PRATOS CLÁSSICOS: conheça a história do (verdadeiro) FETTUCCINE ALFREDO

 

Alguém já disse que “fazer o simples e bem feito dá mais retorno do que fazer o complexo e pouco eficiente“, não é mesmo? O que é bem verdade, na medida em que o simples, por diversas vezes, forma a base de tarefas mais complexas. A simplicidade, muitas vezes, leva à eficiência. E isso fica bastante evidente quando falamos desse prato clássico, composto de apenas três ingredientes: massa, queijo e manteiga…

Pois é. Com esses três elementos criou-se um prato que se tornou um dos ícones da gastronomia mundial com seus mais de 100 anos de história e que, muito provavelmente, você já deve ter encontrado no cardápio de restaurantes pelo mundo afora, muitas vezes feito de forma errada, acrescentando ingredientes que não constam da receita original, como o creme de leite, presunto, cogumelos…

Mas estamos aqui pra aprender a fazer o clássico, sem firulas ou acréscimos. Antes, porém, acho interessante saber como tudo começou.

E para isso, precisamos retornar ao ano de 1908, quando Alfredo Di Lelio, proprietário de um restaurante que ficava na Piazza Rosa, próximo da  Galleria Colonna (atual Galleria Sordi) em Roma, por conta dos problemas de saúde e falta de apetite pelos quais passava sua esposa após dar à luz ao primeiro filho do casal, resolveu preparar um prato revigorante para ela, utilizando-se de poucos ingredientes, mas de qualidade, ricos em proteína. Utilizou-se de um fettuccine artesanal, muita manteiga e queijo Parmigiano Reggiano. Ela gostou tanto da novidade, que sugeriu ao marido acrescentar o prato no cardápio.

Porém, foi em 1914 que o restaurante, batizado de ALFREDO ALLA SCROFA, incluiu o prato no cardápio e o sucesso foi imediato, principalmente entre personalidades estrangeiras. Reza a lenda, não tão lenda assim, que o casal de atores Douglas Fairbanks e Mary Pickford, durante lua de mel na cidade eterna, provaram – a aprovaram – o prato, tanto que, em agradecimento, presentearam Alfredo, enviando-lhe talheres de ouro com uma dedicatória.

Encontrei em um site a história do prato contada pela neta do criador, que reproduzo a seguir:

Ines Di Lelio, irmã de Alfredo III, abre o livro de visitas para mostrar um desenho dedicado de John Hench, o famoso ilustrador de Walt Disney, no restaurante Il Vero Alfredo, em Roma, em 7 de fevereiro de 2018, ao comemorar 110 anos de seu prato exclusivo ” fettuccine all’Alfredo”.
A popularidade do restaurante é atribuída ao seu famoso prato o “fettuccine all’Alfredo”, tagliatelle grande amassado em semolina e temperado com manteiga fresca e parmesão. Criada por Alfredo Di Lelio, em sua pequena trattoria, por amor de sua esposa Inês, fragilizada pelo nascimento de seu primeiro filho em 1908. / AFP PHOTO / Alberto PIZZOLI (o crédito da foto deve ser ALBERTO PIZZOLI/AFP via Getty Images)

“Tenho o prazer de contar a história do meu avô, que é o criador de “Fettuccine all’Alfredo” (“Fettuccine Alfredo”) em 1908 na “trattoria” dirigida por sua mãe Angelina em Roma, Piazza Rosa (Piazza desapareceu em 1910 após a construção da Galleria Colonna/Sordi).

Esta “trattoria” da Piazza Rosa tornou-se o “berço do fettuccine all’Alfredo”. Mais especificamente, como é do conhecimento de muitos amantes do “fettuccine all Alfredo”, este prato famoso no mundo foi inventado por Alfredo Di Lelio preocupado com a falta de apetite da sua esposa Inês, que estava grávida do meu pai Armando ( nascido em 26 de fevereiro de 1908).

Alfredo Di Lelio abriu seu restaurante “Alfredo” em 1914 em Roma e em 1943, durante a guerra, vendeu o restaurante para outras pessoas fora de sua família.

Em 1948 Alfredo Di Lelio decidiu reabrir com seu filho Armando seu restaurante na Piazza Augusto Imperatore n.30 “Il Vero Alfredo” (“Alfredo di Roma”), cuja fama no mundo foi fortalecida por seu sobrinho Alfredo e que agora é administrado por mim, com os famosos “talheres de ouro” (garfo e colher de ouro) doado em 1927 por dois conhecidos atores americanos Mary Pickford e Douglas Fairbanks (em agradecimento pela hospitalidade). Veja o site do “Il Vero Alfredo” para “As franquias de Alfredo no mundo”.

Devo esclarecer que outro os restaurantes “Alfredo” em Roma não pertencem e estão fora da minha marca “Il Vero Alfredo – Alfredo di Roma”.

A marca “Il Vero Alfredo – Alfredo di Roma” está presente no México com um restaurante na Cidade do México e uma trattoria em Cozumel, através de relações de franchising com o Grupo Hotel Presidente Intercontinental México.

O restaurante “Il Vero Alfredo” está no Registo de “Lojas Históricas de Excelência – secção de Actividades Históricas de Excelência” do Município de Roma Capitale. Atenciosamente, Inês Di Lelio.” 

Alfredo vendeu o restaurante original, chamado ALFREDO ALLA SCROFA (Via della Scrofa, 104/A. Roma) e abriu um outro restaurante que hoje em dia é administrado pela sua família, o IL VERO ALFREDO (Piazza Augusto Imperatore, 30. Roma). No que pese haver uma briga de egos entre os dois restaurantes, digladiando-se pelo título de criador verdadeiro do prato, o fato é que eles existem até hoje e são pontos turísticos de Roma.

“[Os fettuccine] são temperados com bastante manteiga e parmesão gordo, não envelhecido, para que, num ritual de extraordinária teatralidade, o dono misture a massa e a levante para servir, os fios brancos de queijo dourados com manteiga e o amarelo brilhante das fitas de massa de ovo oferecendo um vislumbre para o cliente; ao final da cerimônia, o convidado de honra é presenteado com os talheres de ouro e a travessa, onde o fettuccine louro rola no dourado pálido dos temperos.”

Agora que já sabemos um pouco da história desse prato centenário, vamos iniciar os trabalhos.

Começando pelos ingredientes – e eles são apenas três, como vimos.

A massa utilizada é, obrigatoriamente, o fettuccine que, em italiano, quer dizer, literalmente, “pequenas fitas”. É uma massa em formato de ninho e é mais estreita que o tagliatelle, combinando com molhos mais delicados e a base de creme.

O ideal é fazer a própria massa (250g de farinha de trigo duro italiana tipo”00″, 250g de farinha de sêmola, 1 ovo), mas, por sorte, encontrei um fettuccine italiano no supermercado que vai servir direitinho. Na embalagem, vê-se que o tempo de cozimento é de 6 minutos. Portanto, esse é o tempo que temos até o prato pronto, já que, no caso do Fettuccine Alfredo, é preciso que o molho e a massa sejam feitos juntos e fiquem prontos ao mesmo tempo.  O molho precisa da água do cozimento da massa para poder chegar ao ponto perfeito de cremosidade que desejamos.

O outro ingrediente é a manteiga. O ideal seria encontrar aquela manteiga fresquíssima, com quantidade mínima de água, que se torna cremosa quando derretida. Como eu não tinha em casa a manteiga da QUEIJARIA CINQUENTA (@queijaria50), por exemplo, tive que me socorrer de alguma dessas que a gente encontra no mercado. O resultado é o mesmo? Não, claro que não. Mas, pra efeitos didáticos, dá pra mostrar…

Vale lembrar que servir fettuccine com manteiga e queijo foi mencionado pela primeira vez em uma receita do século XV de maccaroni romaneschi (massa romana) de Martino da Como, um cozinheiro do norte da Itália ativo em Roma; a receita pede cozinhar a massa em caldo ou água e acrescentar manteiga, bom queijo (a variedade não é especificada) e temperos doces. Na verdade, o que Di Lelio inventou foi o fettuccine al triplo burro, adicionando manteiga extra (muita manteiga!) ao macarrão.

Como são poucos os ingredientes que vão nessa massa, caso queira uma experiência marcante, invista naqueles produtos de melhor qualidade. Vai valer a pena, eu garanto!

O último item dessa receita seria o Parmigiano Reggiano, originário da Itália, nascido na Província de Reggio Emilia no Século XIV. É um queijo amarelo, de massa dura, textura granular e sabor levemente picante e, devido às diferenças de qualidade do leite e maior tempo de maturação, é um pouco mais acentuado que o Grana Padano. Possui DOP (Denominação de Origem Protegida) e é regulamentado pelo “Consorzio del Formaggio Parmigiano-Reggiano”.

Eu não tinha um desses exemplares em casa. Mas, há pouco tempo, estive no III Festival do Queijo Mantiqueira de Minas, que aconteceu em Itamonte/MG – pretendo contar um pouquinho do que vi por aqui, em breve – e trouxe diversos queijos. Dentre eles, ainda tinha um pedaço de um Mantiqueira de Minas, o nosso “parmesão”, do SÍTIO BRAGUINHA  (@queijos.braguinha), que fica localizado na Usina dos Bragas, em Itamonte/MG. E não tive dúvidas, foi ele que utilizei no preparo…

Aqui o queijo deve ser ralado bem fininho – se quiser ainda mais perfeição, vale passar pela peneira fina, pra transformá-lo quase em um “pó” de queijo…

Bom, acho que a gente agora já tem tudo pronto pra começar, né? Por certo, ainda que seja minha versão, ela vai tentar seguir a receita original e, portanto, vou me abster de acrescentar elementos, como pimenta do reino, dedo-de-moça, salsinha. Mas, saiba que, de posse do básico, a imaginação fica livre pra trabalhar… Permita-se.

Não tenho o costume de passar receitas, mas tão somente as técnicas. Mas aqui, pra dar uma noção, os ingredientes utilizados para duas pessoas são:  200g de Fettuccine,  40g manteiga e 80g de queijo parmesão. Na verdade, usei bem mais manteiga e queijo do que era prescrito… Antes que os puristas me recriminem, lembro que a mantecatura – que vem de mantecare, que em italiano significa “dar forma a uma mistura homogênea, cremosa e uniforme” – é feita na mesa, em uma travessa. Sei disso. Aqui, porém, optei por fazer um creme de queijo antes, mas que fica igualmente delicioso…

Peguei metade da manteiga, coloquei num bowl e o levei até a água que havia colocado para ferver, derretendo-a gentilmente.

Com a manteiga aquecida, fui acrescentando o queijo e misturando vigosoramente com um fouet. Vez ou outra, voltava com ele pra próximo da água quente.

A manteiga e o queijo, aos poucos, vão se incorporando e o calor vai fazendo seu papel.

A ideia aqui é transformar a mistura em um creme homogêneo e muito saboroso.

Quando a água ferver, acrescentar sal grosso e, depois, acrescentar os ninhos de fettuccine.

Com uma pinça, mexer a massa para soltar as fitas. A água deve ser abundante, para que não se corra o risco da massa grudar. Não há necessidade de colocar o tal “fio de óleo”…

Pegamos um pouco da água do cozimento, que já possui um pouco do amido da massa, e colocamos no nosso creme de queijo.

Dessa forma, alongamos nosso molho, deixamos mais fluido e ainda mais homogêneo.

Em uma frigideira larga, derretemos a outra metade da manteiga.

Acrescentamos a massa pra fazer a mantecatura, arrastando-a para a frigideira, trazendo um pouco da água do cozimento. Salteamos bem, para emulsionar a manteiga com a água.

Vertemos a nosso creme de queijo sobre a massa. Salteamos ainda mais essa mistura preciosa…

Com a ajuda de garfos, colheres ou o que tiver à mão, vamos fazendo movimentos, envolvendo todo o macarrão com o molho e obtendo a cremosidade desejada.

Depois, é só empratar – e comer com a urgência de quem sabe que irá chegar ao Paraíso… Sim, essa é uma massa quem tem que ser degustada na hora, assim que fica pronta.

E temos nosso prato clássico prontinho! E, agora, é só abrir um bom vinho – pode ser um Chardonnay de médio corpo, com um toque de carvalho – e aproveitar…

Me conta aí se você quer saber de mais algum outro prato clássico da nossa gastronomia. Prometo trazer aqui…

Até nosso próximo encontro.

DEL SCHIMMELPFENG

@del.schimmelpfeng

 

 

 

 

 

 

 

Author

Del Schimmelpfeng é Analista Judiciário do TJERJ, mas desde que se lembra - e coloca tempo nisso! - ama cozinhar! Apesar de ter feito as faculdades de arquitetura e direito, é se misturando aos pratos, panelas e temperos que se sente inteiro, completo, pleno. É autodidata, nunca fez curso de culinária, tampouco se imaginou um profissional da área. Considera-se apenas um curioso, que procura o conhecimento em tudo e que tenta, de todo jeito, viver da melhor forma possível - apesar de todas as dificuldades. Afinal, não haveria graça se elas não existissem... Participou da seletiva da segunda edição do Masterchef e da décima nona edição do reality "Jogo de Panelas", apresentado por Ana Maria Braga no programa "Mais Você" da Rede Globo, na qual sagrou-se campeão. Possui, ainda, textos publicados em livros de conto e poesia. Blog: http://delschimmelpfeng.blogspot.com Instagram: @del.schimmelpfeng

2 comments

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *