modo, a passear pelas mitologias de vários povos, iniciando, este passeio, pela nossa América Latina, com históricas dos povos pré-colombianos e mesoamericanos. Na quinta parte, regressaremos para a Europa, com partes de histórias que, também, muito influenciaram a nossa cultura brasileira, até porque, mantiveram forte relação com a cultura da Grécia Antiga, no caso da mitologia romana, ou que nos fascinam sobremaneira, até os dias atuais, como a egípcia. Na sexta parte, falaremos, brevemente, sobre dois povos um tanto menos conhecidos dos que os gregos, os romanos e os egípcios, mas que com eles mantiveram profundas relações culturais e, especialmente, conflituosas, os frígios e o hititas. Estes últimos, com destaque especial para as várias guerras travadas com os egípcios. A despeito do espírito guerreiro, suas mitologias também são capazes de nos encantar. Continuemos, pois, nossa viagem encantada pelo mundo antigo e suas belas histórias. Nesta sétima parte vamos passear um pouco pelas culturas árabe e persa, diferentes, porém, um tanto conectadas entre si, bem como, por mais incrível que possa parecer para alguns, com a cultura judaica, isso, para além da localização geográfica e histórica.

 

Mitologia Árabe

Na cidade de Meca, havia a Caaba, um templo sagrado em forma de cubo que guardava um reverenciado meteorito negro. Na tradição muçulmana, a Caaba original teria sido construída por Adão, seguindo um projeto celestial e, depois do dilúvio, teria sido reconstruída por Abraão e por Ismael, filho do patriarca com a serva Agar. Esta é uma forte razão pela qual a cidade de Meca é, até os dias atuais, considerada sagrada, além de ser o local de nascimento do profeta Maomé ou Muhammad, que morreu na cidade de Medina, tendo, segundo a tradição, deste local ascendido aos céus, para se juntar a Alah, o Deus maior, o mesmo Deus católico ou judeu, chamado, em Hebraico, de Jeová. Medina, desde modo, também se tornou uma cidade sagrada para os muçulmanos que, inclusive, procuram fazer, ao menos uma vez na vida, uma peregrinação às duas cidades.

Maomé, conta-se, incomodava-se com a antiga religião árabe, com o politeísmo, com o animismo e com o que chamava de imoralidade das assembleias religiosas, com as bebedeiras, com as jogatinas, com o que chamava de “danças imorais”, com o sepultamento em vida de bebês femininos indesejados… enfim, com muita coisa. Originariamente, o Animismo foi uma espécie de primeiro estágio na evolução religiosa, quando as pessoas criam que todas as formas de vida agiriam com intencionalidade. O Animismo afirma a existência da imortalidade da alma, considerada como princípio e sustentação de todas as atividades do ser, especialmente suas percepções, seus sentimentos e seus pensamentos, baseado na ideia de que todas as coisas animadas e, nas versões mais radicais, mesmo inanimadas, possuem um espírito que conectaria cada um ao todo. Sendo uma concepção relativamente comum em vários povos antigos, normalmente Animismo não é considerado uma religião em si, mas uma característica de várias práticas e crenças.

Maomé costumava, conforme reza sua história, meditar em cavernas e, em uma dessas vezes, alegou ter recebido um chamado de Deus para ser o seu profeta, a partir de uma conversa que teve, por interlocutor imediato, o anjo Gabriel, que teria, por suposto, revelado ao profeta, a vontade divina. Maomé foi perseguido por 13 anos pelos líderes religiosos de então e acabou por conseguir transferir seu centro de atividades de Meca, para Medina, no ano de 662 depois de Cristo e esta migração foi tão marcante para os muçulmanos que eles começaram um novo calendário a partir deste ano. Com o crescimento de seu poder, Maomé acabou por dominar religiosa e politicamente, a cidade de Medina, tornando, como dito anteriormente, ambas as cidades, no que hoje conhecemos por Arábia Saudita, sagradas. A partir desta posição, Maomé conseguiu unificar as tribos árabes, com base na política e na religião, a partir do que chamava de “submissão a Alá (Deus)” que é o significado do termo “muçulmano”, que é aquele que se submete. Já, uma nova curiosidade, a palavra “salaam” (ou shalom, em hebraico) quer dizer “paz; harmonia”, daí a expressão famosa “salaam aleikum” (que a paz esteja convosco) e sua resposta “aleikum salaam” (que a paz também esteja convosco). A doutrina de Maomé, que seria a decodificação da palavra de Alah, está compilada no Corão (al corão é “o corão”). Abraão, Cristo etc. são homens sagrados para os muçulmanos e para os judeus, mas como profetas; Maomé foi seu maior profeta.

Alguns mitos árabes famosos

1 – A lenda da “Lâmpada Maravilhosa de Aladim” é um dos contos mais famosos da cultura árabe; é a narrativa de um jovem pobre, Aladim, que embarca em uma série de aventuras depois de ser enganado por um feiticeiro malvado, até entrar em contato com um mágico, um Jinni (segundo a mitologia local, Jinnis eram anjos que foram criados por Deus milhares de nos antes mesmo de Adão e Eva) que o ajuda a ganhar o amor de uma princesa, com o apoio de uma lâmpada que carregava um gênio que concedeu a Aladim, três desejos.

2 – A lenda de Sherazade conta que ela teria sido a contadora das famosa história “As mil e uma noites” foi uma famosa coleção de contos escritos entre os séculos XIII e XVI, todos interligados, isto é, um é o complemento do outro; as histórias são ambientadas no Egito e na Pérsia. A obra conta a história do Rei Périsa, da Pérsia, que, traído pela esposa, mandou matá-la e desse momento em diante decidiu passar cada noite com uma mulher diferente, que era degolada na manhã seguinte. Dentre as várias mulheres que desposou, Sherazade foi a mais esperta, iniciou um conto que despertou o interesse do Rei em ouvir a continuação da história na noite seguinte. Com sua esperteza, Sherazade escapou da morte e, para continuar vivendo, teria contado mil e uma noites.

3 – A lenda de “Ali Babá e os Quarenta Ladrões” é mais uma grande e famosa história da mitologia árabe. Ali Babá viajava pelo reino da Pérsia e era um dos mensageiros do Rei. Em uma de suas viagens, ouviu vozes ao longe e, ao subir em uma árvore, viu 40 ladrões diante de uma pedra enorme, até que um deles gritou “Abra-te Sésamo!”. Depois dos ladrões irem embora, Ali Babá deu o mesmo grito e, abrindo-se a porta, vislumbrou uma caverna cheia de tesouros. Ali Babá carregou o que pode e ofereceu ao Sultão local essas riquezas, como dote para casar com a princesa, o que foi aceito. Sabendo da festa de casamento, os ladrões se esconderam em barris de vinho para pegar de volta sua riqueza, posto que um deles vira Ali Babá sair da caverna, com o carregamento com que conseguira para o casamento com a princesa. Ali ouviu um dos bandidos perguntarem se a festa já havia terminado e regressou às comemorações, dizendo para os convidados que o vinho havia estragado. Conseguindo ajuda, levou os barris para um precipício próximo e quando os ia arremessar, os ladrões se entregaram à guarda real, que estava presente. Ali Babá ficou com o tesouro, inclusive o que ainda estava na caverna e se casou com a princesa.

Essas histórias são amplamente conhecidas, além de outras, como as das aventuras do marinheiro Simbad.

Antes da unificação do Islã por Maomé, a região na Península Arábica era politeísta e alguns de seus principais deuses eram os seguintes: Hubal (Deus dos deuses); Allat (Deusa da lua); Al-Uzza (Deusa da fertilidade); Manata (Deusa do destino e era usada para nomear muitos dos filhos, ao nascerem; ela também protegia os peregrinos); Manaf; Wadd (Deus do amor e da amizade); Amm (Deus do tempo); Ta´lab (Deus da lua); Dhu´l-Halasa (Deus da profecia; era um oráculo); Al-Qaum (Deus da guerra e da noite, além de guarnecer as caravanas) e Dushara (Deus das montanhas).

Espíritos sagrados e monstros

Marids eram tidos como poderosas entidades “Djinn”, com algum livre arbítrio, mas que tinham tarefas específicas as quais eram obrigados a realizar e podiam conceder desejos aos mortais.

Ifrit ou Ifritah ou Efreet era uma classe de gênios do inferno, porém, inferiores aos demônios, propriamente ditos; podiam ser masculinos ou femininos e seriam criaturas aladas de fogo, que viveriam nos subterrâneos e em ruínas de mundos antigos; geralmente, casavam-se entre si, mas por vezes, casavam-se com humanos; não morriam com armas humanas, mas eram suscetíveis à magia.

Jinn ou Jinni era uma criatura sobrenatural, também com livre arbítrio e podia ser bom ou mau (quando isso acontecia era porque um ser humano se transformou).

Roc era uma enorme ave de rapina que, tal como a Fênix, ressuscitava das cinzas e esse mito pode ter se misturado, segundo estudiosos, com a lenda do Thunderbird. O Thunderbird, também conhecido como “Pássaro do Trovão”, foi um mito prevalente entre os povos Algonquianos no Nordeste do Canadá (Ontário, Quebec) e dos Estados Unidos, com os povos Iroqueses (circundando os “Grandes Lagos”, região de fronteira entre os dois países). Na mitologia Algonquina, o Thunderbird controlaria o mundo superior enquanto o submundo seria controlado por uma pantera subaquática ou, em outras versões, por uma enorme serpente. O Thunderbird criava não apenas um trovão (com suas asas batendo), mas relâmpagos, que lançaria de seus olhos. Alguns o consideravam um “devorador de homens”; para outros, era, em oposição, um ser bom e que atacava monstros.

Nasnas era meio monstro e meio ser humano, um ente híbrido entre um ser humano e um demônio chamado Shikk. Acreditava-se que ele podia tirar a carne de uma pessoa, apenas tocando-a.

Zarqa Al-Yamama era uma mulher mágica e poderosa, com olhos brilhantes e azuis, hipnotizantes, com que previam o futuro, gerando, por este motivo, inveja; seus olhos foram arrancados e ela, crucificada e morta, assombrando as pessoas.

Qutrub era um monstro parecido com um lobisomem, um demônio ou Jinni.

Ghoul era um demônio do deserto que podia assumir a aparência de um animal, normalmente, de uma hiena, atraindo viajantes incautos para o deserto e devorando-os, além de roubar sepulturas, beber sangue (em lenda semelhante à famosa história de Bram Stocker, com seu “Drácula”) e comer cadáveres, assumindo, se quisesse, a forma do ser humano que devorou.

Bahamut era um peixe grande do oceano, mas que poderia viver na terra, podendo ter uma cabeça de um hipopótamo ou de um elefante. A mitologia diz que este peixe gigante carregava um touro gigante nas costas e que contaria com a ajuda de um anjo de Deus para equilibrar a vida entre terra e o mar. Na mitologia mesopotâmica, o Bahamut passou de um peixe grande para um dragão guerreiro e poderoso.

 

Mitologia Persa

Zurvan, Deus do Tempo e do Destino, foi o criador da luz e das trevas. Diz a mitologia que Zurvan meditou por mil anos e criou, ao final da meditação, uma criança que chamou de Mazda. Esta criança, então, futuramente, criaria o mundo. Posteriormente, nasceu outro filho, o Ahura Mazda. Ormuz seria o mestre e escultor do mundo que conhecemos. O mito da criação indica que o Sol era o olho de Ormuz, transformando-o em uma divindade onisciente (semelhante a outras culturas, como a Egípcia que tinha o seu Deus Sol, chamado Rá). O céu e as estrelas eram as vestimentas de Ormuz e as águas, suas esposas.

O Zoroastrismo se tornou a religião principal da região, sistematizada, por assim dizer, a partir da liderança de Zaratustra ou, na versão grega, Zoroastro, poeta e profeta persa do século VII antes de Cristo, segundo a maioria dos estudiosos que, no entanto, não têm como precisar o período em 1ue viveu. Uma das principais divindades chamava-se, como visto acima, Ahura Mazda ou Ahuramazda ou Ormuz ou Ormasde ou Harzoo ou Hormazd ou Hourmazd, que era o Deus maior, criador do mundo e da vida e símbolo de pureza, redenção e sabedoria; é ele quem decide quem iria para o paraíso ou para o inferno, a partir do julgamento do que cada um faria da sua própria vida. Seu principal inimigo era o demônio Angra Mainiu ou Ahriman, ou Arimã ou Arimane (Deus x Demônio), que corrompeu a principal criação de Mazda, os seres humanos. Assim, Ahura Mazda deu aos homens, o livre arbítrio (algo, também, bastante caro aos católicos, aos espíritas kardecistas etc.), para que eles pudessem optar pelo tipo de vida que desejam ter e, com isso, terem uma chance de se livrar da condenação eterna.

Zoroastrismo é uma palavra derivada de Zoroastro (ou Zaratustra), seu fundador, e era caracterizado pelo dualismo cósmico que era, basicamente, a eterna luta entre os opostos, como o bem e o mau, e inspirou várias concepções de religiões diferentes, como no Islamismo, no Judaísmo, no Catolicismo, o Yin-Yang chinês…

Angra Mainu era um espírito maligno do panteão persa, sendo a própria encarnação do mal, da discórdia e do caos; ele luta conta a luz e tudo o que é bom, liderando outros espíritos ruins (como o diabo católico). Mainu era irmão de Ahura Mazda e gêmeo de Spenta Meynu (que, não obstante o irmão, era bom), mas com ele vivia travando uma luta cósmica, tentando fazer triunfar o mal, sobre o bem.

Aredvi Sura Anahita, Deusa das Águas e fonte de vida, do crescimento, da saúde, da cura, da fertilidade e da sabedoria. Haoma era (e é) o Deus da Saúde, da colheita e da vitalidade; também representava as plantas e seu nome era o de uma planta com muitas propriedades curativas.

Mitra, também Deus Sol, era adorado e representava o Sol nascente, o amor, a amizade, a honestidade e protegia os contratos de todos os tipos, supervisionando os acordos, as leis e, orientando as pessoas, garantindo a ordem, também representava a verdade e o governo.

Sraosa ou Sraosha (equivalente a Hermes, na mitologia grega), foi uma das primeiras criações de Ahura Mazda para ser um mensageiro e um intermediário entre os deuses e os seres humanos. Sraosha e Mitra se unirão, relata o mito, no Dia do Juízo Final, para garantir que a justiça para os não condenados seja realizada.

Azar ou Azar Goshasb ou Atar, Deus do Fogo, sendo ele mesmo, o próprio fogo; era filho de Ahura Mazda e símbolo da ordem e protetor dos exércitos do céu.

Vohu Mana ou Vahman ou Bamã ou Bahman, Deus do Conhecimento e protetor dos animais; seu nome significa “aquele que tem boas ações”; senta-se ao lado direito de Ahura Mazda e é seu conselheiro. Tem como principal inimigo o demônio Aquan. Também foi uma das primeiras criações de Mazda.

Vayu ou Vayu-Vata, Deus da Atmosfera e do Vento; portador da chuva e da vida, também está associado à morte, por ser incontrolável e irascível; é, pois, um ser dúbio, tanto criador quanto destruidor (como o Vishnu dos indianos), sendo, assim, angelical e demoníaco em uma só entidade e, dado o fato de ser como o vento (como é descrito Hermes, na mitologia grega clássica), viaja por todo o mundo.

Rashnu, Deus da Justiça, era um anjo e vivia na interface entre o mundo humano e o reino dos mortos. Será, pelo mito, ele a ler o registro dos atos de cada um, no Dia do Juízo Final.

 

 

Carlos Fernando Galvão,
Geógrafo, Doutor em Ciências Sociais e Pós Doutor em Geografia Humana


cfgalvao@terra.com.br

@cfgalvao54

 

 

Bibliografia de consulta e sugerida para aprofundamento:

  • CURTIS, Vesta Sarkhosh. Mitos Persas. Três Cantos, Espanha: Editora Akal, 1996
  • HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. Rio de Janeiro: Companhia de Bolso, 2006

 

 

 

Author

Carlos Fernando Galvão é carioca, Bacharel e Licenciado em Geografia (UFF), Especialista em Gestão Escolar (UFJF), Mestre em Ciência da Informação (UFRJ/CNPq), Doutor em Ciências Sociais (UERJ) e Pós Doutor em Geografia Humana (UFF). Autor de mais de 160 artigos, entre textos científicos e jornalísticos, tendo escrito para periódicos como O Globo, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e Le Monde Diplomatique Brasil, também foi colaborador do Portal Acadêmico da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) entre 2015 e 2018. Atualmente, escreve com alguma regularidade no Portal ArteCult. É autor, igualmente, de 14 livros.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *